Na selva dos corações nas trevas
via COMBUSTÕES de Combustões em 02/03/09
É argumento límpido que os países não se criam com uma bandeira, um hino e uns quantos homens armados. A chamada Guiné-Bissau nasceu mal e foi regredindo até chegar onde chegou: canibalismo político, golpes e contra-golpes, matanças herodianas salpicadas aqui e ali por acidentes exóticos, como aquele presidente de gorro à Pereré cujo nome não me ocorre e que entretinha os basbaques com filosofices dignas de uma peça do Théâtre de l'Absurde. Na vaga de "independências" à trouxe-mouche, a Guiné-Bissau foi recebida como lídima representante da nova consciência africana anti-colonial. Contudo, aquilo nunca foi um país e só a ficção paternalista, as ajudas a fundo perdido e a relativização hipócrita permitiram manter a estória durante três décadas. Bissau foi-se esventrando, esburacando e conspurcando, com "ministérios" e "tribunais " - paródias quase voltairianas - funcionando em barracões, numa "capital" sem água, sem esgotos e sem luz eléctrica, verdadeira pocilga que é instantâneo de anti-Estado. Desde o primeiro momento, ainda não tinha soado a hora da "libertação", já eles se matavam uns aos outros: Cabral abatido pelos seus, o irmão Cabral e as chacinas que mandou executar contra reais ou imaginários "lacaios do colonialismo", o irmão Cabral mirim afastado por Nino, Nino afastado por um comité de guerreiros analfabetos, uma guerra civil brutal em 1989 e logo um novo golpe militar em 1993. Vieira sai e volta, mata para não ser morto e acaba varejado antes de matar o comandante do "exército". É assim a Guiné-Bissau, um "país" cujo Estado se limita aos muros das casernas, onde a economia voltou à informalidade primeva e é porto de abrigo para todos os traficantes de drogas da África Ocidental. Pergunto: não teria sido melhor para esse pobre e simpático povo dorido e sacrificado ter mantido a relação com Portugal, que mesmo após a "independência" lhe continuou a tratar de tudo, dos hospitais aos correios, das telecomunicações à banca, da logística administrativa à formação de quadros ? Sim, claro, mas uns quantos senhores em Lisboa - os verdadeiros colonialistas - queriam fazer negócios da Guiné com conservas fora de prazo, botas em segunda mão para o "exército", vinho a martelo e demais quinquilharia que só os "irmãos lusófonos" podiam consumir. É triste, quase confrangedor, comparar as fotografias de Bissau em 1973 e 2009. É a "Guiné-Bissau", um país que não existe e é um imenso libelo condenatório dos outrora cantados ventos da história.
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