via O que eu andei ... de João B. Serra em 13/03/09
Aquilo que imediatamente nos chama atenção é a sua singularidade no conjunto dos textos proféticos. Esta obra breve, a única que foi escrita na terceira pessoa, é a mais dramática história de solidão de toda Bíblia e, no entanto, é contada como que do exterior dessa solidão - como se, ao mergulhar no negrume dessa solidão, o "eu" se tivesse perdido de si mesmo. Portanto, o "eu" só pode falar de si mesmo como um outro. Como na frase de Rimbaud: "je est un autre".
Jonas não se mostra apenas relutante em falar (como Jeremias, por exemplo). Não, Jonas recusa-se mesmo a falar. "Agora a palavra do Senhor foi dirigida a Jonas (...) Mas Jonas levantou-se e fugiu da face do Senhor".
Jonas foge. Paga a sua passagem e embarca num navio. Rebenta uma tempestade terrível, de tal forma que os marinheiros temem que o navio naufrague. Todos pedem aos seus deuses que os poupem. Jonas, pelo contrário, "tinha descido ao porão e, deitando-se ali, dormia profundamente". O sono, portanto, como retirada absoluta do mundo. Sono como uma imagem de solidão. Oblomov enroscado no seu divã, regressando pelo sonho ao útero da mãe. Jonas no ventre da baleia.
O comandante do navio encontra então Jonas e diz-lhe que reze ao seu Deus. Entretanto, os marinheiros deitam sortes para ver quem será o responsável pela tempestade: "...e a sorte caiu sobre Jonas"."E então ele disse-lhes: 'Pegai em mim e lançai-me ao mar e o mar se acalmará porque sei que foi por minha causa que vos sobreveio esta tempestade.'
"No entanto, os homens remavam para ver se conseguiam ganhar a terra, mas em vão, pois o mar cada vez se embravecia mais contra eles" (...).
"E foi assim que pegaram em Jonas e o lançaram ao mar e a fúria do mar acalmou-se".
Não obstante a mitologia popular em torno da baleia, o grande peixe que engole Jonas não é de modo algum um agente de destruição. É o peixe que o salva de morrer afogado. "As águas cingiam-me até à alma, o abismo cerrava-se à minha volta, as algas pegavam-se à minha cabeça".
Paul Auster, Inventar a Solidão. Porto, Asa, 2004. p. 141
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