OS PORTUGUESES EM TIMOR NOS SÉCULOS XVI E XVII
Uma dos erros mais comuns sobre a História de Timor, veiculado hoje em dia sobretudo pelos indonésios ou pelos seus simpatizantes, é o de que a ilha sofreu 500 anos de colonialismo português. A verdade histórica, porém, é bem diferente. De facto, só muito tarde, nos finais do século passado, é que os portugueses passaram a exercer um controle directo sobre a parte oriental da ilha, dominando-a militarmente e submetendo as autoridades locais. Ao mesmo tempo, impuseram um aparelho administrativo e desenvolveram a economia assente nas plantações de café. Até esta data, a presença portuguesa limitara-se aos contactos pacíficos, ao comércio, á evangelização ou á aliança com diversos reinos da ilha, participando por vezes activamente na política e nas guerras locais, consoante as épocas, mas sem elementos de domínio colonial. Hoje vamos falar da chegada dos portugueses a Timor, e vamos contar como se interessaram pelas riquezas e pelas gentes da ilha, durante os séculos XVI e XVII.
Os portugueses chegaram a Timor, provavelmente, em 1514 ou 1515; não se conhecem, porém, os nomes destes homens, nem as circunstâncias da sua viagem. Após a conquista de Malaca por Afonso de Albuquerque, em 1511, os portugueses tomam contacto com o vasto Extremo Oriente, obtendo informações sobre a China, o Japão e, sobretudo, as ilhas das especiarias, sobretudo Java, Banda e as Molucas. Timor, embora não tivesse especiarias, produzia no entanto uma madeira preciosa muito apreciada, o sândalo. Nesta época, os timorenses não se interessavam em levar o sândalo aos mercados asiáticos; pelo contrário, eram mercadores estrangeiros, como os javaneses ou os malaios, que se dirigiam á ilha, compravam a madeira preciosa e a transportavam para os grandes entrepostos comerciais, como Malaca. Quando esta cai nas mãos dos portugueses, estes interessam-se imediatamente pelo comércio deste produto, tentando alcançar a ilha de onde provinha.
O sândalo de Timor provém de uma grande árvore, que pode levar cem anos a atingir o seu tamanho ideal. Garcia de Orta descreve-a do seguinte modo:
"é uma árvore do tamanho de uma nogueira, e a folha como a da aroeira; deita flor azul escura e dá uma fruta verde do tamanho de uma cereja, e cai azinha, e é primeiro verde, e depois preta e sem sabor."
O sândalo, como madeira preciosa, era utilizado para a feitura de objectos de adorno; mas as suas propriedades, sobretudo o seu aroma agradável, levavam a que tivesse outras utilizações, sendo usado como perfume ou mesmo como medicamento muito apreciado e útil.
Assim, Timor passou a ser frequentemente visitada pelos portugueses, em busca deste produto tão cobiçado. Timor estava dividido em inúmeros pequenos reinos, que combatiam entre si em pequenas guerras intermináveis. Estes reinos, porém, agrupavam-se em duas grandes confederações rivais, uma a oeste, uma a leste da ilha. Os seus habitantes eram grandes guerreiros, e a ilha vivia num estado de permanente turbulência. Da viagem de circum-navegação do globo, de Fernão de Magalhães, chegou-nos esta descrição:
"Como as mulheres, os homens andam nus, usando apenas certas coisas de ouro redondas como um trincho, amarradas ao pescoço; no cabelo usam pentes de cana enfeitados com anéis de ouro. Alguns trazem nas orelhas, seguros por anéis de ouro, gargalos de cabaças secas. (…) Esta é a única ilha onde se encontra o sândalo branco. (…) Chama-se Timor."
Em 1566 teve início uma nova etapa na História dos portugueses em Timor. Por iniciativa do missionário frei António Taveira, iniciou-se a missionação da ilha, assim como de outras vizinhas, que passaram a estar a cargo dos dominicanos. Timor passou a estar anexo á pequena ilha de Solor, onde se constrói uma pequena fortaleza e que constitui a base do trabalho dos missionários na região. Aliás, já anteriormente os portugueses haviam preferido esta ilha a Timor, pois oferecia melhores condições de segurança para os navios, e as populações eram menos turbulentas. Assim, a evangelização foi a verdadeira raiz da fixação portuguesa em Timor, assistindo-se ainda no século XVI á conversão do primeiro reino, o de Mena. Os missionários portugueses enfrentavam a influência da religião muçulmana, que avançava na região, mas nunca criou raízes em Timor. Com a chegada dos holandeses e dos ingleses, nos finais do século XVI, agravaram-se as condições da presença portuguesa na região, mas em Timor a sua influência manteve-se.
A importância de Timor era já considerável nos meados do século XVII. Foi, aliá, para esta ilha que se refugiou o bispo de Malaca e parte dos portugueses desta cidade, quando os holandeses a conquistaram em 1641. É, aliás, nesta data que a rainha de Mena, ameaçada por um poderoso rei muçulmano de uma ilha vizinha, pede protecção aos portugueses, estabelecendo uma aliança política que se multiplicaria noutros casos. Os holandeses passam, também, a frequentar as costas de Timor em busca do cobiçado sândalo, ameaçando a presença portuguesa, que nesta época tomava já a forma de uma mestiçagem bem misturada com a população local. A ameaça holandesa acaba por confinar os portugueses á ilha, para onde se transfere o capitão de Solor de onde tinha sido expulso.
Nesta época, a ilha levava uma existência autónoma: a grande distância que a separava de Goa, agravada pelas constantes interferências dos holandeses no Oriente, levou a que a autonomia da ilha fosse quase total. Aliás, durante parte do século XVII, o poder é disputado entre dois mestiços portugueses, que se degladiam com o apoio alternado de diversos reinos da ilha, arrastando o capitão português para um papel insignificante. São, de facto, os mestiços, apoiados nas armas de fogo portuguesas, quem controla a ilha, e não Goa ou Lisboa. A influência profunda da missionação na ilha levou a que esta tivesse sempre resistido ás investidas dos holandeses, que só muito tarde conseguiram uma influência mais acentuada.
A origem da divisão da ilha em duas metades teve esta origem: a instabilidade permanente entre os diversos reinos levou a que os holandeses se aproveitassem para se estabelecerem na ilha. Como já afirmámos, esta estava dividida em duas grandes confederações: uma solicitou o apoio holandês, outra pediu socorro aos portugueses. A parte oriental, ficando sob influência portuguesa, veria crescer a sua diferençiação em relação ás ilhas vizinhas, assim como á metade ocidental. No século XVIII, a relação política entre Portugal e Timor-Leste toma a forma de aliança ou protectorado político, crescendo a influência quer da língua portuguesa, quer da religião católica. A bandeira portuguesa é vista, para os timorenses, como o símbolo do pacto entre Portugal e Timor-Leste.
Podemos, deste modo, encontrar as raízes da presença portuguesa em Timor, e compreender como, desde muito cedo, se forjou uma identidade cultural própria dos timorenses, distinta dos povos vizinhos, e como a parte oriental da ilha se destacou na sua ligação a Portugal, como é hoje bem visível.
Paulo Jorge de Sousa Pinto - texto de apoio a programas de rádio sob a designação "Era uma vez… Portugal", emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal
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