Malaca: Uma encruzilhada de rotas e culturas (I)
1. O sultanato
Os portugueses tomaram conhecimento da existência de Malaca logo na primeira viagem de Vasco da Gama. Os primeiros anos de presença no Índico, ricos na aprendizagem do opulento universo comercial da Ásia marítima, permitiram uma primeira avaliação da importância desta metrópole e do interesse que suscitava aos portugueses. O primeiro vice-rei, D. Francisco de Almeida, levou ordens para estabelecer os primeiros contactos com o rei local, mas o atraso no seu cumprimento levou D. Manuel a preparar uma armada, capitaneada por Diogo Lopes de Sequeira, para rumar directamente a Malaca, tendo partido de Lisboa em 1508.
Malaca era, nesta época, uma das mais importantes cidades marítimas asiáticas. A sua prosperidade, embora resultasse de vários factores, advinha-lhe sobretudo da localização geográfica privilegiada. O Estreito de Malaca é, de facto, a principal passagem entre o Golfo de Bengala e o Extremo Oriente. Fundada no século XIV, a cidade encontrou no papel de entreposto comercial das mais variadas mercadorias que atravessavam o Índico o móbil da sua prosperidade. Para além da sua diversidade, os produtos que se escoavam pelo Estreito eram complementares, entre matérias-primas e produtos manufacturados, podendo agrupar-se em quatro categorias: uma primeira onde figuravam diversos géneros da Ásia do Sueste, destacando-se a pimenta de Samatra e de Sunda, o cravo das ilhas de Maluco, a noz-moscada de Banda, mas também outras mercadorias de Timor, Bornéu, Sião ou Birmânia; uma segunda, com produtos manufacturados chineses, sobretudo porcelanas e sedas; uma terceira, formada pelos tecidos indianos, originários do Guzerate, da costa do Coromandel ou do Bengala; finalmente, um quarto grupo, mais heterogéneo, compreende produtos do Médio Oriente, onde figurava o ópio, diversos metais e drogas, couros ou tapetes (1).
Ao longo do século XV, Malaca viveu o período áureo da sua História. Entretanto convertidos ao Islão, os sultões conseguiram, mediante um conjunto de medidas destinadas a garantir a segurança da navegação e do trato e uma hábil política alfandegária, tornar a cidade especialmente atractiva para as diversas comunidades mercantis do Índico, como a chinesa (mais especificamente, chinchéu, ou seja, de chineses do Fujian), a javanesa e, sobretudo, a quelim (casta de mercadores hindus da costa do Coromandel) e a guzerate. À data da chegada dos portugueses à região, os guzerates, graças ao controle do importante feixe de rotas que ligava os centros produtores de especiarias da Insulíndia Oriental ao Índico Ocidental, e daí ao Médio Oriente, ocupavam uma posição preponderante. A cidade era, então, um colorido mosaico de tratos comerciais, nos quais tanto o sultão como as elites da terra participavam e retiravam importantes proventos. Malaca, para além de um opulento sultanato, era igualmente o principal centro difusor do Islão e da língua malaia no Arquipélago, o que lhe conferia um prestígio e uma notoriedade invejáveis. A chegada da armada de Diogo Lopes de Sequeira, em Setembro de 1509, marcou o princípio do fim deste estado de coisas.
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(1) Luís Filipe Thomaz, "Os Portugueses nos mares da Insulíndia - século XVI". De Ceuta a Timor, Lisboa, 1994, pp. 582-584.
Paulo Jorge de Sousa Pinto. "Malaca: Uma encruzilhada de rotas e culturas" In Os Espaços de um Império – Estudos. Lisboa, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1999.
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