quinta-feira, 7 de agosto de 2008

GESSEIRA DE SANTANA

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 8/7/08
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Agregado cristalino de gesso
HÁ CERCA DE 200 MILHÕES DE ANOS, no começo do Jurássico, com os continentes norte-americano e eurasiático ainda não separados pelo Oceano Atlântico, braços de mar pouco profundos, vindos de sul, invadiram partes do que são hoje as nossas margens ocidental e meridional. Nas lagunas aí formadas e sob um clima quente e seco, teve lugar intensa e prolongada evaporação das águas marinhas que aí entravam permanentemente. Essa evaporação, à semelhança das salinas artificiais, deu origem a grandes espessuras de sais com destaque para o gesso e o sal-gema. O gesso é a matéria-prima do pó branco, com o mesmo nome, que todos conhecemos, usado em estuques e moldes diversos; o sal-gema é, praticamente, o mesmo cloreto de sódio do sal de cozinha. A região onde hoje se situa Sesimbra fez parte deste rosário de lagunas e, aqui, as condições ambientais de então foram favoráveis à precipitação de gesso, ao contrário de outras, nas quais predomina o sal-gema, como é, por exemplo, a região de Loulé, no Algarve.
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A gesseira de Santana, desactivada e abandonada desde os anos 60, é uma ocorrência única no concelho de Sesimbra, representativa deste remoto episódio, desenvolvido ao longo de milhões de anos, com interesse não só local como regional e global. Constitui, em nosso entender, um georrecurso cultural, com o valor de um geomonumento, com óptima localização e fácil acesso, que urge preservar, valorizar, fruir e legar aos vindouros. A sua salvaguarda e competente musealização permitirão uma conveniente e resguardada acessibilidade dos cidadãos ao conhecimento da história geológica da região, proporcionando-lhes uma relação mais próxima com o ambiente natural. Por outro lado, a gesseira de Santana representou, num passado recente, uma actividade económica importante para o concelho, em termos de indústria extractiva, devendo também, por via desta memória, merecer a nossa atenção como património cultural dos sesimbrenses.
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A proposta de musealização deste sítio, apresentada por mim, na qualidade de director do Museu Nacional de História Natural, à Câmara de Sesimbra, há quase dez anos (03.11.1998) continua a aguardar uma resposta por parte da autarquia. Extremamente simples, com custos mínimos e uma total disponibilidade por parte do proprietário do terreno, a musealização da gesseira de Santana resume-se à definição de uma pequena área de protecção e à colocação de um painel explicativo. Numa época em que os Parques geológicos e a musealização de geossítios surgem por toda a Europa e em que o geoturismo cresce de ano para ano, não se entende, como este concelho, riquíssimo neste tipo de património natural, continue a ignorar e desperdiçar toda a colaboração que lhe temos vindo a oferecer, graciosamente, acentue-se. Entre a Lagoa de Albufeira e a Serra da Arrábida, duas pérolas paisagísticas, recheadas de ensinamentos sobre a nossa história mais antiga, são muitos os sítios a integrar num itinerário onde o turismo da natureza vai de mãos dadas com o outro turismo – o que procura o património construído, o gastronómico, o etnográfico, o desportivo, ou, simplesmente, a praia.
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Publicado no «DN» de 26 de Julho de 2008

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