via ANGOLA DO OUTRO LADO DO TEMPO... by MariaNJardim on 11/25/09
Segundo Manuel Dias Belchior24, este período inicia-se com o Decreto de 13 de Outubro de 1926, de João Belo (Estatuto Orgânico das Missões Católicas Portuguesas da África e Timor), que extingue as «missões laicas» ou «missões civilizadoras»25 e revigorou a intervenção das missões católicas. Vai marcar um período de estreita colaboração entre o Estado e a Igreja, não deixando exclu sivamente a esta a educação dos «indígenas», como acontecera no período anterior, dos Descobrimentos até 1834, mas também não a excluindo total mente, tendo em conta o «tradicional catolicismo da Nação (portuguesa)» (BEL CHIOR, 1965: 628). Foi com o Estado Novo que essa colaboração se estreitou mais.
Nesse período, a antropologia portuguesa ganhou maior impulso do Estado. Ela apresentava-se, no conjunto da acção colonial, como «ciência global» do homem africano. Encarregou-se da universalização da ideologia colonial no espaço português, apresentando, como diz Marx, as suas ideias como as mais racionais e universalmente válidas (MARX, 1984: 58) e, portanto, como de interesse comunitário de todos os membros da sociedade (CHAUI). Traduzindo a concepção sobre o homem e o mundo colonizados, constituiu-se a verdadeira filosofia da colonização. Nesta dimensão também «fornecia aos missionários uma vasta panóplia de preconceitos racistas e etnocentristas e às diversas organi zações coloniais do governo uma argumentação e conhecimentos que lhe facili tavam a sua acção destruidora das estruturas sociais e económicas indígenas», prestando relevantes serviços ao Estado Novo.
Para responder melhor aos objectivos da colonização e sob o impulso do pró prio Estado Novo, foram sendo criadas instituições especializadas. Orientado pelos mesmos objectivos, destacava-se o «Acordo Missionário», de 7 de Maio de 1940, assinado entre a Santa Fé e a República Portuguesa, no qual as missões eram consideradas «corporações missionárias» ou «religiosas» (Artigos 1°, 5°, 9°, 18° e 19°) e, como tal, instâncias económicas de «moralização dos indíge nas», isto é, de «preparação de futuros trabalhadores rurais e artífices que produ zem» (art. 68°). No ano seguinte, foi assinado o Estatuto Missionário (5 de Abril de 1941), regulamentando aquele Acordo. O Estatuto estabelecia que «as mis sões católicas portuguesas eram consideradas instituições de utilidade imperial e sentido eminentemente civilizador» (Art. 2°).
O artigo 1° da lei que criou a Junta das Missões Católicas Ultramarinas vin culou-a ao Ministério das Colónias, «para desenvolver, (...) o espírito de colabo ração que, em nome dos mais altos interesses coloniais, tem de presidir às rela ções do Estado com as missões», e estabelecia que o Presidente da Junta, nor malmente um bispo, fosse de «nomeação ministerial». Na década de 60, foram organizados alguns organismos de ensino e investigação e criados outros, como o Centro de Antropobiologia e o Centro de Estudos de Antropologia Cultural (MT: 57/77 & II Al: 34, 181, 206, 225 e 262).
O curso de «Administração Colonial», ministrado na Escola Superior Colo nial, transmitia «os métodos de educação dos indígenas (partindo, naturalmente, da etnobiologia) e especialmente de organização e processo de trabalho das missões religiosas com quem o funcionário tinha de lidar e colaborar constantemente» (MT: 58).
Esta filosofia etnológica fundamentava e alimentava ideologicamente todo o discurso político e religioso, tranquilizava as consciências da dominação e exploração económicas e, sobretudo, «ocultava» - usando a expressão de Mário Moutinho - o carácter etnocida da política colonial.
Como se configurou essa filosofia antropológica na política educativa?
Esta tinha por objectivo assegurar a hegemonia política e a direcção cultural da classe colonial dominante sobre «as sociedades ditas tradicionais» ou «primi tivas», consideradas estagnadas no grau zero da temperatura da História.
Obviamente, devia reflectir-se na organização e gestão da educação, transfor mando-a em aparelho ideológico por excelência. Por vezes, o sistema de ensino colonial foi sofrendo reformas, mas adequadas às circunstâncias histórico-económicas e à conjuntura política internacional. A formação do indígena e a cria ção da figura jurídico-política de «assimilado» impunham-se como necessidade de força de trabalho qualificada para a maior exploração capitalista.
O sistema de educação colonial organizou-se em dois subsistemas de ensino distintos: um «oficial», destinado aos filhos dos colonos ou assimilados, e outro «indígena», engenhosamente articulado à estrutura do sistema de dominação em todos os seus aspectos (cf. SNE/GES, 1985: 11). Vimos como, mais tarde, o pró prio Acordo Missionário (Art. 15°) e o Estatuto Missionário (Artigos 66° e 68°) legitimavam essa discriminação.
O regime advogou «uma separação cada vez mais acentuada entre o ensino das crianças indígenas e o das civilizadas», como reclamada pelo «aumento da população civilizada da colónia» e «para o proveito de uma e de outra» (ISCSPU, 1965: 10/11).
O Diploma Legislativo n° 238, de 17 de Maio de 1930, justificava a separa ção dos objectivos de cada tipo de ensino. O ensino indígena tinha por fim «ele var gradualmente da vida selvagem à vida civilizada dos povos cultos a popula ção autóctone das províncias ultramarinas» (idem, p. ]); enquanto o ensino pri mário elementar para os «não-indígenas» visava a «dar à criança os instrumen tos fundamentais de todo o saber e as bases de uma cultura geral, preparando-a para a vida social»:
- Artigo 1°: «O ensino indígena tem por fim conduzir gradualmente o indígena da vida selvagem para a vida civilizada, formar-lhe a consciência de cidadão português e prepará-lo para a luta da vida, tornando-se mais útil à sociedade e a si próprio».
— Artigo 7°: «O ensino primário rudimentar destina-se a civilizar e nacio nalizar os indígenas das colónias, difundindo entre eles a língua e os costu mes portugueses» (MEC/GÊS, 1980: p. 24/25).
Instado pelos organismos da ONU que haviam denunciado a discriminação no sector do ensino, Dias Belchior negou, em 1965, a existência de qualquer preconceito racial no Ultramar, para, em seguida, afirmar:
«As crianças africanas que vivem integradas em sociedades do tipo pri mitivo ou pré-industrial ao chegarem à idade escolar não se encontram nas mesmas condições das crianças europeias ou assimiladas da mesma idade e por isso não podem frequentar, desde logo, o ensino primário elementar. Essas desconhecem não só a língua portuguesa, mas também vários outros elementos da cultura das sociedades evoluídas».
«... Discriminação haveria se o Africano fosse confinado ao ensino de adaptação e estivesse impedido de ascender aos outros graus de instrução. Toda a gente sabe, porém, que isso não acontece nem em proporções ínfimas. O que leva a que muitos africanos se limitem a receber somente o ensi no de adaptação não é o preconceito racial, mas sim a falta de uma rede de escolas primárias elementares suficientemente densa» (BELCHIOR, 1965: 649. Grifos do Autor).
Como refere o próprio Dias Belchior, as características principais do ensino eram «a feição nacionalista e prática», que se traduzia na obrigatoriedade nas escolas do uso e do ensino da língua portuguesa, tolerando o uso da «língua indí gena» somente no ensino da religião, e na obrigatoriedade do pessoal docente, quando africano, ser todo de nacionalidade portuguesa (idem, p. 644/645). Essa obrigatoriedade iria fundamentar a política de assimilação.
Mas prossigamos com as reformas de ensino.
De acordo com estes princípios, o sistema de ensino indígena passou, em 1930, a organizar-se em: 1) Ensino Primário Rudimentar, com três classes, pre visto para sete, oito e nove anos de idade no ingresso; 2) Ensino Profissional Indígena, que, por sua vez, se subdividia em (I) Escola de Artes e Ofícios, com quatro classes, destinada a rapazes e (II) Escolas Profissionais Femininas, com duas classes, geralmente ministrando a «Formação Feminina» (cf. Org. 1).
O ensino de Artes e Ofícios previa a permanência de dois a três anos em cada uma das três primeiras classes, uma vez que a permanência na última (a 4a) era de «tempo ilimitado». Em 1962, este curso passou a chamar-se Ensino de Adaptação. O mesmo diploma legislativo instituiu o Ensino Normal Indígena, destinado a «habilitar professores indígenas para escolas rudimentares» (Art. 25°) (cf. Org. 2).
O sistema de ensino europeu estava estruturado de modo a permitir ao aluno prosseguir os seus estudos até ao ensino superior (cf. Organigramas l, 2 e 3).
Mais tarde, em função das exigências da exploração capitalista e para justifi car a ocupação efectiva das colónias, por pressão da Comunidade das Nações, o regime passou a engrossar o capital humano com os «assimilados», considera dos estatutariamente «não indígenas».
No mesmo ano de 1930, foi criada a primeira Escola de Preparação de Pro fessores Primários indígenas, para as escolas primárias rudimentares com 73 alunos.
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