via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR de Jose Martins em 11/09/09
Sexta-feira, Setembro 11, 2009
CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós.
Um simples mundo,onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver.
Tudo é possível,ainda quando lutemos, como devemos lutar,por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
(...)
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença,ardentemente espero.
Tanto sangue,tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão.
Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão?
Mas, mesmo que o não sejam,quem ressuscita esses milhões, quem restituinão só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objeto que não fruíram, aquele gestode amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.
Jorge de Sena Lisboa, 25/6/1959
Fonte: Jornal do Pau
CARTA A MEUS FILHOS SOBRE OS FUZILAMENTOS DE GOYA
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.É possível, porque tudo é possível, que ele seja aquele que eu desejo para vós.
Um simples mundo,onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto o que vos interesse para viver.
Tudo é possível,ainda quando lutemos, como devemos lutar,por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,ou mais que qualquer delas uma fiel dedicação à honra de estar vivo.
(...)
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém vale mais que uma vida ou a alegria de tê-la.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto não é senão essa alegria que vem de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém está menos vivo ou sofre ou morre para que um só de vós resista um pouco mais à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição, e sobretudo sem desapego ou indiferença,ardentemente espero.
Tanto sangue,tanta dor, tanta angústia, um dia - mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga - não hão-de ser em vão.
Confesso que muitas vezes, pensando no horror de tantos séculos de opressão e crueldade, hesito por momentos e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão?
Mas, mesmo que o não sejam,quem ressuscita esses milhões, quem restituinão só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes aquele instante que não viveram, aquele objeto que não fruíram, aquele gestode amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa que não é nossa, que nos é cedida para a guardarmos respeitosamente em memória do sangue que nos corre nas veias, da nossa carne que foi outra, do amor que outros não amaram porque lho roubaram.
Jorge de Sena Lisboa, 25/6/1959
Fonte: Jornal do Pau
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