via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 2/21/10
(Para os filhos mais jovens dos nossos leitores)NAQUELA MANHÃ, o Domingos, a Francisca e o Mateus, esquecendo o que a mãe sempre recomendava, levantaram-se da mesa do pequeno-almoço e não levaram, para a cozinha, os copos em que tinham bebido o leite. Correram para a rua, onde os esperava a carrinha que, todos os dias, os levava para a escola.
A mãe saíra logo a seguir, a correr, a caminho do emprego e, assim, os três copos ali ficaram esquecidos, com todo o tempo para fazerem o que os objectos costumam fazer sempre que não há ninguém por perto a observá-los, isto é, conversarem uns com os outros. Foi então que o copo do Domingos, maior e mais experiente do que os outros, começou por lhes perguntar:
- Vocês, por acaso, sabem como apareceram aqui?
- Eu sei – respondeu o copo da Francisca. – Estávamos numa prateleira do supermercado, quando a mãe dos nossos meninos nos tirou de lá e nos trouxe para aqui.
- E tu, como é que cá chegaste? – Quis saber o copo do Mateus, virando-se para o do Domingos.
- Eu já cá estou há muito tempo. Dei de beber ao pai deles e, uma vez, por pouco, não me parti, quando o Domingos me deixou cair desta mesa para baixo. O que me valeu foi a alcatifa. Ao centro da mesa, muito interessada a ouvi-los, estava uma bonita jarra, também ela de vidro, que resolveu entrar na conversa, dirigindo-se ao mais sabichão:
- E tu, já que sabes tanto, tens ideia de como foste feito?
Perante o silêncio que teve como resposta, a jarra dispôs-se a contar-lhes a história das suas vidas.
- Se vocês forem para o campo, em muitos sítios do Alentejo, das Beiras, do Minho ou de Trás-os-Montes, vêem e pisam uma rocha muito dura, mas que, às vezes, se esboroa debaixo dos pés ou entre os dedos das mãos. É uma rocha que toda a gente conhece e a que se dá o nome de granito. – E acrescentou: - Dá-se-lhe o nome de granito porque é feita de grãos de umas coisinhas chamadas minerais. Entre esses minerais, há dois que é preciso conhecer para se contar o resto da história.
- Quais são? – Interrompeu, muito entusiasmado o copo do menino mais crescido.
- São o quartzo e o feldspato, precisamente, os dois minerais mais abundantes à superfície da Terra. Repitam comigo: quartzo e feldspato.
- Quartzo e feldspato. - Repetiram eles, a uma voz.
Agora, é preciso muita atenção. – Continuou a jarra. - O feldspato é como aquelas pessoas que, mal saem à rua, constipam-se logo. Exposto ao ar e à chuva, transforma-se em argila, um pó muito fininho de que é feito o barro.
- E o quartzo? Também é, assim, tão lingrinhas? – Perguntou o copo da Francisca.
- Não! – Disse a jarra. - O quartzo é um valentão. Resiste à chuva e ao sol, ao calor e ao frio. Nada o destrói. – E continuou: - Desfeito o feldspato, os grãos de quartzo ficam soltos e, assim, a chuva arranca-os e arrasta-os até aos rios que, por sua vez, os levam para longe. Uns ficam pelo caminho, nas margens dos rios, fazendo parte das terras de aluvião, outros acumulam-se no litoral, onde formam as praias, praias que fornecem as areias que o vento sopra para fazer as dunas.
- E depois? – Perguntou o copo do Domingos, maravilhado com esta verdadeira lição.
- Depois – continuou a jarra – é preciso dizer que a única coisa que acontece aos grãos de quartzo é ficarem redondinhos e muito brilhantes de tanto rolarem, primeiro no fundo dos rios, quilómetros e quilómetros, e, depois, nas praias batidas constantemente pelas ondas em rebentação, num vaivem sem fim.
- E depois? – Interessou-se o copo do Mateus.
Depois, é que vem o resto da história. – Disse a jarra, olhando em redor para se certificar não haver ali ninguém que os surpreendesse naquela longa conversa. – Querem ouvir?
- Quereeeeeeemos! – Gritaram os três copos, ao mesmo tempo.
- Então oiçam, muito caladinhos. Os homens antigos descobriram que a areia colocada num forno muito quente, se derretia como manteiga. Descobriram ainda, que assim podiam fazer frascos, copos, garrafas e jarras como eu. Mais tarde aprenderam a fabricar vidros para as janelas, para as montras das lojas, lentes para os óculos e muitas outras coisas. E agora querem saber mais?
- Quereeeeeeeemos – gritaram de novo.
- Então prestem muita atenção! Se a areia for muito branquinha, quase só com grãozinhos de quartzo, fazem um vidro sem cor e transparente como vocês e eu.
- Mas há garrafas verdes. - Lembrou o copo do Mateus.
- É verdade. – Confirmou a jarra. – Umas são verdes, outras são castanhas e outras não têm cor, como nós. Há vidros de muitas cores. Tudo depende das substâncias que se misturam à areia para obter essas cores. Mas isso fica para uma nova conversa.
- E eu a julgar que a areia só servia para os meninos brincarem na praia. – Disse um dos copos.
- Não! – Exclamou a jarra. – Para além do vidro, também serve para fazer cimento, loiça, plásticos e borracha. Serve, ainda, para temperar e enformar o ferro e para fabricar produtos químicos e farmacêuticos.
Apercebendo-se de que alguém se aproximava, disse numa voz muito baixinha:
- Por hoje já chega. Se quiserem aprender mais coisas, arranjem maneira de ficar aqui sobre a mesa, ao pé de mim. Se não, vão ser arrumados numa prateleira qualquer, e eu fico aqui sozinha sem ter com quem conversar.
A mãe saíra logo a seguir, a correr, a caminho do emprego e, assim, os três copos ali ficaram esquecidos, com todo o tempo para fazerem o que os objectos costumam fazer sempre que não há ninguém por perto a observá-los, isto é, conversarem uns com os outros. Foi então que o copo do Domingos, maior e mais experiente do que os outros, começou por lhes perguntar:
- Vocês, por acaso, sabem como apareceram aqui?
- Eu sei – respondeu o copo da Francisca. – Estávamos numa prateleira do supermercado, quando a mãe dos nossos meninos nos tirou de lá e nos trouxe para aqui.
- E tu, como é que cá chegaste? – Quis saber o copo do Mateus, virando-se para o do Domingos.
- Eu já cá estou há muito tempo. Dei de beber ao pai deles e, uma vez, por pouco, não me parti, quando o Domingos me deixou cair desta mesa para baixo. O que me valeu foi a alcatifa. Ao centro da mesa, muito interessada a ouvi-los, estava uma bonita jarra, também ela de vidro, que resolveu entrar na conversa, dirigindo-se ao mais sabichão:
- E tu, já que sabes tanto, tens ideia de como foste feito?
Perante o silêncio que teve como resposta, a jarra dispôs-se a contar-lhes a história das suas vidas.
- Se vocês forem para o campo, em muitos sítios do Alentejo, das Beiras, do Minho ou de Trás-os-Montes, vêem e pisam uma rocha muito dura, mas que, às vezes, se esboroa debaixo dos pés ou entre os dedos das mãos. É uma rocha que toda a gente conhece e a que se dá o nome de granito. – E acrescentou: - Dá-se-lhe o nome de granito porque é feita de grãos de umas coisinhas chamadas minerais. Entre esses minerais, há dois que é preciso conhecer para se contar o resto da história.
- Quais são? – Interrompeu, muito entusiasmado o copo do menino mais crescido.
- São o quartzo e o feldspato, precisamente, os dois minerais mais abundantes à superfície da Terra. Repitam comigo: quartzo e feldspato.
- Quartzo e feldspato. - Repetiram eles, a uma voz.
Agora, é preciso muita atenção. – Continuou a jarra. - O feldspato é como aquelas pessoas que, mal saem à rua, constipam-se logo. Exposto ao ar e à chuva, transforma-se em argila, um pó muito fininho de que é feito o barro.
- E o quartzo? Também é, assim, tão lingrinhas? – Perguntou o copo da Francisca.
- Não! – Disse a jarra. - O quartzo é um valentão. Resiste à chuva e ao sol, ao calor e ao frio. Nada o destrói. – E continuou: - Desfeito o feldspato, os grãos de quartzo ficam soltos e, assim, a chuva arranca-os e arrasta-os até aos rios que, por sua vez, os levam para longe. Uns ficam pelo caminho, nas margens dos rios, fazendo parte das terras de aluvião, outros acumulam-se no litoral, onde formam as praias, praias que fornecem as areias que o vento sopra para fazer as dunas.
- E depois? – Perguntou o copo do Domingos, maravilhado com esta verdadeira lição.
- Depois – continuou a jarra – é preciso dizer que a única coisa que acontece aos grãos de quartzo é ficarem redondinhos e muito brilhantes de tanto rolarem, primeiro no fundo dos rios, quilómetros e quilómetros, e, depois, nas praias batidas constantemente pelas ondas em rebentação, num vaivem sem fim.
- E depois? – Interessou-se o copo do Mateus.
Depois, é que vem o resto da história. – Disse a jarra, olhando em redor para se certificar não haver ali ninguém que os surpreendesse naquela longa conversa. – Querem ouvir?
- Quereeeeeeemos! – Gritaram os três copos, ao mesmo tempo.
- Então oiçam, muito caladinhos. Os homens antigos descobriram que a areia colocada num forno muito quente, se derretia como manteiga. Descobriram ainda, que assim podiam fazer frascos, copos, garrafas e jarras como eu. Mais tarde aprenderam a fabricar vidros para as janelas, para as montras das lojas, lentes para os óculos e muitas outras coisas. E agora querem saber mais?
- Quereeeeeeeemos – gritaram de novo.
- Então prestem muita atenção! Se a areia for muito branquinha, quase só com grãozinhos de quartzo, fazem um vidro sem cor e transparente como vocês e eu.
- Mas há garrafas verdes. - Lembrou o copo do Mateus.
- É verdade. – Confirmou a jarra. – Umas são verdes, outras são castanhas e outras não têm cor, como nós. Há vidros de muitas cores. Tudo depende das substâncias que se misturam à areia para obter essas cores. Mas isso fica para uma nova conversa.
- E eu a julgar que a areia só servia para os meninos brincarem na praia. – Disse um dos copos.
- Não! – Exclamou a jarra. – Para além do vidro, também serve para fazer cimento, loiça, plásticos e borracha. Serve, ainda, para temperar e enformar o ferro e para fabricar produtos químicos e farmacêuticos.
Apercebendo-se de que alguém se aproximava, disse numa voz muito baixinha:
- Por hoje já chega. Se quiserem aprender mais coisas, arranjem maneira de ficar aqui sobre a mesa, ao pé de mim. Se não, vão ser arrumados numa prateleira qualquer, e eu fico aqui sozinha sem ter com quem conversar.
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