via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 02/08/09
MAIS POR CORTESIA do que para trabalhar, o Instituto Hidrográfico convidou-me a participar num dos muitos cruzeiros realizados no âmbito dos projectos de investigação em Geologia Marinha, de parceria com o Museu Nacional de História Natural, sob a minha responsabilidade. Corria o ano de 1989. Ancorado no porto de Leixões, o navio oceanográfico Almeida Carvalho ia zarpar, desta vez com o objectivo de permitir aos nossos investigadores e estagiários (bolseiros) procederem a amostragens de sedimentos finos (lodos), de profundidade, na vertente continental, ao lago da costa norte do país. Era Outono e o tempo estava magnífico, a convidar para uma semana de relaxe flutuante num mar chão, bem instalado e com mesa de muita qualidade, na agradável companhia do comandante e dos oficiais da guarnição. Sem responsabilidades ou incumbências operacionais fui, como em criança, aprendiz de todos os trabalhos inerentes à vida a bordo. O navio está sempre acordado. Seja dia, seja noite, o trabalho é sempre muito e igual. O que muda são os protagonistas. Enquanto uns dormem ou usam o tempo como lhes convém, outros fazem "quartos", nome oficialmente usado para designar cada um dos turnos de quatro horas a cumprir por cada embarcado, seja ele da guarnição ou da equipa técnica. Os quartos da noite oferecem-nos um ambiente muito particular, agradavelmente marcado pela abundância de luz no navio, em contraste com a absoluta negridão envolvente. Os quartos da madrugada, os meus preferidos, permitiam-me dar continuidade ao meu hábito de escrever naquelas horas e admirar o nascer do sol no mar, uma novidade para quem, como nós, portugueses, no mar, só testemunhamos ocasos. A essa hora mágica a superfície da água parecia óleo com reflexos metálicos acobreados, num espectáculo, para mim, inédito e inesquecível. Era o "mar de azeite", como lhe chamam marinheiros e pescadores.
Entre as muitas coisas que, a bordo, acrescentei ao meu conhecimento, aprendi que na Marinha não há barcos. Só há navios. Fiquei a saber que no navio apenas existem três cordas: a corda do sino, a corda do relógio e "acorda que já são horas". Tudo o mais são cabos. Fiquei ainda a saber que o nome deste navio ao serviço da Armada e do Instituto Hidrográfico entre 1972 e 2002 (abatido ao efectivo em 2006) evoca o Comandante Ernesto Tavares de Almeida Carvalho, português ilustre e autor de importantes trabalhos hidrográficos e oceanográficos ao largo das costas de Portugal e de Moçambique.
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