Cabeça a Prémio
Autor: Marçal Aquino
Editor: Quetzal, €14, 40
quatro estrelas e meia
Um retrato do Brasil profundo sem "paninhos quentes"
Embora a epígrafe escolhida pelo escritor brasileiro Marçal Aquino para "Cabeça a Prémio" seja do realizador e argumentista Sam Peckinpah ("I wanna be able to make westerns like Kurosawa did"), este romance lê-se como se estivéssemos dentro de um filme de Quentin Tarantino.
Em "Cabeça a Prémio" entramos para dentro de um fantástico "faroeste brasileiro", onde todos têm "a cabeça a prémio" e as personagens se movem pelo dinheiro e códigos de honra particulares. Mas a história não nos é contada de uma forma linear. O narrador - omnisciente, omnipresente e que conhece todos os personagens - puxa o leitor para a frente e para trás, obriga-o a estar atento e no final encaixa-se tudo perfeitamente.
Há um "desarranjo temporal", um ritmo e uma linguagem muito próximos do cinema. Embora Marçal Aquino seja considerado um escritor policial, a sua literatura anda por outros territórios.
"Eu não consigo ficar muito tempo com a mesma mulher. Por quê? Ah, não sei. Acho que mulher desconcentra a gente. Eu não fico sem, mas acabo cansando rápido", afirma a determinada altura uma das personagens de "Cabeça a Prémio", que nos conta uma história de dois pistoleiros e de uma quadrilha de traficantes de droga no Brasil profundo.
Mas não se deixem enganar. Este é um romance que se passa num mundo de homens mas em que afinal as mulheres são aquelas que fazem mover a acção. Negócios escuros, contrabando, droga, prostituição, armas, corrupção, violência juntam-se a duas histórias de amor. A de Brito, o matador, e Marlene, a dona de um bordel que se cruza com a história do piloto, Dênis, que trabalha para um traficante e se apaixona pela filha deste, Elaine.
"Brito lembrou que Mirão nunca falava em 'matar'. Preferia pedir que você 'cuidasse' de uma pessoa. Ou que 'desse um jeito' em alguém. Sutilezas de um homem que até o tamanho impedia de ser sutil. Na boate em Campo Grande, quando se conheceram, Brito demorou um pouco para compreender o que ele estava pedindo", lê-se na pág. 75. E tal como Brito demorou algum tempo a perceber o que ele estava pedindo em "Cabeça a Prémio" também o leitor é mantido na ignorância (até certo ponto) acerca das motivações das personagens. Marçal Aquino faz isto primorosamente bem e as suas personagens são de carne e osso.
O realizador Beto Brand, com quem o escritor costuma trabalhar no cinema, diz que quando os dois olham para a mesma mulher só Marçal Aquino nota que "o esmalte do dedão do pé está descascando". Ele é "o cara do detalhe". E é por essa atenção ao detalhe que "Cabeça a Prémio" nos conta uma história que não nos larga mesmo depois de termos pousado o livro. É um retrato do Brasil profundo sem "paninhos quentes".
Este é o terceiro livro de Marçal Aquino publicado em Portugal. Os romances "O Invasor" e "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios" foram publicados em Portugal pela editora Palavra (em 2005 e 2006) embora o autor seja mais conhecido como contista. Recebeu o Prémio Jabuti em 2000 pelo livro de contos "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos".
(crítica publicada no suplemento Ípsilon de 22 de Maio de 2009)
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