via Um Homem das Cidades de Diogo em 12/05/09
Alguns excertos da entrevista de Nahum Goldmann ao jornal «Le Nouvel Observateur», de 25 de Outubro de 1976:
«Na sua grande maioria, a opinião judaica era hostil a qualquer contacto com os Alemães. Compreendo bastante bem essa atitude e disse muitas vezes que, se o povo judeu tivesse aceitado unanimemente a ideia de negociar indemnizações em dinheiro com os alemães, teria tido vergonha de ser judeu. O povo judeu devia por isso manifestar a sua oposição mas não era necessário que os seus líderes a tivessem em conta; é isto a política». Ler mais
«Sem as indemnizações alemãs, que começaram a chegar durante os primeiros dez anos da existência como Estado, Israel não teria metade da sua infra-estrutura actual: todos os comboios de Israel são alemães, os barcos são alemães, assim com a electricidade, uma grande parte da indústria... já sem falar das pensões individuais destinadas aos sobreviventes. Hoje [1976], Israel recebe ainda, anualmente, centenas de milhões de dólares em moeda alemã».
«Não compreendo o teu optimismo, disse-me Ben Gourion. Porque é que os Árabes haveriam de fazer a paz? Se eu fosse um líder árabe, jamais assinaria a paz com Israel. É normal, nós tomámos conta do seu país. É certo que Deus no-lo prometeu, mas o que é que isso lhes interessa? O nosso deus não é o deles. Nós somos originários de Israel, é verdade, mas isso foi há dois mil anos: o que é que eles têm a ver com isso? Houve o antisemitismo, os nazis, Hitler, Auschwitz, mas foi culpa deles? Eles não vêem senão uma coisa: nós chegámos e roubámos o seu país. Porque é que eles o iriam aceitar? Talvez eles o esqueçam numa ou duas gerações mas, por ora, não existe essa possibilidade. Portanto, é simples: devemos manter-nos fortes, ter um exército poderoso. Toda a política está aí. Doutra forma, os Árabes destruíam-nos».
«Na sua grande maioria, a opinião judaica era hostil a qualquer contacto com os Alemães. Compreendo bastante bem essa atitude e disse muitas vezes que, se o povo judeu tivesse aceitado unanimemente a ideia de negociar indemnizações em dinheiro com os alemães, teria tido vergonha de ser judeu. O povo judeu devia por isso manifestar a sua oposição mas não era necessário que os seus líderes a tivessem em conta; é isto a política». Ler mais
«Sem as indemnizações alemãs, que começaram a chegar durante os primeiros dez anos da existência como Estado, Israel não teria metade da sua infra-estrutura actual: todos os comboios de Israel são alemães, os barcos são alemães, assim com a electricidade, uma grande parte da indústria... já sem falar das pensões individuais destinadas aos sobreviventes. Hoje [1976], Israel recebe ainda, anualmente, centenas de milhões de dólares em moeda alemã».
«Não compreendo o teu optimismo, disse-me Ben Gourion. Porque é que os Árabes haveriam de fazer a paz? Se eu fosse um líder árabe, jamais assinaria a paz com Israel. É normal, nós tomámos conta do seu país. É certo que Deus no-lo prometeu, mas o que é que isso lhes interessa? O nosso deus não é o deles. Nós somos originários de Israel, é verdade, mas isso foi há dois mil anos: o que é que eles têm a ver com isso? Houve o antisemitismo, os nazis, Hitler, Auschwitz, mas foi culpa deles? Eles não vêem senão uma coisa: nós chegámos e roubámos o seu país. Porque é que eles o iriam aceitar? Talvez eles o esqueçam numa ou duas gerações mas, por ora, não existe essa possibilidade. Portanto, é simples: devemos manter-nos fortes, ter um exército poderoso. Toda a política está aí. Doutra forma, os Árabes destruíam-nos».
************************
Nahum Goldmann orgulha-se de duas grandes coisas: a fundação do estado de Israel – na qual participou – e as reparações [indemnizações] alemãs após a guerra – que ele negociou. É a história dessas difíceis negociações com Adenauer que expõe aqui aquele que é, aos 82 anos, o mais inconformista dos sionistas, ao mesmo tempo Presidente do Congresso judaico mundial e apoiante de paz com os Árabes.
Pai fundador de Israel – da mesma maneira que um Weizmann ou um Ben Gourion – Nahum Goldmann escolheu a Diáspora. Presidente do Congresso judaico mundial, tomou muitas vezes posições em contradição com a política oficial de Jerusalém. Chefe de Estado sem Estado, é, há mais de sessenta anos – em primeiro plano ou nos bastidores -, um dos personagens principais da história judaica contemporânea. Lituano de origem, alemão de cultura, americano de nacionalidade, Nahum Goldmann é, aos oitenta e um anos, o mais desconcertante dos sionistas. Amigo de Nasser, negociador junto de Adenauer das reparações [indemnizações] alemãs, apoiante de paz com os Árabes, ele não poderia encontrar melhor definição de si próprio que aquela que serve de título ao seu último livro: «le Paradoxe juif» [o Paradoxo judeu], que será lançado em Novembro nas edições Stock.
Ben Gourion com Konrad Adenauer, a 14 de Março de 1960. Poucos sabem que a Alemanha continua a pagar indemnizações a Israel [Foto - Nouvel Observateur].
Pai fundador de Israel – da mesma maneira que um Weizmann ou um Ben Gourion – Nahum Goldmann escolheu a Diáspora. Presidente do Congresso judaico mundial, tomou muitas vezes posições em contradição com a política oficial de Jerusalém. Chefe de Estado sem Estado, é, há mais de sessenta anos – em primeiro plano ou nos bastidores -, um dos personagens principais da história judaica contemporânea. Lituano de origem, alemão de cultura, americano de nacionalidade, Nahum Goldmann é, aos oitenta e um anos, o mais desconcertante dos sionistas. Amigo de Nasser, negociador junto de Adenauer das reparações [indemnizações] alemãs, apoiante de paz com os Árabes, ele não poderia encontrar melhor definição de si próprio que aquela que serve de título ao seu último livro: «le Paradoxe juif» [o Paradoxo judeu], que será lançado em Novembro nas edições Stock.
Ben Gourion com Konrad Adenauer, a 14 de Março de 1960. Poucos sabem que a Alemanha continua a pagar indemnizações a Israel [Foto - Nouvel Observateur].
************************
A entrevista completa de Nahum Goldmann ao jornal «Le Nouvel Observateur», de 25 de Outubro de 1976:
[Tradução minha]
A obtenção de indemnizações alemãs depois da última guerra [Segunda Guerra Mundial] constitui uma longa história e, talvez, o acontecimento da minha vida ao qual eu estou mais ligado. Creio ter dito que fiquei sobretudo alemão pela minha cultura, sendo sempre judeu, e cosmopolita no sentido «universal» do termo. Antes do hitlerismo, durante um curto século, a Alemanha deu aos judeus todos os direitos e, em troca, os judeus enriqueceram este país em todos os domínios: literário, filosófico, musical, político, financeiro… Certamente, o hitlerismo varreu os judeus alemães mas não conseguiu nada contra esta contribuição múltipla e incomparável.
A grande falha, que novamente sublinho, dos judeus alemães foi de não terem medido a tempo os riscos terríveis da aventura hitleriana. Já afirmei muitas vezes que, se não tivéssemos pertencido à geração que criou o Estado de Israel, teríamos ficado numa das mais dolorosas situações da história judaica em virtude da nossa falta de previsão e da nossa ausência de solidariedade anterior ao período nazi. Com alguns amigos, nunca deixei jamais pessoalmente de lançar gritos de alarme mas não pude, ou não soube, fazer-me entender.
Como eu representava o Congresso judaico mundial e a Agência judaica em Genebra, encontrava regularmente os líderes do judaísmo alemão. Estes encontros eram clandestinos porque lhes era interdito ter contactos com um homem desnaturalizado por alta traição. Tentámos fazer o máximo possível mas o povo judeu não nos ajudou muito. As democracias tiveram, também elas, a sua culpa mas, antes de acusar os não judeus, acusemo-nos a nós próprios. Mais tarde, quando os judeus começaram a compreender o horror da situação, a Alemanha era já tão forte que nada já era possível.
Se não contar com os meus encontros com os sobreviventes dos campos de concentração aquando da libertação, não regressei oficialmente à Alemanha senão para me encontrar com o chanceler Adenauer e empreender as negociações sobre as indemnizações. Estas indemnizações constituem uma inovação extraordinária em matéria de direito internacional. Até então, com efeito, quando um país perdia uma guerra, pagava os prejuízos ao vencedor, mas isso passava-se de Estado para Estado, de governo para governo. Ora, pela primeira vez, uma nação ia indemnizar ou simples indivíduos ou Israel, o que não existia juridicamente na altura dos crimes de Hitler. De resto, devo reconhecer que a ideia não partiu de mim.
Durante a guerra, o Congresso judaico mundial tinha criado em Nova Iorque um Instituto de Assuntos judaicos cuja sede é hoje em Londres. Os directores eram dois grandes juristas judeus lituanos, Jacob e Nehemiah Robinson. Craças a eles, o Instituto formulou duas ideias completamente revolucionárias: o tribunal de Nuremberga e as indemnizações alemãs.
É difícil avaliar a importância que revestiu o tribunal internacional que se instalou em Nuremberga. Segundo a lei internacional, era de facto impossível sancionar os militares por terem obedecido a ordens. Foi Jacob Robinson que teve a ideia extravagante e sensacional. Quando ele começou a falar disso aos juristas do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, tomaram-no por um louco «que fizeram então de extraordinário esses oficiais nazis? perguntaram. Podia-se imaginar que Hitler fosse a julgamento, Goering também, mas não simples militares que executaram ordens e que se comportaram como soldados leais.» Nós tínhamos portanto a maior dificuldade em persuadir os Aliados; os Britânicos eram à partida contra, os Franceses não estavam nada interessados e, se tivessem participado, não teriam desempenhado um papel importante. O êxito resultou do facto de Robinson ter conseguido convencer Robert Jackson, juiz Supremo Tribunal americano.
A outra ideia do Instituto era que a Alemanha nazi devia pagar depois da sua derrota. Faltava ainda acreditar nessa derrota mas, na altura em que cada um podia supor que a guerra estava perdida para os Aliados, como Churchill, de Gaulle..., eu mantive a esperança. Em nenhum instante duvidei, porque sabia que Hitler não se conseguia moderar e que os seus exageros levariam os Aliados a entrar no conflito. No seguimento das conclusões do Instituto, as indemnizações alemãs deveriam ser dirigidas em primeiro lugar às pessoas que tinham perdido os seus bens por causa dos nazis. Por outro lado, se, como esperávamos, o Estado judeu fosse criado, os Alemães pagar-lhe-ia compensações para permitir aos sobreviventes estabelecer-se lá. A primeira vez que esta ideia foi expressa, aconteceu durante a guerra, no decurso de uma conferência em Baltimore.
Um vez terminado o processo de Nuremberga, considerámos de novo o problema das indemnizações. Vários líderes judeus tentaram então estabelecer relações com Adenauer mas os seus propósitos eram a maior parte das vezes ridículos. Uma organização sugeriu-lhe pagar vinte milhões de marcos alemães; ora, no fim dos acordos que obtive, são oitenta mil milhões de marcos que os Alemães deverão pagar no total!
Os nossos «contactos» eram Walter Hallstein, então sub-secretário de Estado, que veio a ser mais tarde presidente da CEE e o diplomata Herbert Blankenhorn, director do departamento político do ministério dos Assuntos exteriores e braço direito de Adenauer. Estes dois homens ficaram meus amigos íntimos.
Aquando da reunião do Congresso judaico mundial em Londres, um judeu russo, Noah Barou, homem maravilhoso, grande idealista, cuja morte prematura nos deixou abalados, impeliu-me a entrar no jogo e a ter um encontro com Adenauer. No meu íntimo, eu estava muito hesitante porque falar novamente com os Alemães não me era fácil. Foi finalmente o meu cérebro que me decidiu a negociar, não o coração. Mas colocava uma condição prévia: antes de encontrar o chanceler para estabelecer as negociações, era preciso que Adenauer fizesse uma declaração solene no Bundestag [Parlamento alemão]; ele tinha de dizer que a Alemanha de hoje não era certamente aquela que quis Auschwitz (o próprio Adenauer tinha estado preso durante o governo de Hitler, e depois escondeu-se num mosteiro porque o Gestapo o procurava), mas que ela [a Alemanha] herdava a responsabilidade dos nazis e que lhe incumbiam as indemnizações; deveria acrescentar que as indemnizações materiais não iriam apagar o mal feito aos judeus pelos Alemães.
Quis-se por diversas vezes arranjar uma entrevista entre nós mas recusei ver o chanceler enquanto o discurso não fosse pronunciado. Eu estava de férias com a minha mulher no lago suíço dos Quatro-Cantões. Adenauer estava de férias a meia hora de lá, em Burgenstock. Blankenhorn veio-me ver para me dizer: «Adenauer está de férias aqui perto; se você tiver um encontro com ele ninguém o saberá. Ora, ele deseja muito a sua visita.» Eu não cedi.
Um pouco mais tarde, em Paris, mais exactamente no hotel Raphael, que era um lugar excelente onde ficava também Eisenhower (eu fico sempre em hotéis frequentados por generais: eles escolhem os melhores porque não pagam), veio ter comigo um membro do primeiro parlamento alemão, um judeu socialista de nome Jacob Altmaier. Era um dos conselheiros de Adenauer para as questões judaicas. «O chanceler decidiu fazer-lhe a vontade, disse-me; ele vai apresentar uma declaração solene no Bundestag daqui a um dia ou dois e desejava que você a lesse antes para acrescentar possivelmente alguns comentários.» Fiz algumas correcções, que Adenauer nunca levou em conta, e, dois dias mais tarde, fez o seu discurso. Todo o parlamento alemão se levantou e observou, de pé, cinco minutos de silêncio em memória das vítimas judias do nazismo.
Desse lado, as coisas tinham tomado o rumo que eu desejava e doravante podia estabelecer as conversações. Mas restava um grande problema: na sua grande maioria, a opinião judaica era hostil a qualquer contacto com os Alemães. Compreendo bastante bem essa atitude e disse muitas vezes que, se o povo judeu tivesse aceitado unanimemente a ideia de negociar indemnizações em dinheiro com os alemães, teria tido vergonha de ser judeu. O povo judeu devia por isso manifestar a sua oposição mas não era necessário que os seus líderes a tivessem em conta; é isto a política.
Adenauer enviou-me uma mensagem na qual se dizia disposto a negociar com um único representante dos judeus da Diáspora. Quanto às negociações com Israel, ele queria resolver a questão com uma delegação diferente. Inicialmente, o governo israelita tinha enviado notas diplomáticas aos quatro aliados: Soviéticos, Franceses, Britânicos e Americanos. Nelas explicava que o "custo de absorção de meio milhão de refugiados judeus sobreviventes dos campos de concentração era de mil e quinhentos milhões de dólares"; Israel queria que a Alemanha Ocidental pagasse dois terços dessa soma e a Alemanha de Leste um terço. Se Telavive se dirigia ainda aos aliados, era para não falar directamente com os alemães.
Até hoje, os Russos não responderam a esta nota. Quanto aos três outros aliados, disseram que estavam de acordo que a Alemanha pagasse, mas que não podiam negociar em nome dos judeus; eles tinham os seus próprios problemas com os Alemães: negociar as questões da ocupação e da soberania. O governo israelita estava por isso numa situação de constrangimento. Ben Gourion et Moshe Sharett convocaram-me então para me dizer : «O essencial das negociações deve ser feita em nome do povo judeu porque as vítimas do nazismo foram-no na condição de judeus e não na condição de Israelitas. Pessoalmente, não nos podemos expor demasiado porque o Herut fez deste caso um cavalo de batalha político». Haviam de facto grandes manifestações de rua em Israel; atiravam-se pedras a Ben Gourion mesmo no interior do Knesset, a Assembleia nacional israelita.
Mais uma vez eu compreendo esta reacção; compreendo a cólera e a indignação daqueles que tanto sofreram. É um pouco a mesma coisa hoje com os judeus da U.R.S.S., esses que conheceram as prisões e as penitenciárias soviéticas são os mais anti-russos. É preciso respeitá-los, admirá-los, mas sobretudo não fazer o que eles querem. Sem as indemnizações alemãs, que começaram a chegar durante os primeiros dez anos da existência como Estado, Israel não teria metade da sua infra-estrutura actual: todos os comboios de Israel são alemães, os barcos são alemães, assim com a electricidade, uma grande parte da indústria... já sem falar das pensões individuais destinadas aos sobreviventes. Hoje, Israel recebe ainda, anualmente, centenas de milhões de dólares em moeda alemã. Quando Pinhas Sapir fez um grande discurso para me defender diante do Conselho judaico mundial, afirmou: «Goldmann trouxe para Israel oito mil milhões de dólares». Em determinados anos, as somas de dinheiro eu Israel recebia da Alemanha ultrapassavam as colectas do judaísmo internacional – multiplicando-as às vezes por dois ou três. Hoje, já ninguém está contra este princípio; mesmo certos membros do Herut entendem as indemnizações.
Convoquei portanto a Nova Iorque a Claims Conference [Conferência de Reivindicações] (mais precisamente Conferência das Reivindicações Materiais dos Judeus à Alemanha), representando todas as organizações judaicas. Em frente do hotel onde ficámos, a multidão manifestava a sua cólera e tive de sair sob a protecção da polícia. Em subida de tom, existiam violentas discussões no seio da Conferência porque ninguém estava de acordo sobre a designação dos membros do executivo. A discussão já durava há meio dia, sem resultado, quando um membro do l'American Jewish Labour Committee [Comité Americano dos Trabalhistas Judeus] se levantou e disse: «só há uma solução, demos plenos poderes a Goldmann para escolher os seus membros e nomeemo-lo presidente!» Fui desta forma nomeado por unanimidade – coisa inimaginável tanto no congresso sionista quanto no Congresso judaico mundial.
A minha primeira entrevista com Adenauer devia ter lugar sem que ninguém o soubesse. O chanceler informou-me então de um dia que iria estar em Londres para dar uma conferência e que nessa ocasião podia-me encontrar no hotel Claridge. Pediu-me para entrar em contacto com Blakenhorn para preparar esta conversa e discutir as modalidades. A Blankenhorn, que eu vi com Barou, pedi imediatamente, como condição preliminar à abertura das negociações propriamente ditas, que a Alemanha aceitasse o pedido de Israel – a saber, mil milhões de dólares não como meta mas como um ponto de partida.
Blankenhorn protestou : «Mas é completamente impossível! Como é que o chanceler poderia tomar um tal compromisso sem consultar os membros do seu governo – e, à partida, o seu ministro das finanças, Fritz Schgeffer, que é uma personalidade tão forte? Você tem de esperar». É bom lembrar que esta cena se passou muito antes do famoso «milagre económico» alemão e que, nos anos 1950, a Alemanha era muito pobre. Mas eu mantive-me inflexível: «sem uma tal promessa, retomei, não aconselharei nem aos meus colegas do Claims [Reivindicações] nem a Ben Gourion a aceitar o princípio da negociação». Chegada a altura, encaminhei-me para o Claridge para ter uma das conversas mais impressionantes da minha vida política. A atmosfera era glacial. Reparem: eu tinha à minha frente o primeiro chanceler da Alemanha depois de Hitler. Então, de repente, entrei directamente no assunto: «Senhor chanceler», disse a Adenauer, este momento é histórico. Normalmente, não gosto de grandes frases mas o momento em que o representante do povo judeu encontra o líder da nação alemã que massacrou seis milhões de judeus é necessariamente histórico, e vou-vos explicar porquê. «Só lhe peço que me deixe falar vinte minutos sem me interromper». E Adenauer, com a sua figura venerável de estátua medieval, escutou o meu discurso sem abandonar a sua impassibilidade.
E terminei dizendo-lhe: «senhor chanceler, não vou brincar aos diplomatas porque o nosso problema não é um problema de diplomacia mas de moralidade. Se decidir agir, fica empenhado num dever moral. Se decidir abordar o debate em termos diplomáticos, será melhor que não nos tornemos a ver. Os Israelitas pedem mil milhões de dólares e eu pedi que esta soma fosse considerada como base de partida. O Sr. Mankenhorn disse-me que, segundo a vossa constituição, era completamente impossível. Respondi-lhe que não podia esperar porque o povo judeu está numa grande efervescência e na sua maioria opõe-se a todas as negociações susceptíveis de lavar os crimes da Alemanha. Mas agora que isto já é do seu conhecimento, sinto que você tem uma personalidade suficientemente forte para esquecer por um instante os rigores da vossa constituição – quando se trata de um tal assunto.».
Adenauer observou-me antes de responder: «Sr. Goldmann, nunca tive o prazer de o encontrar antes». E, de facto, tal teria sido possível porque ele tinha sido membro do comité pró-palestiniano antes de Hitler subir ao poder. «Você conhece-me à meia hora e devo dizer ao meu amigo Blankenhor, que, a quem eu conheço há tantos anos, - que você me compreende melhor do que ele. Queira passar ao escritório ao lado; vou-lhe enviar a minha secretária: dite-lhe a carta e eu assino-a».
Ditei a carta, à qual Adenauer introduziu uma única alteração; eu tinha escrito que os mil milhões de dólares seria «die Basis», a base, e ele substituiu esta palavra por «die Grundlage», o princípio, o que ia dar ao mesmo. E ele conclui a entrevista com estas palavras: «envie-me o Sr. Barou esta tarde; eu entregar-lhe-ei a carta assinada».
Nenhum outro homem de Estado teria ousado fazer semelhante coisa. Depois desta assinatura, ele teve grandes dificuldades com o seu gabinete que o censurou por se comportar como um ditador, de ter prometido estes mil milhões de dólares sem ter pedido a opinião de ninguém. Mas era Adenauer, um verdadeiro líder, e todos acabaram por aceitar. É muitas vezes assim que é necessário conduzir uma democracia. Esta conversa permaneceu durante muito tempo ignorada porque tínhamos decidido que, se os jornalistas tivessem vindo, ambos negaríamos que alguma vez nos tivéssemos encontrado. De resto, eu tinha feito bem em ter multiplicado as precauções e ter entrado no Claridge pela entrada de serviço, porque muitos sentiram que se passava alguma coisa e mesmo o Times falou em rumores.
Munido da carta, dirigi-me de seguida à Claims Conference onde o comité aprovou por unanimidade a abertura das negociações. Paralelamente, Ben Gourion enfrentou o Knesset onde a oposição vociferava se contra os negociadores. A maioria dos líderes do Mapai, com excepção de Golda Meir e alguns outros, eram pelas negociações; os liberais também. Mas o Herut e o Mapam opunham-se a elas. Se Israel tivesse recusado, eu não teria podido negociar: era-me impossível arcar com tais responsabilidades. Finalmente, o knesset designou um grupo dirigido por Giora Josephtal e Felix Shinnar; Israel tinha então a sua delegação e o Claims a sua.
É sabido que as duas delegações negociaram cada uma por seu lado com a delegação alemã, à cabeça da qual se encontravam dois homens lendários: o eminente jurista Otto Küster e o professor Franz Boehm, que festejou recentemente o seu octogésimo aniversário. Ben Gourion disse um dia que, se Israel tivesse dez pessoas com a honestidade de Boehm, a vida nesse país seria melhor. É um exagero típico de Ben Gourion mas é verdade que Franz Boehm é um personagem verdadeiramente extraordinário moralmente e intelectualmente.
Os alemães discutiam então, de manhã, as indemnizações colectivas com a delegação israelita e, de tarde, os direitos do indivíduo com a delegação da Claims Conference. Quando surgia uma dificuldade, preveniam-me e eu ia resolver o assunto com Adenauer. As negociações desenrolavam-se perto de Haia, onde jamais capitulei. Duraram seis meses e não posso entrar aqui em detalhes: está a ser preparado um livro em três volumes!
Uma vez que Adenauer me entregou a famosa carta, tive de me encontrar, mais tarde, com o ministro alemão das finanças, Fritz Schaeffer. Este católico de direita, antinazi desde sempre, duma integridade total, foi um dos melhores ministros das Finanças que a Alemanha jamais teve. Disse-me logo: «Escute, meu caro Golmann, você não pode exercer nenhuma chantagem sobre mim; nunca fui nazi e Hitler meteu-me na prisão. Isto dá-me liberdade para me opor a si, o que antigos nazis não ousariam fazer».
E continuou: «o que você pede é correctíssimo e tem todo o direito moral do mundo. Simplesmente, repare, não sou um moralista nem um rabi, mas o ministro das finanças de um país actualmente pobre. Portanto, como se diz em Yiddish [língua judaico-alemã], indique-me o valor final da soma [das indemnizações]. Quanto é que isso tudo custará?
- Ignoro ainda os pormenores», respondi-lhe. E era verdade: só os soube recentemente. Digo sempre que um presidente é um homem que assina um acordo mas que não o conhece. Eu sou um negociante por grosso e não tenho nenhuma paciência para examinar os parágrafos um a um. Schaeffer porém insistiu. «O nosso especialista Robinson, disse-lhe, calculou que o total andará pelos seis mil milhões de marcos.
- Mas os nossos especialistas chegaram ao valor de oito mil milhões de marcos e isso é demasiado», replicou.
Na realidade, a Alemanha pagou até hoje sessenta mil milhões de marcos e o total chegará a oitenta mil milhões – doze a catorze vezes mais do que nós tínhamos calculado na altura… não poderíamos portanto censurar os alemães por terem sido mesquinhos e de não terem cumprido as suas promessas. Pelo contrário, desde que as leis foram votadas, Schaeffer desbloqueou imediatamente os fundos e, em várias ocasiões, concedeu-nos mesmo adiantamentos – o que não era fácil, como testemunha uma anedota que vou contar.
A Alemanha tinha contraído dívidas colossais, herdadas tanto de Hitler como da República de Weimar. Para se reabilitar aos olhos do mundo e recomeçar a concluir os pagamentos, precisava primeiro de os fixar. Neste domínio, o director das negociações era o maior financeiro alemão: Hermann Abs. Director do Banco Central Alemão, discutiu ponto por ponto com os Aliados as modalidades de reembolso e defendia que a Alemanha não podia pagar senão uma pequena parte.
Tendo conhecimento das nossa próprias negociações com o governo alemão, Hermann Abs foi-se queixar a Adenauer: «No momento em que eu digo aos Aliados que estamos na bancarrota, o Sr. oferece milhões a Goldmann sem qualquer contrato jurídico. A minha situação é insustentável. Adie as negociações com os judeus para quando eu tiver terminado de negociar com os aliados». Adenauer aceitou a sugestão e enviou-me um recado por intermédio de Blankenhorn que me telefonou para que eu recebesse Abs em Londres.
Abs veio então explicar-se a sua posição: «Sr. Goldmann, aceitei as suas exigências em princípio. Entretanto, terá de esperar seis meses porque, se souberem das suas exigências, os Aliados vão-me fazer a vida difícil. Sugeri, portanto, ao chanceler que vos pague um adiantamento de duas ou trezentos milhões de marcos. Dentro de seis meses, poderão retomar as vossas negociações».
- Lamento, mas é impossível, respondi-lhe. Trata-se com efeito de um problema emocional. O povo judeu está agitado até ao fundo da sua alma. Não podemos meter esta questão no congelador e dizer às vítimas do nazismo: «Adiem a vossa agitação. Dentro de seis meses, podem recomeçar a protestar». Ou resolvemos o problema agora, ou não será resolvido jamais.»
Disseram-me mais tarde que Abs ficou muito agastado com a minha resposta, mas, alguns anos depois, ele chegou à conclusão que eu tinha razão. Tal não impedia que Adenauer já não soubesse o que havia de fazer: toda a indústria alemã e a alta finança eram contra as nossas reivindicações. Paralelamente, Shaeffer defendia que o governo de Israel aceitaria muito menos do que aquilo que eu pedia. De facto, ele conhecia a fundo o orçamento israelita que, na época, estava em falência total. Quando eu era presidente do Executivo sionista em Nova Iorque, o representante financeiro de Israel, Martin Rosenblueth, vinha muitas vezes a minha casa, cerca das dez horas da manhã, para me dizer: «Nahum, o que é que tu fazes tranquilamente sentado, quando os bancos fecham à uma da tarde e temos uma factura a pagar?»
Tinha então de telefonar «à pressa» às organizações sionistas para arranjar com urgência cem mil dólares. Schaeffer estava ao corrente desta situação e dizia-nos, tanto a Adenauer como a mim: «Como? Os Srs. Julgam que Israel recusaria metade ou mesmo um terço desta soma? Um país falido?» Estou a revelar isto aqui pela primeira vez: era ele que tinha razão.
Quando Adenauer nos informou finalmente que a Alemanha não nos podia oferecer nessa altura mais do que duzentos a trezentos milhões de marcos, escrevi-lhe uma carta para romper as negociações. Recebi um telegrama de Ben Gourion pedindo-me para o ir ver.
Quando cheguei a Israel ninguém podia descer do avião antes de mim e um automóvel esperava-me ao pé do aparelho para me levar directamente a casa de Ben Gourion que me repreendeu imediatamente: «Nahum, não sejas demasiado ambicioso. Disseram-me que tu conseguias obter imediatamente trezentos milhões de marcos. Israel pedia mil milhões mas tu conheces a situação…
- Escuta, Ben Gourion, respondi-lhe, se os alemães se ficarem pelos trezentos milhões, eu não assino. Mas, a ti, aconselhar-te-ia a assinar.
- Qual é a diferença entre ti e mim?
- É simples: eu represento o povo judeu, que é demasiado rico para o meu gosto. Tu representas um Estado em situação de falência. Eu posso permitir-me recusar; tu não o podes fazer...
- Desta maneira, tu serás o herói e eu o cobarde! Pois bem, já que tu não assinas, eu também não o faço.»
Depois, Ben Gourion perguntou-me qual era o meu mínimo. Respondi-lhe que com menos de quinhentos milhões de dólares, eu não aceitaria qualquer acordo, mas que esperava obter entre seiscentos a setecentos milhões. Acabei por obter finalmente três mil milhões de marcos, ou seja oitocentos e vinte e três milhões de dólares; partindo de uma base de mil milhões de dólares, receber 82% não se pode considerar um mau negócio [...].
Se David Ben Gourion e eu fomos muitas vezes adversários, foi essencialmente a propósito dos árabes. Quanto ao resto, sentíamo-nos muito próximos, e mesmo sobre a partilha da Palestina, desde as negociações com a Alemanha pós-nazi, ele ficou do meu lado. Na sua concepção fundamental do carácter do movimento sionista e do Estado de Israel, Ben Gourion estava completamente de acordo comigo; estávamos os dois convencidos de que se Israel se tornasse um Estado como os outros, não sobreviria…
Nós tínhamos um amigo comum – um homem extraordinário que, se não tivesse morrido tão jovem, ter-se-ia tornado sem dúvida um Primeiro-ministro – que se chamava Giora Josephtal. Era um judeu alemão, pertencendo a uma família assimilada, que representava oficialmente Israel nas negociações com Adenauer. Depois disso, foi durante vários anos secretário geral do Mapai, o partido socialista israelita.
Membro do Executivo sionista, do qual eu era então presidente, Josephtal tinha uma grande ligação com Ben Gourion, que tinha por ele uma grande admiração, e ele queria a qualquer preço que eu fosse nomeado presidente do Movimento sionista mundial. Acabou por convencer Ben Gourion a influenciar-me.
Este último convidou-me um dia para me apressar a aceitar o lugar de presidente. Ao princípio fiquei muito surpreendido porque sabia que ele era bastante crítico em relação à organização sionista. «Ainda por cima, disse-lhe, nós temos tido conflitos públicos; não percebo portanto porque me estás a impelir em ir em frente. Não será uma jogada da tua parte?» Então, respondeu-me: «Vou-te pedir duas coisas. A primeira, é que me deixes falar vinte minutos sem me interromper; a segunda é que te vires para a parede: quero-te ver de costas.»
Julgando que ele tinha ficado louco, disse-lhe que não percebia onde é que ele queria chegar. Mas ele explicou-me: «Quero-te falar durante vinte minutos cara a cara, mais francamente do que alguma vez fiz, mas devo-te também elogiar bastante. Agora, tu já me conheces e sabes que eu não gosto de fazer elogios. Também te conheço e sei que não gostas disso. A situação será muito embaraçosa para os dois se tu estiveres a olhar para mim: portanto vira-te para a parede!»
Virei-me então para a parede, como um idiota, e ele falou acerca de mim durante vinte minutos. Eis o que era muito característico de Ben Gourion: este homem que podia muito violento, até mesmo cruel, era capaz deste tipo de gentilezas. Não posso relatar aqui todo o seu discurso mas, no geral, disse-me isto: «Tenho a certeza que no fundo do teu coração tens uma censura a fazer-me, e essa censura é justificada. Tivemos terríveis derrotas; seis milhões de judeus foram exterminados. Mas também obtivemos duas imensas vitórias históricas: a criação do Estado de Israel e as indemnizações da Alemanha. Sempre estive convencido que haveríamos de ter um Estado mas duvidei muito de receber um cêntimo dos Alemães. Tu és o arquitecto dessas indemnizações e nós em conjunto somos os arquitectos da partilha da Palestina e da criação de Israel. Aos dois triunfos da nossa geração, a tua contribuição foi essencial. Portanto, tens o direito de perguntar porque é que eu não te incumbo do problema que vai decidir o futuro do Estado de Israel: a paz com os árabes. Vou-te explicar as razões.
«Porque é que tu convenceste Acheson e os outros membros do Comité para a Palestina designados pelo presidente Truman? Porque tu és outro Acheson. Tu podias perfeitamente ter sido um secretário de Estado [ministro] americano, tens o mesmo talento, a mesma cultura, o mesmo charme e os mesmos dons de persuasão que Dean Acheson. Porque é que convenceste Adenauer, de quem te tornaste amigo, que ele tinha de dar indemnizações ao povo judeu? Porque tu és outro Adenauer, e podias ter-te tornado Chanceler da Alemanha. A estes homens, falaste de igual para igual porque vocês partilham as mesmas qualidades. Mas com os Árabes, que são bárbaros, todos os talentos não têm valor nenhum. Nem a tua cultura, nem o teu charme, nem a tua arte de persuasão teriam efeito sobre eles. Eles só compreendem a força, e a mão de ferro sou eu, não tu. É esta a explicação. Podes-te voltar para mim agora.
- Compreendo-te perfeitamente. Respondi-lhe, e penso mesmo que existe muita verdade naquilo que disseste. Nasser não é de facto nem Acheson nem Adenauer. Mas porque não utilizar desde logo a política da mão de ferro com luva de veludo? Tu serás a mão e eu serei a luva.
- O momento chegará certamente, reconheceu ele, em que te chamarei. Mas não ainda, não imediatamente…»
Nas minhas numerosas discussões com Ben Gourion, dizia-lhe que as nossas análises eram diferentes sobretudo porque eu estava persuadido que o tempo jogava contra Israel. Repeti-lhe uma centena de vezes: «Faz concessões, faz a paz o mais depressa possível porque a cada ano que passa as coisas tornam-se mais difíceis para nós. Chegará mesmo o momento em que os Árabes não quererão mais ouvir falar de paz, porque o tempo joga a favor deles.» Depois, a crise do petróleo fortaleceu ainda mais o meu argumento.
Mas Ben Gourion manteve as suas posições: «Ao contrário, dizia ele, a distância intelectual e tecnológica entre os Árabes e nós continuará a alargar-se.» E o seu outro leitmotiv [ideia dominante] era que a geração árabe que sofreu as derrotas da guerra de 1948-1949 e a guerra do Sinai não podia fazer a paz com Israel por razões psicológicas. Ele defendia que a geração seguinte teria provavelmente esquecido estas derrotas e, com elas, a vergonha e a humilhação que um pequeno povo infligiu aos exércitos árabes, dez vezes mais numerosos que o seu. Era naturalmente uma análise aberrante porque a nova geração árabe é mais patriota e extremista que a dos seus pais; ela é também menos corrupta [..].
Chaim Weizmann, que, já no fim da sua vida, detestava Ben Gourion ao ponto de se tornar seu inimigo, dizia-lhe: «Ben Gourion criará o Estado de Israel e depois irá arruiná-lo com a sua política.» E, se Israel continua a seguir os preceitos políticos de Ben Gourion, receio que Weizmann acabe por ter razão. Perguntei-me muitas vezes porque é que este homem inteligente, brilhante, que não era um provinciano como tantos dos líderes israelitas, que tinha uma perspectiva de homem de Estado, que um de Gaulle admirava, porque é que um tal homem não via que, sem um acordo com os Árabes, Israel não conheceria o futuro a longo prazo.
Só posso explicar esta atitude pelo seu carácter. Com efeito, pareceu-me muitas vezes que nos homens de Estado, o carácter é mais importante que a inteligência. Muitos deles compreendem com o seu cérebro o que é conveniente fazer, mas o seu carácter impede-os de o realizar. Este comportamento é típico de Ben Gourion; vou dar um exemplo que nunca esquecerei.
Um dia, ou antes, uma noite de 1956, tivemos uma conversa franca sobre o problema árabe. «Não compreendo o teu optimismo, disse-me Ben Gourion. Porque é que os Árabes haveriam de fazer a paz? Se eu fosse um líder árabe, jamais assinaria a paz com Israel. É normal, nós tomámos conta do seu país. É certo que Deus no-lo prometeu, mas o que é que isso lhes interessa? O nosso deus não é o deles. Nós somos originários de Israel, é verdade, mas isso foi há dois mil anos: o que é que eles têm a ver com isso? Houve o antisemitismo, os nazis, Hitler, Auschwitz, mas foi culpa deles? Eles não vêem senão uma coisa: nós chegámos e roubámos o seu país. Porque é que eles o iriam aceitar? Talvez eles o esqueçam numa ou duas gerações mas, por ora, não existe essa possibilidade. Portanto, é simples: devemos manter-nos fortes, ter um exército poderoso. Toda a política está aí. Doutra forma, os Árabes destruíam-nos.»
Fiquei perturbado com este pessimismo mas ele continuou: «Daqui a pouco terei setenta anos. E, Nahum, se me perguntares se quando eu morrer se serei enterrado num Estado judeu responder-te-ei que sim: dentro de dez anos, dentro de quinze anos, creio que ainda existirá um Estado judeu. Mas se me perguntares se o meu filho Amos, que fará cinquenta anos no fim deste ano, terá hipóteses de morrer e de ser enterrado num Estado judeu, responder-te-ei: cinquenta por cento.
- Mas enfim, interrompi-o, como é que tu consegues dormir com a ideia de uma tal perspectiva sendo Primeiro-ministro de Israel? Quem é que te disse que eu durmo?», respondeu-me simplesmente.
Este era o verdadeiro Ben Gourion: tinha-me dito tudo isto para me mostrar que, no seu espírito, Israel não podia existir sem a paz com os Árabes. Mas o seu carácter obstinado, agressivo, incapaz de fazer concessões impedia-o de seguir os conselhos da sua inteligência. A melhor prova é que uma vez afastado do poder, a inteligência retomou os seus direitos: ele tornou-se mesmo «goldmannista» declarando que era necessário entregar todos os territórios ocupados excepto Jerusalém. Neste ponto estou de acordo com ele: Israel devia manter Jerusalém. Tal não impede que em minha opinião Ben Gourion tenha sido o grande responsável da política anti-árabe […].
Ben Gourion teve sucessores e, entre eles, Golda Meir, que tinha os seus defeitos sem possuir a sua grandeza. Golda tem uma personalidade muito forte mas falta-lhe subtileza. A grande fraqueza dos intelectuais é que são demasiado intelectuais para serem fortes. O primitivismo dava-lhe a segurança e a força! Golda esteve sempre totalmente convencida que tinha razão […].
A propósito de Palestinianos, Golda teve sempre posições muito vincadas, em oposição às de Weizmann que dizia: «O conflito entre nós e os Palestinianos não é um conflito de direitos nem de justiça contra a injustiça. É um conflito entre dois direitos iguais.» Quanto a mim, penso que o nosso direito é superior porque a Palestina é para os judeus uma questão de vida ou de morte, enquanto que para os Árabes ela não representa senão 1% dos seus imensos territórios.
Mas Golda Meir não se atrapalhava com este tipo de subtilezas – o que explica por sua vez a sua autoridade e a sua completa ruína: durante os quatro em que foi Primeira-ministra, a política israelita não se alterou; a guerra do Kippour e o isolamento completo de Israel foram as consequências deste imobilismo.
Mais uma vez passámos ao lado da solução. O governo repetia que não era necessário fazer nenhuma concessão, manter um super-armamento, não dar aos Árabes a impressão que Israel era fraco e que tinha medo. Tudo deriva desta teoria: a aliança informal com os Estados Unidos, a hostilidade da União Soviética, o perigo de que esta jogasse a carta árabe, etc. Em política, nunca podemos ter a certeza mas tenho a impressão que em várias ocasiões podíamos ter obtido a paz.
Desde as negociações do primeiro armistício com o Egipto, a 24 de Fevereiro de 1949, em Rodes, alguns participantes israelitas afirmaram-me que podíamos ter transformado o armistício em paz verdadeira. Não sei dizer porque é que não estive presente mas, e disto estou seguro, nós perdemos uma nova ocasião em 1967, depois da vitória estrondosa israelita que pôs termo à guerra dos Seis-Dias. Dois dias antes do ataque, Levi Eshkol tinha declarado solenemente : «Não temos nenhuma ambição territorial.» Por isso, depois desta vitória miraculosa – sobre a qual Dayan me disse várias vezes que ele não conseguia explicar -, se Israel tivesse dito aos Árabes: «Assinem a paz amanhã, e nós entregamos-vos todos os territórios excepto Jerusalém», talvez tivesse havido paz. Muitos especialistas árabes confirmam hoje esta hipótese, mas as pessoas querem manter o que conquistaram; é assim a natureza humana. E esta falsa política que consiste em manter o status quo, a não mudar, que era a técnica preferida de Golda Meir, conduziu ao impasse de hoje.
Notem que em relação a este assunto eu culpo sobretudo os Estados Unidos da responsabilidade desta situação, antes mesmo de Israel. A guerra do Yom Kippour foi por culpa dos Americanos que, por razões de política interna (Nixon, os judeus americanos, a opinião anti-soviética) que não vou analisar aqui em detalhe, não fizeram nada durante anos. Quando tentaram alguma coisa, fizeram-no muito timidamente: os Israelitas sabotaram a missão Rogers bem como terminaram a missão Jarring. Acusaram-se então os Egípcios mas eu tive depois acesso a informações segundo as quais eles estavam prestes a negociar. Israel, não obstante, insistia em falar aos Árabes directamente, sem intermediário, exigindo negociações cara a cara – que teriam anulado uma das famosas «recusas de Cartum [capital do Sudão]» dos governos árabes – mas não tenho a certeza de que isso não seria senão um pretexto para não negociar de todo.
[Tradução minha]
A obtenção de indemnizações alemãs depois da última guerra [Segunda Guerra Mundial] constitui uma longa história e, talvez, o acontecimento da minha vida ao qual eu estou mais ligado. Creio ter dito que fiquei sobretudo alemão pela minha cultura, sendo sempre judeu, e cosmopolita no sentido «universal» do termo. Antes do hitlerismo, durante um curto século, a Alemanha deu aos judeus todos os direitos e, em troca, os judeus enriqueceram este país em todos os domínios: literário, filosófico, musical, político, financeiro… Certamente, o hitlerismo varreu os judeus alemães mas não conseguiu nada contra esta contribuição múltipla e incomparável.
A grande falha, que novamente sublinho, dos judeus alemães foi de não terem medido a tempo os riscos terríveis da aventura hitleriana. Já afirmei muitas vezes que, se não tivéssemos pertencido à geração que criou o Estado de Israel, teríamos ficado numa das mais dolorosas situações da história judaica em virtude da nossa falta de previsão e da nossa ausência de solidariedade anterior ao período nazi. Com alguns amigos, nunca deixei jamais pessoalmente de lançar gritos de alarme mas não pude, ou não soube, fazer-me entender.
Como eu representava o Congresso judaico mundial e a Agência judaica em Genebra, encontrava regularmente os líderes do judaísmo alemão. Estes encontros eram clandestinos porque lhes era interdito ter contactos com um homem desnaturalizado por alta traição. Tentámos fazer o máximo possível mas o povo judeu não nos ajudou muito. As democracias tiveram, também elas, a sua culpa mas, antes de acusar os não judeus, acusemo-nos a nós próprios. Mais tarde, quando os judeus começaram a compreender o horror da situação, a Alemanha era já tão forte que nada já era possível.
Se não contar com os meus encontros com os sobreviventes dos campos de concentração aquando da libertação, não regressei oficialmente à Alemanha senão para me encontrar com o chanceler Adenauer e empreender as negociações sobre as indemnizações. Estas indemnizações constituem uma inovação extraordinária em matéria de direito internacional. Até então, com efeito, quando um país perdia uma guerra, pagava os prejuízos ao vencedor, mas isso passava-se de Estado para Estado, de governo para governo. Ora, pela primeira vez, uma nação ia indemnizar ou simples indivíduos ou Israel, o que não existia juridicamente na altura dos crimes de Hitler. De resto, devo reconhecer que a ideia não partiu de mim.
Durante a guerra, o Congresso judaico mundial tinha criado em Nova Iorque um Instituto de Assuntos judaicos cuja sede é hoje em Londres. Os directores eram dois grandes juristas judeus lituanos, Jacob e Nehemiah Robinson. Craças a eles, o Instituto formulou duas ideias completamente revolucionárias: o tribunal de Nuremberga e as indemnizações alemãs.
É difícil avaliar a importância que revestiu o tribunal internacional que se instalou em Nuremberga. Segundo a lei internacional, era de facto impossível sancionar os militares por terem obedecido a ordens. Foi Jacob Robinson que teve a ideia extravagante e sensacional. Quando ele começou a falar disso aos juristas do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, tomaram-no por um louco «que fizeram então de extraordinário esses oficiais nazis? perguntaram. Podia-se imaginar que Hitler fosse a julgamento, Goering também, mas não simples militares que executaram ordens e que se comportaram como soldados leais.» Nós tínhamos portanto a maior dificuldade em persuadir os Aliados; os Britânicos eram à partida contra, os Franceses não estavam nada interessados e, se tivessem participado, não teriam desempenhado um papel importante. O êxito resultou do facto de Robinson ter conseguido convencer Robert Jackson, juiz Supremo Tribunal americano.
A outra ideia do Instituto era que a Alemanha nazi devia pagar depois da sua derrota. Faltava ainda acreditar nessa derrota mas, na altura em que cada um podia supor que a guerra estava perdida para os Aliados, como Churchill, de Gaulle..., eu mantive a esperança. Em nenhum instante duvidei, porque sabia que Hitler não se conseguia moderar e que os seus exageros levariam os Aliados a entrar no conflito. No seguimento das conclusões do Instituto, as indemnizações alemãs deveriam ser dirigidas em primeiro lugar às pessoas que tinham perdido os seus bens por causa dos nazis. Por outro lado, se, como esperávamos, o Estado judeu fosse criado, os Alemães pagar-lhe-ia compensações para permitir aos sobreviventes estabelecer-se lá. A primeira vez que esta ideia foi expressa, aconteceu durante a guerra, no decurso de uma conferência em Baltimore.
Um vez terminado o processo de Nuremberga, considerámos de novo o problema das indemnizações. Vários líderes judeus tentaram então estabelecer relações com Adenauer mas os seus propósitos eram a maior parte das vezes ridículos. Uma organização sugeriu-lhe pagar vinte milhões de marcos alemães; ora, no fim dos acordos que obtive, são oitenta mil milhões de marcos que os Alemães deverão pagar no total!
Os nossos «contactos» eram Walter Hallstein, então sub-secretário de Estado, que veio a ser mais tarde presidente da CEE e o diplomata Herbert Blankenhorn, director do departamento político do ministério dos Assuntos exteriores e braço direito de Adenauer. Estes dois homens ficaram meus amigos íntimos.
Aquando da reunião do Congresso judaico mundial em Londres, um judeu russo, Noah Barou, homem maravilhoso, grande idealista, cuja morte prematura nos deixou abalados, impeliu-me a entrar no jogo e a ter um encontro com Adenauer. No meu íntimo, eu estava muito hesitante porque falar novamente com os Alemães não me era fácil. Foi finalmente o meu cérebro que me decidiu a negociar, não o coração. Mas colocava uma condição prévia: antes de encontrar o chanceler para estabelecer as negociações, era preciso que Adenauer fizesse uma declaração solene no Bundestag [Parlamento alemão]; ele tinha de dizer que a Alemanha de hoje não era certamente aquela que quis Auschwitz (o próprio Adenauer tinha estado preso durante o governo de Hitler, e depois escondeu-se num mosteiro porque o Gestapo o procurava), mas que ela [a Alemanha] herdava a responsabilidade dos nazis e que lhe incumbiam as indemnizações; deveria acrescentar que as indemnizações materiais não iriam apagar o mal feito aos judeus pelos Alemães.
Quis-se por diversas vezes arranjar uma entrevista entre nós mas recusei ver o chanceler enquanto o discurso não fosse pronunciado. Eu estava de férias com a minha mulher no lago suíço dos Quatro-Cantões. Adenauer estava de férias a meia hora de lá, em Burgenstock. Blankenhorn veio-me ver para me dizer: «Adenauer está de férias aqui perto; se você tiver um encontro com ele ninguém o saberá. Ora, ele deseja muito a sua visita.» Eu não cedi.
Um pouco mais tarde, em Paris, mais exactamente no hotel Raphael, que era um lugar excelente onde ficava também Eisenhower (eu fico sempre em hotéis frequentados por generais: eles escolhem os melhores porque não pagam), veio ter comigo um membro do primeiro parlamento alemão, um judeu socialista de nome Jacob Altmaier. Era um dos conselheiros de Adenauer para as questões judaicas. «O chanceler decidiu fazer-lhe a vontade, disse-me; ele vai apresentar uma declaração solene no Bundestag daqui a um dia ou dois e desejava que você a lesse antes para acrescentar possivelmente alguns comentários.» Fiz algumas correcções, que Adenauer nunca levou em conta, e, dois dias mais tarde, fez o seu discurso. Todo o parlamento alemão se levantou e observou, de pé, cinco minutos de silêncio em memória das vítimas judias do nazismo.
Desse lado, as coisas tinham tomado o rumo que eu desejava e doravante podia estabelecer as conversações. Mas restava um grande problema: na sua grande maioria, a opinião judaica era hostil a qualquer contacto com os Alemães. Compreendo bastante bem essa atitude e disse muitas vezes que, se o povo judeu tivesse aceitado unanimemente a ideia de negociar indemnizações em dinheiro com os alemães, teria tido vergonha de ser judeu. O povo judeu devia por isso manifestar a sua oposição mas não era necessário que os seus líderes a tivessem em conta; é isto a política.
Adenauer enviou-me uma mensagem na qual se dizia disposto a negociar com um único representante dos judeus da Diáspora. Quanto às negociações com Israel, ele queria resolver a questão com uma delegação diferente. Inicialmente, o governo israelita tinha enviado notas diplomáticas aos quatro aliados: Soviéticos, Franceses, Britânicos e Americanos. Nelas explicava que o "custo de absorção de meio milhão de refugiados judeus sobreviventes dos campos de concentração era de mil e quinhentos milhões de dólares"; Israel queria que a Alemanha Ocidental pagasse dois terços dessa soma e a Alemanha de Leste um terço. Se Telavive se dirigia ainda aos aliados, era para não falar directamente com os alemães.
Até hoje, os Russos não responderam a esta nota. Quanto aos três outros aliados, disseram que estavam de acordo que a Alemanha pagasse, mas que não podiam negociar em nome dos judeus; eles tinham os seus próprios problemas com os Alemães: negociar as questões da ocupação e da soberania. O governo israelita estava por isso numa situação de constrangimento. Ben Gourion et Moshe Sharett convocaram-me então para me dizer : «O essencial das negociações deve ser feita em nome do povo judeu porque as vítimas do nazismo foram-no na condição de judeus e não na condição de Israelitas. Pessoalmente, não nos podemos expor demasiado porque o Herut fez deste caso um cavalo de batalha político». Haviam de facto grandes manifestações de rua em Israel; atiravam-se pedras a Ben Gourion mesmo no interior do Knesset, a Assembleia nacional israelita.
Mais uma vez eu compreendo esta reacção; compreendo a cólera e a indignação daqueles que tanto sofreram. É um pouco a mesma coisa hoje com os judeus da U.R.S.S., esses que conheceram as prisões e as penitenciárias soviéticas são os mais anti-russos. É preciso respeitá-los, admirá-los, mas sobretudo não fazer o que eles querem. Sem as indemnizações alemãs, que começaram a chegar durante os primeiros dez anos da existência como Estado, Israel não teria metade da sua infra-estrutura actual: todos os comboios de Israel são alemães, os barcos são alemães, assim com a electricidade, uma grande parte da indústria... já sem falar das pensões individuais destinadas aos sobreviventes. Hoje, Israel recebe ainda, anualmente, centenas de milhões de dólares em moeda alemã. Quando Pinhas Sapir fez um grande discurso para me defender diante do Conselho judaico mundial, afirmou: «Goldmann trouxe para Israel oito mil milhões de dólares». Em determinados anos, as somas de dinheiro eu Israel recebia da Alemanha ultrapassavam as colectas do judaísmo internacional – multiplicando-as às vezes por dois ou três. Hoje, já ninguém está contra este princípio; mesmo certos membros do Herut entendem as indemnizações.
Convoquei portanto a Nova Iorque a Claims Conference [Conferência de Reivindicações] (mais precisamente Conferência das Reivindicações Materiais dos Judeus à Alemanha), representando todas as organizações judaicas. Em frente do hotel onde ficámos, a multidão manifestava a sua cólera e tive de sair sob a protecção da polícia. Em subida de tom, existiam violentas discussões no seio da Conferência porque ninguém estava de acordo sobre a designação dos membros do executivo. A discussão já durava há meio dia, sem resultado, quando um membro do l'American Jewish Labour Committee [Comité Americano dos Trabalhistas Judeus] se levantou e disse: «só há uma solução, demos plenos poderes a Goldmann para escolher os seus membros e nomeemo-lo presidente!» Fui desta forma nomeado por unanimidade – coisa inimaginável tanto no congresso sionista quanto no Congresso judaico mundial.
A minha primeira entrevista com Adenauer devia ter lugar sem que ninguém o soubesse. O chanceler informou-me então de um dia que iria estar em Londres para dar uma conferência e que nessa ocasião podia-me encontrar no hotel Claridge. Pediu-me para entrar em contacto com Blakenhorn para preparar esta conversa e discutir as modalidades. A Blankenhorn, que eu vi com Barou, pedi imediatamente, como condição preliminar à abertura das negociações propriamente ditas, que a Alemanha aceitasse o pedido de Israel – a saber, mil milhões de dólares não como meta mas como um ponto de partida.
Blankenhorn protestou : «Mas é completamente impossível! Como é que o chanceler poderia tomar um tal compromisso sem consultar os membros do seu governo – e, à partida, o seu ministro das finanças, Fritz Schgeffer, que é uma personalidade tão forte? Você tem de esperar». É bom lembrar que esta cena se passou muito antes do famoso «milagre económico» alemão e que, nos anos 1950, a Alemanha era muito pobre. Mas eu mantive-me inflexível: «sem uma tal promessa, retomei, não aconselharei nem aos meus colegas do Claims [Reivindicações] nem a Ben Gourion a aceitar o princípio da negociação». Chegada a altura, encaminhei-me para o Claridge para ter uma das conversas mais impressionantes da minha vida política. A atmosfera era glacial. Reparem: eu tinha à minha frente o primeiro chanceler da Alemanha depois de Hitler. Então, de repente, entrei directamente no assunto: «Senhor chanceler», disse a Adenauer, este momento é histórico. Normalmente, não gosto de grandes frases mas o momento em que o representante do povo judeu encontra o líder da nação alemã que massacrou seis milhões de judeus é necessariamente histórico, e vou-vos explicar porquê. «Só lhe peço que me deixe falar vinte minutos sem me interromper». E Adenauer, com a sua figura venerável de estátua medieval, escutou o meu discurso sem abandonar a sua impassibilidade.
E terminei dizendo-lhe: «senhor chanceler, não vou brincar aos diplomatas porque o nosso problema não é um problema de diplomacia mas de moralidade. Se decidir agir, fica empenhado num dever moral. Se decidir abordar o debate em termos diplomáticos, será melhor que não nos tornemos a ver. Os Israelitas pedem mil milhões de dólares e eu pedi que esta soma fosse considerada como base de partida. O Sr. Mankenhorn disse-me que, segundo a vossa constituição, era completamente impossível. Respondi-lhe que não podia esperar porque o povo judeu está numa grande efervescência e na sua maioria opõe-se a todas as negociações susceptíveis de lavar os crimes da Alemanha. Mas agora que isto já é do seu conhecimento, sinto que você tem uma personalidade suficientemente forte para esquecer por um instante os rigores da vossa constituição – quando se trata de um tal assunto.».
Adenauer observou-me antes de responder: «Sr. Goldmann, nunca tive o prazer de o encontrar antes». E, de facto, tal teria sido possível porque ele tinha sido membro do comité pró-palestiniano antes de Hitler subir ao poder. «Você conhece-me à meia hora e devo dizer ao meu amigo Blankenhor, que, a quem eu conheço há tantos anos, - que você me compreende melhor do que ele. Queira passar ao escritório ao lado; vou-lhe enviar a minha secretária: dite-lhe a carta e eu assino-a».
Ditei a carta, à qual Adenauer introduziu uma única alteração; eu tinha escrito que os mil milhões de dólares seria «die Basis», a base, e ele substituiu esta palavra por «die Grundlage», o princípio, o que ia dar ao mesmo. E ele conclui a entrevista com estas palavras: «envie-me o Sr. Barou esta tarde; eu entregar-lhe-ei a carta assinada».
Nenhum outro homem de Estado teria ousado fazer semelhante coisa. Depois desta assinatura, ele teve grandes dificuldades com o seu gabinete que o censurou por se comportar como um ditador, de ter prometido estes mil milhões de dólares sem ter pedido a opinião de ninguém. Mas era Adenauer, um verdadeiro líder, e todos acabaram por aceitar. É muitas vezes assim que é necessário conduzir uma democracia. Esta conversa permaneceu durante muito tempo ignorada porque tínhamos decidido que, se os jornalistas tivessem vindo, ambos negaríamos que alguma vez nos tivéssemos encontrado. De resto, eu tinha feito bem em ter multiplicado as precauções e ter entrado no Claridge pela entrada de serviço, porque muitos sentiram que se passava alguma coisa e mesmo o Times falou em rumores.
Munido da carta, dirigi-me de seguida à Claims Conference onde o comité aprovou por unanimidade a abertura das negociações. Paralelamente, Ben Gourion enfrentou o Knesset onde a oposição vociferava se contra os negociadores. A maioria dos líderes do Mapai, com excepção de Golda Meir e alguns outros, eram pelas negociações; os liberais também. Mas o Herut e o Mapam opunham-se a elas. Se Israel tivesse recusado, eu não teria podido negociar: era-me impossível arcar com tais responsabilidades. Finalmente, o knesset designou um grupo dirigido por Giora Josephtal e Felix Shinnar; Israel tinha então a sua delegação e o Claims a sua.
É sabido que as duas delegações negociaram cada uma por seu lado com a delegação alemã, à cabeça da qual se encontravam dois homens lendários: o eminente jurista Otto Küster e o professor Franz Boehm, que festejou recentemente o seu octogésimo aniversário. Ben Gourion disse um dia que, se Israel tivesse dez pessoas com a honestidade de Boehm, a vida nesse país seria melhor. É um exagero típico de Ben Gourion mas é verdade que Franz Boehm é um personagem verdadeiramente extraordinário moralmente e intelectualmente.
Os alemães discutiam então, de manhã, as indemnizações colectivas com a delegação israelita e, de tarde, os direitos do indivíduo com a delegação da Claims Conference. Quando surgia uma dificuldade, preveniam-me e eu ia resolver o assunto com Adenauer. As negociações desenrolavam-se perto de Haia, onde jamais capitulei. Duraram seis meses e não posso entrar aqui em detalhes: está a ser preparado um livro em três volumes!
Uma vez que Adenauer me entregou a famosa carta, tive de me encontrar, mais tarde, com o ministro alemão das finanças, Fritz Schaeffer. Este católico de direita, antinazi desde sempre, duma integridade total, foi um dos melhores ministros das Finanças que a Alemanha jamais teve. Disse-me logo: «Escute, meu caro Golmann, você não pode exercer nenhuma chantagem sobre mim; nunca fui nazi e Hitler meteu-me na prisão. Isto dá-me liberdade para me opor a si, o que antigos nazis não ousariam fazer».
E continuou: «o que você pede é correctíssimo e tem todo o direito moral do mundo. Simplesmente, repare, não sou um moralista nem um rabi, mas o ministro das finanças de um país actualmente pobre. Portanto, como se diz em Yiddish [língua judaico-alemã], indique-me o valor final da soma [das indemnizações]. Quanto é que isso tudo custará?
- Ignoro ainda os pormenores», respondi-lhe. E era verdade: só os soube recentemente. Digo sempre que um presidente é um homem que assina um acordo mas que não o conhece. Eu sou um negociante por grosso e não tenho nenhuma paciência para examinar os parágrafos um a um. Schaeffer porém insistiu. «O nosso especialista Robinson, disse-lhe, calculou que o total andará pelos seis mil milhões de marcos.
- Mas os nossos especialistas chegaram ao valor de oito mil milhões de marcos e isso é demasiado», replicou.
Na realidade, a Alemanha pagou até hoje sessenta mil milhões de marcos e o total chegará a oitenta mil milhões – doze a catorze vezes mais do que nós tínhamos calculado na altura… não poderíamos portanto censurar os alemães por terem sido mesquinhos e de não terem cumprido as suas promessas. Pelo contrário, desde que as leis foram votadas, Schaeffer desbloqueou imediatamente os fundos e, em várias ocasiões, concedeu-nos mesmo adiantamentos – o que não era fácil, como testemunha uma anedota que vou contar.
A Alemanha tinha contraído dívidas colossais, herdadas tanto de Hitler como da República de Weimar. Para se reabilitar aos olhos do mundo e recomeçar a concluir os pagamentos, precisava primeiro de os fixar. Neste domínio, o director das negociações era o maior financeiro alemão: Hermann Abs. Director do Banco Central Alemão, discutiu ponto por ponto com os Aliados as modalidades de reembolso e defendia que a Alemanha não podia pagar senão uma pequena parte.
Tendo conhecimento das nossa próprias negociações com o governo alemão, Hermann Abs foi-se queixar a Adenauer: «No momento em que eu digo aos Aliados que estamos na bancarrota, o Sr. oferece milhões a Goldmann sem qualquer contrato jurídico. A minha situação é insustentável. Adie as negociações com os judeus para quando eu tiver terminado de negociar com os aliados». Adenauer aceitou a sugestão e enviou-me um recado por intermédio de Blankenhorn que me telefonou para que eu recebesse Abs em Londres.
Abs veio então explicar-se a sua posição: «Sr. Goldmann, aceitei as suas exigências em princípio. Entretanto, terá de esperar seis meses porque, se souberem das suas exigências, os Aliados vão-me fazer a vida difícil. Sugeri, portanto, ao chanceler que vos pague um adiantamento de duas ou trezentos milhões de marcos. Dentro de seis meses, poderão retomar as vossas negociações».
- Lamento, mas é impossível, respondi-lhe. Trata-se com efeito de um problema emocional. O povo judeu está agitado até ao fundo da sua alma. Não podemos meter esta questão no congelador e dizer às vítimas do nazismo: «Adiem a vossa agitação. Dentro de seis meses, podem recomeçar a protestar». Ou resolvemos o problema agora, ou não será resolvido jamais.»
Disseram-me mais tarde que Abs ficou muito agastado com a minha resposta, mas, alguns anos depois, ele chegou à conclusão que eu tinha razão. Tal não impedia que Adenauer já não soubesse o que havia de fazer: toda a indústria alemã e a alta finança eram contra as nossas reivindicações. Paralelamente, Shaeffer defendia que o governo de Israel aceitaria muito menos do que aquilo que eu pedia. De facto, ele conhecia a fundo o orçamento israelita que, na época, estava em falência total. Quando eu era presidente do Executivo sionista em Nova Iorque, o representante financeiro de Israel, Martin Rosenblueth, vinha muitas vezes a minha casa, cerca das dez horas da manhã, para me dizer: «Nahum, o que é que tu fazes tranquilamente sentado, quando os bancos fecham à uma da tarde e temos uma factura a pagar?»
Tinha então de telefonar «à pressa» às organizações sionistas para arranjar com urgência cem mil dólares. Schaeffer estava ao corrente desta situação e dizia-nos, tanto a Adenauer como a mim: «Como? Os Srs. Julgam que Israel recusaria metade ou mesmo um terço desta soma? Um país falido?» Estou a revelar isto aqui pela primeira vez: era ele que tinha razão.
Quando Adenauer nos informou finalmente que a Alemanha não nos podia oferecer nessa altura mais do que duzentos a trezentos milhões de marcos, escrevi-lhe uma carta para romper as negociações. Recebi um telegrama de Ben Gourion pedindo-me para o ir ver.
Quando cheguei a Israel ninguém podia descer do avião antes de mim e um automóvel esperava-me ao pé do aparelho para me levar directamente a casa de Ben Gourion que me repreendeu imediatamente: «Nahum, não sejas demasiado ambicioso. Disseram-me que tu conseguias obter imediatamente trezentos milhões de marcos. Israel pedia mil milhões mas tu conheces a situação…
- Escuta, Ben Gourion, respondi-lhe, se os alemães se ficarem pelos trezentos milhões, eu não assino. Mas, a ti, aconselhar-te-ia a assinar.
- Qual é a diferença entre ti e mim?
- É simples: eu represento o povo judeu, que é demasiado rico para o meu gosto. Tu representas um Estado em situação de falência. Eu posso permitir-me recusar; tu não o podes fazer...
- Desta maneira, tu serás o herói e eu o cobarde! Pois bem, já que tu não assinas, eu também não o faço.»
Depois, Ben Gourion perguntou-me qual era o meu mínimo. Respondi-lhe que com menos de quinhentos milhões de dólares, eu não aceitaria qualquer acordo, mas que esperava obter entre seiscentos a setecentos milhões. Acabei por obter finalmente três mil milhões de marcos, ou seja oitocentos e vinte e três milhões de dólares; partindo de uma base de mil milhões de dólares, receber 82% não se pode considerar um mau negócio [...].
Se David Ben Gourion e eu fomos muitas vezes adversários, foi essencialmente a propósito dos árabes. Quanto ao resto, sentíamo-nos muito próximos, e mesmo sobre a partilha da Palestina, desde as negociações com a Alemanha pós-nazi, ele ficou do meu lado. Na sua concepção fundamental do carácter do movimento sionista e do Estado de Israel, Ben Gourion estava completamente de acordo comigo; estávamos os dois convencidos de que se Israel se tornasse um Estado como os outros, não sobreviria…
Nós tínhamos um amigo comum – um homem extraordinário que, se não tivesse morrido tão jovem, ter-se-ia tornado sem dúvida um Primeiro-ministro – que se chamava Giora Josephtal. Era um judeu alemão, pertencendo a uma família assimilada, que representava oficialmente Israel nas negociações com Adenauer. Depois disso, foi durante vários anos secretário geral do Mapai, o partido socialista israelita.
Membro do Executivo sionista, do qual eu era então presidente, Josephtal tinha uma grande ligação com Ben Gourion, que tinha por ele uma grande admiração, e ele queria a qualquer preço que eu fosse nomeado presidente do Movimento sionista mundial. Acabou por convencer Ben Gourion a influenciar-me.
Este último convidou-me um dia para me apressar a aceitar o lugar de presidente. Ao princípio fiquei muito surpreendido porque sabia que ele era bastante crítico em relação à organização sionista. «Ainda por cima, disse-lhe, nós temos tido conflitos públicos; não percebo portanto porque me estás a impelir em ir em frente. Não será uma jogada da tua parte?» Então, respondeu-me: «Vou-te pedir duas coisas. A primeira, é que me deixes falar vinte minutos sem me interromper; a segunda é que te vires para a parede: quero-te ver de costas.»
Julgando que ele tinha ficado louco, disse-lhe que não percebia onde é que ele queria chegar. Mas ele explicou-me: «Quero-te falar durante vinte minutos cara a cara, mais francamente do que alguma vez fiz, mas devo-te também elogiar bastante. Agora, tu já me conheces e sabes que eu não gosto de fazer elogios. Também te conheço e sei que não gostas disso. A situação será muito embaraçosa para os dois se tu estiveres a olhar para mim: portanto vira-te para a parede!»
Virei-me então para a parede, como um idiota, e ele falou acerca de mim durante vinte minutos. Eis o que era muito característico de Ben Gourion: este homem que podia muito violento, até mesmo cruel, era capaz deste tipo de gentilezas. Não posso relatar aqui todo o seu discurso mas, no geral, disse-me isto: «Tenho a certeza que no fundo do teu coração tens uma censura a fazer-me, e essa censura é justificada. Tivemos terríveis derrotas; seis milhões de judeus foram exterminados. Mas também obtivemos duas imensas vitórias históricas: a criação do Estado de Israel e as indemnizações da Alemanha. Sempre estive convencido que haveríamos de ter um Estado mas duvidei muito de receber um cêntimo dos Alemães. Tu és o arquitecto dessas indemnizações e nós em conjunto somos os arquitectos da partilha da Palestina e da criação de Israel. Aos dois triunfos da nossa geração, a tua contribuição foi essencial. Portanto, tens o direito de perguntar porque é que eu não te incumbo do problema que vai decidir o futuro do Estado de Israel: a paz com os árabes. Vou-te explicar as razões.
«Porque é que tu convenceste Acheson e os outros membros do Comité para a Palestina designados pelo presidente Truman? Porque tu és outro Acheson. Tu podias perfeitamente ter sido um secretário de Estado [ministro] americano, tens o mesmo talento, a mesma cultura, o mesmo charme e os mesmos dons de persuasão que Dean Acheson. Porque é que convenceste Adenauer, de quem te tornaste amigo, que ele tinha de dar indemnizações ao povo judeu? Porque tu és outro Adenauer, e podias ter-te tornado Chanceler da Alemanha. A estes homens, falaste de igual para igual porque vocês partilham as mesmas qualidades. Mas com os Árabes, que são bárbaros, todos os talentos não têm valor nenhum. Nem a tua cultura, nem o teu charme, nem a tua arte de persuasão teriam efeito sobre eles. Eles só compreendem a força, e a mão de ferro sou eu, não tu. É esta a explicação. Podes-te voltar para mim agora.
- Compreendo-te perfeitamente. Respondi-lhe, e penso mesmo que existe muita verdade naquilo que disseste. Nasser não é de facto nem Acheson nem Adenauer. Mas porque não utilizar desde logo a política da mão de ferro com luva de veludo? Tu serás a mão e eu serei a luva.
- O momento chegará certamente, reconheceu ele, em que te chamarei. Mas não ainda, não imediatamente…»
Nas minhas numerosas discussões com Ben Gourion, dizia-lhe que as nossas análises eram diferentes sobretudo porque eu estava persuadido que o tempo jogava contra Israel. Repeti-lhe uma centena de vezes: «Faz concessões, faz a paz o mais depressa possível porque a cada ano que passa as coisas tornam-se mais difíceis para nós. Chegará mesmo o momento em que os Árabes não quererão mais ouvir falar de paz, porque o tempo joga a favor deles.» Depois, a crise do petróleo fortaleceu ainda mais o meu argumento.
Mas Ben Gourion manteve as suas posições: «Ao contrário, dizia ele, a distância intelectual e tecnológica entre os Árabes e nós continuará a alargar-se.» E o seu outro leitmotiv [ideia dominante] era que a geração árabe que sofreu as derrotas da guerra de 1948-1949 e a guerra do Sinai não podia fazer a paz com Israel por razões psicológicas. Ele defendia que a geração seguinte teria provavelmente esquecido estas derrotas e, com elas, a vergonha e a humilhação que um pequeno povo infligiu aos exércitos árabes, dez vezes mais numerosos que o seu. Era naturalmente uma análise aberrante porque a nova geração árabe é mais patriota e extremista que a dos seus pais; ela é também menos corrupta [..].
Chaim Weizmann, que, já no fim da sua vida, detestava Ben Gourion ao ponto de se tornar seu inimigo, dizia-lhe: «Ben Gourion criará o Estado de Israel e depois irá arruiná-lo com a sua política.» E, se Israel continua a seguir os preceitos políticos de Ben Gourion, receio que Weizmann acabe por ter razão. Perguntei-me muitas vezes porque é que este homem inteligente, brilhante, que não era um provinciano como tantos dos líderes israelitas, que tinha uma perspectiva de homem de Estado, que um de Gaulle admirava, porque é que um tal homem não via que, sem um acordo com os Árabes, Israel não conheceria o futuro a longo prazo.
Só posso explicar esta atitude pelo seu carácter. Com efeito, pareceu-me muitas vezes que nos homens de Estado, o carácter é mais importante que a inteligência. Muitos deles compreendem com o seu cérebro o que é conveniente fazer, mas o seu carácter impede-os de o realizar. Este comportamento é típico de Ben Gourion; vou dar um exemplo que nunca esquecerei.
Um dia, ou antes, uma noite de 1956, tivemos uma conversa franca sobre o problema árabe. «Não compreendo o teu optimismo, disse-me Ben Gourion. Porque é que os Árabes haveriam de fazer a paz? Se eu fosse um líder árabe, jamais assinaria a paz com Israel. É normal, nós tomámos conta do seu país. É certo que Deus no-lo prometeu, mas o que é que isso lhes interessa? O nosso deus não é o deles. Nós somos originários de Israel, é verdade, mas isso foi há dois mil anos: o que é que eles têm a ver com isso? Houve o antisemitismo, os nazis, Hitler, Auschwitz, mas foi culpa deles? Eles não vêem senão uma coisa: nós chegámos e roubámos o seu país. Porque é que eles o iriam aceitar? Talvez eles o esqueçam numa ou duas gerações mas, por ora, não existe essa possibilidade. Portanto, é simples: devemos manter-nos fortes, ter um exército poderoso. Toda a política está aí. Doutra forma, os Árabes destruíam-nos.»
Fiquei perturbado com este pessimismo mas ele continuou: «Daqui a pouco terei setenta anos. E, Nahum, se me perguntares se quando eu morrer se serei enterrado num Estado judeu responder-te-ei que sim: dentro de dez anos, dentro de quinze anos, creio que ainda existirá um Estado judeu. Mas se me perguntares se o meu filho Amos, que fará cinquenta anos no fim deste ano, terá hipóteses de morrer e de ser enterrado num Estado judeu, responder-te-ei: cinquenta por cento.
- Mas enfim, interrompi-o, como é que tu consegues dormir com a ideia de uma tal perspectiva sendo Primeiro-ministro de Israel? Quem é que te disse que eu durmo?», respondeu-me simplesmente.
Este era o verdadeiro Ben Gourion: tinha-me dito tudo isto para me mostrar que, no seu espírito, Israel não podia existir sem a paz com os Árabes. Mas o seu carácter obstinado, agressivo, incapaz de fazer concessões impedia-o de seguir os conselhos da sua inteligência. A melhor prova é que uma vez afastado do poder, a inteligência retomou os seus direitos: ele tornou-se mesmo «goldmannista» declarando que era necessário entregar todos os territórios ocupados excepto Jerusalém. Neste ponto estou de acordo com ele: Israel devia manter Jerusalém. Tal não impede que em minha opinião Ben Gourion tenha sido o grande responsável da política anti-árabe […].
Ben Gourion teve sucessores e, entre eles, Golda Meir, que tinha os seus defeitos sem possuir a sua grandeza. Golda tem uma personalidade muito forte mas falta-lhe subtileza. A grande fraqueza dos intelectuais é que são demasiado intelectuais para serem fortes. O primitivismo dava-lhe a segurança e a força! Golda esteve sempre totalmente convencida que tinha razão […].
A propósito de Palestinianos, Golda teve sempre posições muito vincadas, em oposição às de Weizmann que dizia: «O conflito entre nós e os Palestinianos não é um conflito de direitos nem de justiça contra a injustiça. É um conflito entre dois direitos iguais.» Quanto a mim, penso que o nosso direito é superior porque a Palestina é para os judeus uma questão de vida ou de morte, enquanto que para os Árabes ela não representa senão 1% dos seus imensos territórios.
Mas Golda Meir não se atrapalhava com este tipo de subtilezas – o que explica por sua vez a sua autoridade e a sua completa ruína: durante os quatro em que foi Primeira-ministra, a política israelita não se alterou; a guerra do Kippour e o isolamento completo de Israel foram as consequências deste imobilismo.
Mais uma vez passámos ao lado da solução. O governo repetia que não era necessário fazer nenhuma concessão, manter um super-armamento, não dar aos Árabes a impressão que Israel era fraco e que tinha medo. Tudo deriva desta teoria: a aliança informal com os Estados Unidos, a hostilidade da União Soviética, o perigo de que esta jogasse a carta árabe, etc. Em política, nunca podemos ter a certeza mas tenho a impressão que em várias ocasiões podíamos ter obtido a paz.
Desde as negociações do primeiro armistício com o Egipto, a 24 de Fevereiro de 1949, em Rodes, alguns participantes israelitas afirmaram-me que podíamos ter transformado o armistício em paz verdadeira. Não sei dizer porque é que não estive presente mas, e disto estou seguro, nós perdemos uma nova ocasião em 1967, depois da vitória estrondosa israelita que pôs termo à guerra dos Seis-Dias. Dois dias antes do ataque, Levi Eshkol tinha declarado solenemente : «Não temos nenhuma ambição territorial.» Por isso, depois desta vitória miraculosa – sobre a qual Dayan me disse várias vezes que ele não conseguia explicar -, se Israel tivesse dito aos Árabes: «Assinem a paz amanhã, e nós entregamos-vos todos os territórios excepto Jerusalém», talvez tivesse havido paz. Muitos especialistas árabes confirmam hoje esta hipótese, mas as pessoas querem manter o que conquistaram; é assim a natureza humana. E esta falsa política que consiste em manter o status quo, a não mudar, que era a técnica preferida de Golda Meir, conduziu ao impasse de hoje.
Notem que em relação a este assunto eu culpo sobretudo os Estados Unidos da responsabilidade desta situação, antes mesmo de Israel. A guerra do Yom Kippour foi por culpa dos Americanos que, por razões de política interna (Nixon, os judeus americanos, a opinião anti-soviética) que não vou analisar aqui em detalhe, não fizeram nada durante anos. Quando tentaram alguma coisa, fizeram-no muito timidamente: os Israelitas sabotaram a missão Rogers bem como terminaram a missão Jarring. Acusaram-se então os Egípcios mas eu tive depois acesso a informações segundo as quais eles estavam prestes a negociar. Israel, não obstante, insistia em falar aos Árabes directamente, sem intermediário, exigindo negociações cara a cara – que teriam anulado uma das famosas «recusas de Cartum [capital do Sudão]» dos governos árabes – mas não tenho a certeza de que isso não seria senão um pretexto para não negociar de todo.
Sem comentários:
Enviar um comentário