terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Gente de Moçâmedes: família Ramos/Guedes Duarte

Gente de Moçâmedes: família Ramos/Guedes Duarte

via GENTE DO MEU TEMPO. de princesadonamibe em 09/12/08















































foto. Mais uma família que viveu em Moçâmedes até 1975/76. Da esq. para a dt.: João Carlos Guedes Duarte e Maria Helena Ramos Duarte junto dos filhos Helena, Fernando, Jorge, Mário, Ricardo e Lopo. Falta aqui a primogénita, a Conceição (São).

2ª foto: Junto do avião do Aero Clube de Moçâmedes - da esqª para a dtª - João Carlos Guedes Duarte, Fragoso, Armando Guedes Duarte (Mandinho), e Matos.

3ª foto: O «Tiger Mouth» de João Carlos Guedes Duarte com os filhos Lopo e Jorge .
...........

João Carlos (Jinho) tinha o «bichinho» dos aviões e das corridas de automóveis. Era um dos 10 filhos de Maria da Conceição Guedes Duarte (D. Micas) e do industrial e comerciante João Duarte, proprietário de uma pescaria na Praia Amélia e de várias casas na Torre do Tombo e na cidade.

Recordo a pescaria de João Duarte na Praia Amélia. Foi durante muito tempo o local onde familias de Moçâmedes se juntavam aos grupinhos, aos fins de semana de Verão, para um dia bem passado que incluia banhos de mar, pesca desportiva em pequenos barcos ou aé de cima da ponte, e culminava com uma lauta almoçarada que geralmente constava de uma suculenta caldeirade de peixe feita mesmo alí junto aos tanques de salga. A pecaria que João Duarte e os seus filhos detinhm na Praia Amélia encontrava-se apetrechada com uma fábrica de farinhas e óleos de peixe, instalações para salga e seca,
3 traineiras de bom porte, uma ponte, várias casas para o pessoal e 1 capela. João Duarte era também proprietário de algumas vivendas ocupadas por familiares, de um conjunto de casas antigas situadas na Torre do Tombo, que ocupavam quase todo um quarteirão junto à estrada que dá acesso à Praia Amélia, e um prédio de 2 andares, na Rua dos Pescadores arrendado ao Banco de Angola, e construído no gaveto onde antes possuía uma loja de modas/mercearia. Recordo-me que nos finais da década de 40, início da década de 50, para os padrões da época, João Duarte era considerado um homem rico. Mas hoje os seus bens seriam insignificantes se comparados com as rápidas e escandalosas fortunas que se estão a criar em Angola.

É preciso que se saiba que ser industrial de pesca em Moçâmedes podia ser um bom investimento, mas envolvia também um grande risco, uma vez que se ficava dependente das capturas de peixe, e para a industria ser rentável as traineiras tinham que pescar no mínimo 5 mil toneladas por ano. Quem não pescasse essa quantidade tinha prejuizo na medida em que o peixe era vendido a 30o escudos a tonelada, e bastaria um ano de crise para de um momento para outro tudo ir por água abaixo.
Foi o caso da crise de pescado dos anos 50 que avassalou os mares de Moçâmedes e que levou muitas boas empresas de pesca em Moçâmedes à falência e ao total desaparecimento, tais como Carvalho de Oliveira & Cª. Lda., Casal dos Herdeiros de João Maria Inácio, J. Patrício Correia, Portela & Guedes, Angopeixe, Torres & Irmão, Lda., Marcelino de Sousa, Conserveira do sul de Angola, Manuel Nunes de Carvalho & Filhos, Lda., SOS (Soc. Oceânica do Sul), etc.

A empresa de João Duarte também sofreu os efeitos dessa grande crise dos anos 50, e a sua pescaria na Praia Amélia chegou mesmo a ser vendida a uma empresa sul-africana, porém a operação acabou por não se concretizar porque o governo daquele país não autorizou investimentos no estrangeiro, tendo os compradores acabado por perder o sinal que haviam adiantado através de contrato de promessa de compra e venda. O montante do sinal acabaria por facilitar a recuperação da empresa e a construção do prédio na Rua dos Pescadores, onde viria a instalar-se o Banco de Angola. João Duarte conseguiu não apenas vencer a crise dos anos 50, que por arrastamento também atingira o comércio, como até modernizar as suas instalações.

Em João Duarte está o exemplo de mais um português que um dia resolveu partir para Angola, terra onde viveu, casou, teve filhos, labutou, gerou riqueza, proporcionou trabalho e investiu o fruto desse trabalho, sem se preocupar em amealhar para si e para os seus, em algum Banco algures na Europa. O mesmo é dizer-se, deu à terra tudo quanto tinha. Estas pessoas acabaram por ser as mais penalizadas com a «descolonização exemplar», uma vez que Portugal, a potência colonizadora, incapaz de descolonizar e de acautelar os bens dos portugueses, acabou por pura e simplesmente debandar do território, oferecendo-lhes como descargo de consciência, a alternativa única de uma «ponte área» sem retorno. Regressaram às suas terras com as mãos vazias que nunca. Sim, porque os outros, os grande empresários que estavam domiciliados na Metrópole, a elite protegida pelo sistema, que se servia de Angola apenas para «sacar» e investir na Europa, sem qualquer vínculos sentimentais que os ligasse à terra, esses nada perderam, porque tinham o seu pecúlio a bom recato... E mais, após 30 e mais, continuam neste momento a seguir a mesma política em relação a Angola.

Voltando o assunto inicial, que é o que afinal nos interessa, vejamos o retrato que Ricardo (Kady) , um dos 10 filhos de João Carlos Guedes Duarte, traça no seu blog acerca de seu pai, o moçamedense que tinha enraizado em si
o «bichinho» dos aviões e das corridas de automóveis :

...«O meu pai João Carlos Guedes Duarte, também conhecido em Moçâmedes por "Jinho" começou a voar em 1956 e teve licença para pilotar aviões - o popular "brevet" - em 1958. A sua madrinha de voo foi a Celísia Calão, uma senhora lindíssima, aliás lugar comum em Moçâmedes, pessoa que tive o prazer de reencontrar em Portugal continental, pois deu-se a feliz coincidência de a Celísia vir a ser colega da minha mulher na CGD em Lisboa. Foi a Celísia que deu o banho de baptismo de "brevet" ao meu pai com o tradicional balde de água pela cabeça abaixo. O meu pai começou por voar em Moçâmedes, com os aviões do Aero Clube local, tendo participado com boas classificações em diversos "ralis aéreos". Mais tarde acabou por adquirir um Tiger Mouth àquele Aero Clube com o qual fez inúmeras acrobacias aéreas e outras peripécias - desde aterrar na praia a colocar o passageiro a vomitar (diga-se situação um pouco incómoda até para o piloto) porque o Tiger "4 asas" não tinha carlinga e o passageiro viajava, por norma, no lugar da frente. Lembro-me do meu pai me contar que, de vez em quando perdia ferramenta e haveres, deixados por descuido dentro do cockpit, quando se punha a fazer "loopings" e "tonneaux". Quem me lê conhece bem o meu pai e sabe do que ele era capaz de fazer de um avião. Quando cheguei a Portugal (em 1976) vivi por breves meses em Vidago e aí encontrei alguns ditos "retornados" que me contaram peripécias do meu pai com o Tiger que eram desconhecidas na família. Um desses senhores contou-me que o meu pai ia buscá-lo à Baía dos Tigres só para ele ir jogar futebol a Moçâmedes ao domingo e ele (futebolista) perdia mais peso na viagem (tais eram as acrobacias) do que durante todo o jogo!!! Na Baía dos Tigres os aviões aterravam na avenida principal e recolhiam-se ao pé da igreja, onde eram amarrados tal eram as ventanias e tempestades de areia. Como se sabe, os aviões levantam sempre contra o vento e nos dias de vento forte punham-se dois cipaios de cada lado das asas a segurar as mesmas enquanto o avião não tomava aceleração para não levantar antes do tempo!!!Esse Tiger Mouth (prateado) CR-LCN foi , mais tarde destruído em acidente tido pelo meu tio Mandinho (Armando Guedes Duarte) também ele piloto - fez um "cavalo de pau" e partiu a hélice e deslocou os apoios do motor. Vou "postar" aqui as poucas fotos que tenho de Moçâmedes (são só duas) mas prometo, para futuro breve divulgar aqui alguns filmes em 8mm, ou fotos deles extraídas, onde se podem apreciar os ralis aéreos com aviões do Aero Clube de Moçâmedes de outras cidades angolanas e alguma acrobacia aérea no Tiger Mouth.» ....

«... de 1957 a 1961 e nesse tempo de "vacas gordas" o meu pai andava nas corridas de automóveis e nas "brincadeiras" com avionetas do Aero Clube de Moçâmedes e até chegou a ser proprietário de uma pequena avioneta - um Tiger Mouth de "4 asas". Há cá muita gente de Angola, que se lembrarão desses áureos tempos.

Ricardo decreve sucintamente como foram os últimos momentos da sua vida passados em Porto Alexandre, que levarm à fuga do território de Angola em 10 de Janeiro de 1976 :

«...FUGA PARA A "SELVA" EUROPEIA (com breve passagem pelo apartheid) - Janeiro de 1976, já quase não haviam amigos em Palex - todos se tinham ido embora, de carro, de barco ou de avião. As ruas de Palex, pejadas de mortos. O meu pai tinha que ziguezaguear para não os pisar. Era a caça ao homem. Nós que sempre acreditámos que ficaríamos, escorados nos dizeres do Saidi Mingas (assassinado pelo golpe nitista). O Saidi Mingas e o Kundi Paihama (que vivia em Palex e que era meu amigo) disseram ao meu pai - Sr Duarte, fique porque aqueles que saírem vão ter dificuldades em regressar. Infelizmente o Saidi e o Kundi não tinham razão. Hoje vai mais depressa para Angola um tuga que "não gosta de pretos", tal como os russos (e lá faz o sorriso amarelo para os explorar) do que um genuíno angolano como eu e vós leitores que amamos aquela terra .Cronologia da "Fuga" de traineira e repatriamento de comboio, autocarro e avião - Janeiro de 1976 » Palex (dia 10) , Saco da Baleia (dia 11), Baía dos Tigres (dia 12), Cunene (dia 13), Walvis Bay (dias 14 a 23), Swakopmund (dia 23), Usakos (dia 24), Karibib (dia 24), Okahandja (dia 24), Whindoek (dia 24), Abidjan/Costa do Marfim (dia 24), Lisboa (capital da Selva, dia 25) .

Para quem estiver interessado em consultar a fonte, clicar AQUI.

Sem comentários: