terça-feira, 10 de novembro de 2009

RIO QUEVE, O PEQUENO GIGANTE (5)

RIO QUEVE, O PEQUENO GIGANTE (5)

via PSITACÍDEO by Francisco on 11/8/09
Estimamos um volume provável de mais de 5 km3 de água em duas ou três barragens. Este volume não excede a afluência anual média, o que significa que estarão sempre com grande repleção.. Fig.13 Ponte sobre o rio Queve (referida na figura anterior) antes das Cachoeiras do Binga. Observa-se a água ficando "mais branca" ao atravessar a ponte: começam os rápidos do Binga logo transformados em quedas mais a jusante. A ponte tem quase sempre carros parados em cima dela: quem é que resiste a um tão belo espectáculo?

O rio Queve tem um bom caudal específico anual, podendo gerar mais de 3000 MW, com uma garantia de mais de 85%. Portugal tem 36 barragens totalizando 4 578 MW, ou seja o rio Queve, por si só pode produzir 65% de todas as barragens portuguesas. Estas estão muito condicionadas aos anos hidrológicos com garantias que chegam a atingir menos de 40%.

5 – Zonagem agro-climática

A figura a seguir apresenta a zonagem agro-climática definida pelo engenheiro Castanheira Diniz nos anos setenta do século passado.
O engenheiro agrónomo Alberto Castanheira Diniz foi para Angola em 1953 contratado pela CUF –Companhia União Fabril- para efectuar estudos de viabilidade para a cultura do Kenaf (cânhamo) em redor de S.Salvador, actual Mbanza Congo, em uma área de 22 000 ha. Esta planta fibrosa podia substituir a juta, matéria prima da sacaria destinada ao transporte do café.
A sacaria de juta era toda importada da União Indiana então já de muito má vontade em relação a Portugal. Motivo: a pendência em relação aos territórios de Gôa, Damão e Diu administrados por Portugal. Nehru, primeiro-ministro da União Indiana- recém independentizada da Inglaterra (1947)-, queria acabar com todas as ocupações estrangeiras no continente indiano. Apelidava as possessões portuguesas de "uma verruga no lindo rõesto da União Indiana" que era necessário extirpar..
De tal maneira Castanheira Diniz se enfeitiçou por Angola que acabou por se radicar. Era difícil, a um espírito científico como ele, resistir aos desafios que Angola apresentava. Uma tremenda sorte para Angola! Ele desenvolveu uma notável actividade científica publicando mais de 15 obras de inegável valor. Mas a sua obra maior é "Características Mesológicas de Angola", publicada em 1973.

Fig.14 Mais um inselberg beirando uma estrada secundária. Estes monte-ilhas, de constituição granítica, acumulavam muita água contribuindo para o grande caudal de base durante o período seco ou cacimbo.

Fig.15 (para ampliar, clique em cima do mapa)

através dos dados fornecidos pela Missão de Inquéritos Agrícolas e por diversos estudos feitos em Angola. A Missão de Inquéritos Agrícolas, idealizada pelo engenheiro agrónomo Jorge Bravo Vieira da Silva, foi de uma utilidade indesmentível. Pela primeira vez tinha-se uma noção das riquezas de Angola, quer de recursos naturais quer humanos. Os resultados referentes às produções agrícolas foram surpreendentes.
A obra "Características Mesológicas de Angola" é uma descrição e correlação dos aspectos fisiográficos, dos solos e da vegetação das zonas agrícolas angolanas. É uma monumental obra científica que pode e deve servir de base a qualquer empreendimento agro-pecuário, comercial ou até de mineração. É, indubitavelmente, a base da moderna geografia angolana. Emparelha com a obra de Gossweiler "Carta Fitogeográfica de Angola"de 1943.
Posteriormente, já em Portugal e com o patrocínio da Cooperação Portuguesa, o engenheiro Castanheira Diniz publicou em 1998 outra obra de referência: "Angola o meio físico e potencialidades agrárias". Além desta destacam-se, também, obras sobre o rio Cunene e Rio Cuanza. Seria fastidioso enumerar todas as suas realizações constantes em livros e artigos dispersos.
De acordo com a Zonagem Agro-Climática definida por Castanheira Diniz a bacia do rio Queve insere-se, parcialmente, nas zonas agricolas ZA 15- (Litoral-Sul de Luanda), ZA 16- (Libolo-Amboim), ZA 17- Transição Centro-Noroeste e ZA 24- Planalto Central .
ZA 15- Litoral-Sul do Cuanza- Estação de chuvas de 6 meses variando de 400 mm anuais no litoral (influência da corrente fria de Benguela) até cerca de 1000 mm na periferia interior sendo março o mês mais chuvoso. O período mais quente é entre março e abril (26-27ºC) e os mais frios (Cacimbo) entre 20-21ºC. Pequenas amplitudes térmicas. Clima semi-árido a árido. Esta faixa litoral possui solos calcários (uma raridade nos planaltos do país) de boa fertilidade, originando pastos doces. A irrigação tem que ser sistemática devido à ausência de linhas de água perenes, à pouca precipitação irregular e à debilidade (águas salobras) dos lençois subterrâneos. Pode dispor-se de água canalizada, à pressão, em conjugação com os sistemas de barragens a montante.
O abacateiro, o algodoeiro, a bananeira, o mamoeiro, a mangueira, a cana de açucar,o feijão e a palmeira dem-dem podem ser culturas de grande sucesso. Porto Amboim posiciona-se como pivot desta área.
ZA 16 – Libolo-Amboim- Estação de chuvas de 7 meses (outubro a abril) variando de 900 mm a 1000 mm. Ao contrário da zona anterior as chuvas são regulares com poucos desvios. Na estação seca há nevoeiros persistentes com um grau de insolação muito baixo, predominando a saturação em humidade da atmosfera, especialmente durante a noite, um aspecto da mata característica que abriga o café robusta (regiões cafeeiras de Libolo, Amboim e Seles). As temperaturas médias anuais são superiores a 20 ºC, com amplitudes em torno de 4ºC. A cidade da Gabela pode considerar-se o pivot desta zona.
ZA 17 – Transição Centro-Noroeste- Estação de chuvas de 7 meses (outubro-abril) variando de 1000 mm nas terras baixas até 1300 mm nas terras altas. Temperatura média anual entre 20º e 21º C. Amplitudes térmicas anuais inferiores a 4ºC. Café robusta em culturas ocasionais. Boa aptidão para rícino, sisal, massambala, mandioca, batata, batata-doce, arroz, amendoim,soja, bananeiras, maracujá, goiabeira, citrinos, mangueira, produtos hortícolas, milho, feijão. As espécies florestais exóticas têm bom poder vegetativo.«A bovinicultura, com tecnicas de maneio tendente à melhoria de pastos e à sua utilização por períodos mais dilatados durante a seca, poderá ser uma das alavancas promotoras do progresso desta zona». Nesta zona podem implantar-se sistemas de irrigação ocasional,aproveitando-se a energia abundante e barata que pode ser obtida por sistemas hidroeletricos implantados no rio Queve. O pivot desta zona é a cidade da Quibala situada na bacia do rio Longa.
ZA 24 – Planalto Central- É a área de maior altitude com a sua maior parte acima dos 1500 m. Temperatura média anual entre 19 e 20º C.Pode considerar-se um clima temperado mas com inverno seco (maio a setembro) e verão quente e chuvoso (outubro a abril). Chuva de 1100 mm a 1400 mm anuais. No inverno seco são raros os nevoeiros mas a insolação é muito alta. As noites frias, sem humidade e de ceu limpo, proporcionam um ceu estrelado de rara beleza, difícil de narrar. É a maior impressão que eu guardo de Angola, vindo em segundo lugar as chuvas diluvianas acompanhadas de trovoadas violentíssimas. Nesta zona o nível de fertilidade é baixo mas os africanos souberam tirar notável partido do meio e das diversas situações fisiográficas cultivando com sucesso milho, feijão, batata, batata-doce, mandioca, produtos hortícolas e frutas tropicais e de clima temperado (uma chamada especial para os morangos). Aqui é pertinente a irrigação ocasional para suprir as pequenas oscilações temporárias das chuvas (pequeno cacimbo). O arroz é uma cultura bem sucedida. Toda a zona é favorável à bovinicultura e à suinicultura apoiadas em pastos melhorados e em medicina veterinária permanente. Condições excepcionais pera floresta exótica (eucaliptos, cedros, cupressus, casuarinas e grevíleas) associadas à industria de mel e cera.

6 – Conclusões

6.1 – Até ao século 19 o rio Queve, como todos os rios de Angola, com excepção dos rios Dande, Bengo e Cuanza próximos de Luanda, mereceram pouca atenção dos governos de Lisboa. Portugal empenhava-se no Brasil, a população metropolitana (pouco mais de 1 milhão de habitantes) era escassa para ocupar tão grandes extensões territoriais. A principal preocupação em África, em termos geográficos, era o reconhecimento da costa angolana (1 650 km) com o fito de encontrar boas baías de acolhimento para os barcos. Foram cartografadas as partes finais dos rios costeiros e tentou-se subi-los, mas sem sucesso. O rio Queve já era mencionado em fins do século 16 como sendo muito turbulento.
6.2 - No século 18, no tempo do Marquês de Pombal, o governador geral Sousa Coutinho (que cumpriu 8 anos de governância, só igualado por Silva Carvalho em 1947-1955) interessou-se pela cartografia angolana especialmente a linha litoral.
6.3 - Em decorrência das "imposições" da Conferência de Berlim (1890) foi efectuado um reconhecimento exaustivo, feito pelo engenheiro tecnico agrário Alfredo de Andrade em 1898, com vista à navegabilidade do rio Queve. Frustraram-se as expectativas: o rio Queve oferecia alguns trechos "calmos", isolados sem comunicação com o mar, sem qualquer peso económico. Logo a seguir, integrado em um estudo da áreas circunjacentes à futura ferrovia de Benguela, o médico naval Pereira do Nascimento apresentou um estudo em 1905 sobre as potencialidades do terço superior do rio Queve. Este estudo conduziu à implantação de vários colonatos europeus, com destaque para o Lépi.
6.4 - No governadorado de Silva Carvalho foi implantado o colonato europeu da Cela no terço médio do rio Queve. Sem estradas e portanto sem saída para os seus produtos, com as populações africanas arredadas do projecto, o colonato definhou e foi salvo a partir de 1961 com uma reconversão para a bovinicultura. Projectou-se uma barragem em Massango para produzir eletricidade e prover à irrigação. Ficou no papel.
6.5 - Em 1962 foi criada a Brigada de Engenharia da Cela que em pouco tempo obteve dados valiosos sobre as chuvas e os caudais da bacia hidrográfica. Foi possível aquilatar a enorme potencialidade energivosa do rio Queve, por si só susceptível de produzir mais de 3500 MW (se incluirmos os afluentes também bastantes energivosos).
6.6 – Em 1973, dois anos antes da independência, a balança comercial de Angola era a segunda melhor de África em termos quantitativos e qualitativos. O petróleo em 1973 ainda não era marcante na economia angolana. Naquele ano Angola produziu 147 068 barris diários ( menos de 10% da actual produção em torno de mais de 1,5 milhões de barris). A partir de 1985 o petróleo em Angola foi uma autêntica corcucópia. Uma descolonização desaustinada e depois duas guerras civis desmantelaram toda a economia angolana. Foi uma pena, pois poder-se-iam ter construido 4 grandes hidroeletricas e umas dezenas de pequenos aproveitamentos hidráulicos, tudo interligado por uma rede nacional de transmissão. Angola hoje disporia de um melhores sistemas de hidroletricidade no mundo. A energia seria abundante e barata o que atrairia empresários sérios a capazes de impulsionar uma economia, empresários que viveriam permanentemente em Angola.
A energia do petróleo tende a ser substituida por outra formas de energia menos poluentes e a electricidade ocupa o primeiro lugar entre todas elas. Um motor eletrico tem muito maior rendimento do que um motor de combustão. Vale aqui acentuar que a energia do rio Queve, toda convertível em eletricidade, corresponde à de 60 000 barris de petróleo por dia.

Luiz Chinguar
Outubro 2009


Esta matéria esta integrada no livro " Mucandas do Tempo do Caparandanda" em fase de pré-prelo

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