Os três problemas portugueses: filosofia, história e futuro da Pátria (parte 1)
via Espiral Dourada de noreply@blogger.com (RS) em 28/01/09
Ensaio da autoria de António Quadros(publicado na Folha "57", n.º11 - Junho de 1962)
"Em nosso entender e segundo a nossa análise, a problemática portuguesa, dia a dia mais grave e agravada pelo curso dos acontecimentos e pela reacção dos homens, tem sido encarada à esquerda e à direita, não nas suas determinações essênciais e profundas, mas nas suas manifestações exteriores e, por assim dizer, epidérmicas. As soluções preconizadas para os problemas, são pois de ordem política ou jurídica. Diveras podem apresentar-se quanto ao conteúdo, diversas e até aparentemente antagónicas. Mas raramente se compreende a que ponto elas se identificam, precisamente por se defrontarem no terreno comum da acção política e do seu suporte legislativo. Ora é este terreno comum que exactamente contestamos e pomos em causa. Há quatrocentos anos que, entre nós, mudam os regimes, as estruturas e as forças dominantes, mas na realidade pouco ou nada se modificou no tipo de estatismo em que pantanosamente mergulhamos.
E isto porque o nosso pensamento político, há quatrocentos anos que não é criador, mas aderente. Queremos dizer que, incapazes de criar doutrina política, necessariamente derivada de uma filosofia e de uma visão do mundo, os nossos políticos se limitam a lutar pela adesão do pais a este ou aquela doutrina, forjada por outros a partir de circunstâncias históricas, ideológicas e sociais inteiramente diversas das nossas. Quel é o partido político que, nos últimos séculos, pôde ou soube postular uma teoria própria e original? Portugal é pensado como um pequeno e triste astro sem luz própria, reflectindo a sombra e o sol dos outros, e opr isso todos os nossos movimentos de reacção e acção, sejam a Contra-Reforma e o Iluminismo, sejam o Absolutismo e o Liberalismo, sejam a Monarquia constitucional e a República, sejam as outras teses e antíteses que se lhes seguiram, tiveram de comum, a ideia concordante da menoridade da pátria, incapaz de teorizar pelas próprias vias, sistemas de filosofia, de educação e de política.
Qualquer das correntes atribuiu e atribui a sua falência, por vezes espectacular e trágica, à actividade das correntes contrárias. Mas é chegado o momento de consciência, é chegado o momento de ver mais longe e mais fundo. É para uma licidez, que não se coaduna com interesses criados e com filiações programáticas, que desejamos contribuir com este ensaio de prospecção filosófica-política, que, demais o sabemos, não pactua com o turbilhão de impulsos divergentes, volteando avidamente sobre o cadáver adiado.
E porque é chegado o momento? Porque se está atingindo muito provavelmente um limite. Porque, talvez sem darmos por isso, estamos já do outro lado de uma fronteira. O presente ensaio liga-se aliás, por uma patente linha de continuidade, ao que foi a orientação expressa do "57" nos últimos quatro anos, e particularmente aos Manifestos que apresentaram a público este ponto de vista novo e escandaloso: um ponto de vista português sobre os problemas portugueses. Ora estes problemas andam de tal forma obscurecidos por ambiguidades artificiais, o drama consequente é de tal modo menorizado por proposições sentimentais e volitivas, o essencial é tantas vezes ocultado pelo acessório, que a maioria das pessoas cada vez sabe menos o que há-de pensar, quando não se encontra filiada em qualquer organização que por eles pense.
A pequena política é a grande dissolutora das mais belas e verdadeiras ideias humanas, porque não quer reconhecer a hierarquia dos problemas e a lógica das relações entre o menor e o maior. Assim, a mediocridade é o plano em que se agitra, o superior é arrastado ao nível do inferior, as mais fecundas concepções filosóficas são degradadas em nome dos interesses imediatos, circundantes, egoístas e pragmáticos. Crescem os actos puramente utilitários, as atitudes provincianas, as ilusões utópicas, os partidarismos irreflectidos, as subordinações confessas ou inconfessas, e é tudo isto, toda esta gama de detritos provindo de ideias e crenças moribundas, que está alimentando e envenenando um número majoritário de portugueses."
(continua...)
E isto porque o nosso pensamento político, há quatrocentos anos que não é criador, mas aderente. Queremos dizer que, incapazes de criar doutrina política, necessariamente derivada de uma filosofia e de uma visão do mundo, os nossos políticos se limitam a lutar pela adesão do pais a este ou aquela doutrina, forjada por outros a partir de circunstâncias históricas, ideológicas e sociais inteiramente diversas das nossas. Quel é o partido político que, nos últimos séculos, pôde ou soube postular uma teoria própria e original? Portugal é pensado como um pequeno e triste astro sem luz própria, reflectindo a sombra e o sol dos outros, e opr isso todos os nossos movimentos de reacção e acção, sejam a Contra-Reforma e o Iluminismo, sejam o Absolutismo e o Liberalismo, sejam a Monarquia constitucional e a República, sejam as outras teses e antíteses que se lhes seguiram, tiveram de comum, a ideia concordante da menoridade da pátria, incapaz de teorizar pelas próprias vias, sistemas de filosofia, de educação e de política.
Qualquer das correntes atribuiu e atribui a sua falência, por vezes espectacular e trágica, à actividade das correntes contrárias. Mas é chegado o momento de consciência, é chegado o momento de ver mais longe e mais fundo. É para uma licidez, que não se coaduna com interesses criados e com filiações programáticas, que desejamos contribuir com este ensaio de prospecção filosófica-política, que, demais o sabemos, não pactua com o turbilhão de impulsos divergentes, volteando avidamente sobre o cadáver adiado.
E porque é chegado o momento? Porque se está atingindo muito provavelmente um limite. Porque, talvez sem darmos por isso, estamos já do outro lado de uma fronteira. O presente ensaio liga-se aliás, por uma patente linha de continuidade, ao que foi a orientação expressa do "57" nos últimos quatro anos, e particularmente aos Manifestos que apresentaram a público este ponto de vista novo e escandaloso: um ponto de vista português sobre os problemas portugueses. Ora estes problemas andam de tal forma obscurecidos por ambiguidades artificiais, o drama consequente é de tal modo menorizado por proposições sentimentais e volitivas, o essencial é tantas vezes ocultado pelo acessório, que a maioria das pessoas cada vez sabe menos o que há-de pensar, quando não se encontra filiada em qualquer organização que por eles pense.
A pequena política é a grande dissolutora das mais belas e verdadeiras ideias humanas, porque não quer reconhecer a hierarquia dos problemas e a lógica das relações entre o menor e o maior. Assim, a mediocridade é o plano em que se agitra, o superior é arrastado ao nível do inferior, as mais fecundas concepções filosóficas são degradadas em nome dos interesses imediatos, circundantes, egoístas e pragmáticos. Crescem os actos puramente utilitários, as atitudes provincianas, as ilusões utópicas, os partidarismos irreflectidos, as subordinações confessas ou inconfessas, e é tudo isto, toda esta gama de detritos provindo de ideias e crenças moribundas, que está alimentando e envenenando um número majoritário de portugueses."
(continua...)
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