Recebeu-nos na Academia das Ciências de Lisboa, a que preside, e que tem marcado com um notável dinamismo. Nessa manhã, Adriano Moreira acordara às quatro da madrugada para ir ao aeroporto receber pessoalmente, cavalheiro como sempre, Graça Machel, que veio a Lisboa representar o marido, na homenagem prestada pela Academia a Nelson Mandela.
Para breve, está anunciado o lançamento do aguardado livro de memórias, A Espuma do Tempo. Memórias do Tempo de Vésperas, editado pela sua velha editora, Almedina. Esta conversa, marcada semanas antes, tinha o propósito de um balanço de vida. Mas, logo de início, Adriano Moreira avisou que a entrevista teria que se cingir às matérias do livro. De fora ficaram os dias da revolução, a ressaca que constituiu o saneamento do ISCSPU, os dois anos de exílio no Brasil, o regresso à academia e à vida política activa, a sua transformação, em suma, em grande senador. Ao longo das três horas de conversa que, por vontade dele, incidiu exclusivamente sobre o Estado Novo, o professor nunca pronunciou a palavra "ditadura".
Comecemos então pelo livro. Está prometido há mais de dez anos
Não tenho recordação de ter prometido este livro a ninguém, só tenho recordação de me terem solicitado que escrevesse um livro de memórias. Tenho sempre uma prevenção em relação a este tipo de livros. A memória é muito condescendente connosco. Tem a piedade de aligeirar as coisas. Por isso, este título: Espuma do Tempo. A essas memórias procurei ser fiel. Tive alguma dificuldade material em realizá-lo, porque não tenho documentação. A que tinha, guardava-a no Centro de Estudos do ISCSPU e durante a revolução desapareceu. Não faço ideia do que lhe aconteceu.
Foi destruída?
Estou a dizer que não sei o que lhe aconteceu. Desapareceu.
Nunca escreveu diários?
Não. Recorri a alguns apontamentos.
E aos arquivos?
Também não. Os historiadores tratarão de encontrar referências, não estou preocupado com isso. Quis escrever sobre o meu sentimento, recordação e valoração do que o meu espírito conserva.
Falou com pessoas?
Falei comigo. É da minha exclusiva responsabilidade e do meu diálogo íntimo.
Fê-lo por uma necessidade de deixar o testemunho para a história, ou por uma vontade de ser o professor a escrever a sua história?
Não foi isso. O livro começa com uma carta, que data de Abril de 1974. Nunca mais escrevi durante anos. A carta era uma mensagem para os meus filhos e foi com esta decisão íntima que resolvi continuá-la.
Escreveu à mão?
Sempre. Escrevia à máquina, mas verifiquei que muda o estilo. Já não me reconhecia quando me traziam o texto. Voltei à minha caneta. Mostra o bolso interior do casaco.
Azul ou preta?
Não faço muita questão, cores vivas é que nunca. Não tenho essa necessidade de identificação. Tira a Montblanc de aparo.
São as mesmas com que assinava os seus despachos como ministro do Ultramar?
As canetas também se perdem. Estas são as que estão agora de serviço.
Quanto tempo demorou a escrever o livro?
Fi-lo em duas etapas. Com uma interrupção de quase dez anos, não tinha pressa nem grande apego à publicação. Houve um momento em que acelerei porque vieram pedir para me fazer uma biografia.
Tenta manter o tom e a distância do observador.
É capaz de ser defeito de professor. É complicadíssimo separar participação e meditação.
Retoma o subtítulo "Tempo de Vésperas", o mesmo das crónicas que escreveu em 1971.
http://aeiou.expresso.pt/tive-um-poder-enorme-como-ministro-do-ultramar=f459552
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