sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Está na moda dizer mal da democracia

via BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA by João Mattos e Silva on 1/15/10

Infelizmente, muitos dos ataques à democracia encontram fundamento exclusivo na chamada crítica realista; ou seja, nos factos, nos comportamentos e na etiologia das enfermidades de que esta forma de governo padece. Salta à evidência que as democracias são pouco expeditas, lentas, muitas vezes inoperantes, amiúde convivem com a impreparação e o amadorismo, a fulanização e o trepadorismo de gente absolutamente falha de escrúpulos. A democracia, dizem os seus inimigos inteligentes, é um insulto à desigualdade constitutiva das sociedades, é um absurdo pois impede a governação longa e avisada, tem de se render ao apetite das massas e da irracionalidade, é errática, tende a ser confiscada por demagogos e satisfaz-se com a maioria numérica. Lembram os cépticos da democracia que a esta é, em Aristóteles - nesses terríveis libelos anti-democráticos que são os livros III e VII da Política - a degenerescência da Politeia, tal como a oligarquia o é da aristocracia e a tirania da monarquia. A tradição anti-democrática tem uma história longa que se confunde com o mais profundo pensamento filosófico. Na Ética a Nicómano predica-se a justiça como finalidade da política. Se a democracia vive derrancada na busca do benefício para cada um, é, ipso facto, irreconciliável com o bem-comum da Cidade.
Contudo, se forma alguma de governo cumpre as exigências do Estagirita, essa é, contraditoriamente, a democracia. Satisfaz-nos plenamente a abordagem negativa.
- É em democracia que os cidadãos não são privados de cidadania;
- É em democracia que as constituições não são mudadas ao sabor do interesse de quem governa;
- É em democracia que o direito prevalece;
- É em democracia que a liberdade e a auto-determinação florescem;
- É em democracia que a felicidade é negociada e alcançada pelo bebate.
A democracia deve, necessariamente, ser limitada, vigiada e fiscalizada, pois a democracia transporta a pulsão totalitária a que Talmon se referia para escândalo dos democratas nas suas Origins of Totalitarian Democracy. Essa democracia messiânica, fundada na crença, comporta-se como uma tirania [benigna], mas não deixa de ser uma tirania. Ora, pelo conselho da história, verifica-se que a única forma bem sucedida de limitação dos abusos e excessos da democracia se radica na aceitação do convívio da democracia com um poder não democrático - isto é, não eleito - mas que lhe lembra aquilo que não é passível de revisão. Isto sempre aconteceu. As mono-arquias nunca existiram, senão na forma degenerada de tirania. As monarquias sempre foram abertas à participação, à representação, à oposição e não houve monarquia pré-moderna que não se submetesse ao voto, à fiscalização e às sansões legal como real.
Hoje, as monarquias ditas constitucionais (constitucionais sempre o foram na forma das constituições históricas que lembravam os limites e as obrigações do Rei) lembram ao transitório aquilo que é permanente. A democracia representa o homem; a monarquia representa a sociedade, a história, a memória que determina e alimenta a vontade dos homens viverem juntos em sociedade. A democracia exprime a volubilidade, o passageiro, o contingente; ou seja, é absolutamente humana e alimenta-se do sonho peregrino da justiça e igualdade para todos. A democracia é um admirável exercício de determinação e só há cidadãos onde estes podem, em concorrência, falar, escrever, opinar, criticar, eleger e legislar. A democracia é ruptura permanente e deve ser, sempre, disjuntiva, como as políticas o devem ser para o Estado não se afundar no ritualismo.
Por seu turno, a monarquia é um contrato longo de estabilidade, o anteparo da Política, o inculcador de comportamentos conjuntivos. Só quem ainda não compreendeu a força moral tremeda que a monarquia insufla na democracia continua a perseverar no erro trágico de a considerar inimiga da soberania popular.

Miguel Castelo Branco em COMBUSTÕES

http://combustoes.blogspot.com/

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