Logo pela manhã, ainda a fogueira da véspera ardia, triste e sem cor já e junto a ela um vulto de um homem , sentado sobre um tronco velho, encolhido e estático, parecendo adormecido, aproveitava o último calor do fogo, que também parecia estar cheio de frio, tantas eram as cinzas que o cobriam. - O homem está à tua espera, disseram-me. Chegou de madrugada para te ver e falar. Estavamos no deserto, no Omahua, onde chegara na noite anterior. E pensei, como é que o homem sabia que eu estava ali, quem era ele e porquê? - Sou o Piriquito, o guia do teu pai Fernando. Fernando era meu tio, caçador, e terá feito milhares de kilometros com o Piriquito, pelo Iona, pela Pediva, por aquele sul imenso, dunas, savanas... e outros areais, afluentes do Kuroca, esse rio fantástico, tão feroz nas suas enchentes avassaladoras e o cerne da vida dos chamados "Mukurocas". O Piriquito era "Mukuroca" e pensou que eu fosse o filho do meu tio Fernando e estava ali para saber notícias da família. Disse-lhe,o meu tio morreu e ele ficou triste. Voltei a ver o Piriquito, 4 anos depois, à entrada do Iona, junto ao rio Kuroca. Estava na mesma, parecia que os anos não passavam por ele, alto, altivo, magro e só podia ir ao Namibe, que distava daquele local cerca de 200km, dali a um mês, porque tinha ainda de ir à Namibia, atravessar a fronteira e voltar ali e só depois ia ao Namibe...a pé. Achei incrivel, e senti um respeito enorme por aquele homem, tão simples, prático, inteligente, sensivel e simpático, puro. Estes dois episódios fazem-me lembrar um outro, que se passou há 46 anos. Comiamos numa mesa mesmo em frente à mesa do Professor Portugal, no internato do Liceu Diogo Cão, no Lubango. Eu, os dois Esteves, Zé Carlos e Jorge e o Carlos Ferrão. Eramos dos mais putos do Internato. Nessa altura também o Dr.Higino Vieira vivia no Internato com a sua prole, uma vez que a sua casa estava em obras, acréscimo de mais alguns quartos, visto serem 11 os filhos. Chega um dia o Professor Portugal à nossa mesa, trazendo um miúdo negro pela mão e diz-nos que doravante ele se sentaria ali conosco e que se chamava Manuel João Kangombe, mas como o nome era muito complicado e á boa maneira portuguesa de dar novos nomes aos negros, perguntou qual seria o melhor nome para ele. Era um miúdo como nós e olhando para ele, eu disse: - Piriquito. E ficou Piriquito, filho de um soba de Caconda, o Piriquito do Internato, que jogou na Académica do Lubango (tinha habilidade para a bola) e que depois da independência foi delegado da Sonangol no Huambo, esse mesmo, amigo de sempre, que já partiu para lugar incerto. Piriquito, é um bom nome. Luanda, 6 de Junho de 2006 Fonte: Blogue "Mario Tendinha's Site" |
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