via COMBUSTÕES by Combustões on 7/29/08
(...) Entre Agosto de 1974 e o início de 1975 os portugueses em fuga de África mal se vêem nas páginas dos jornais. É claro que se fala deles mas com o incómodo e os rodeios de quem tem de dar uma má notícia no meio duma festa. Esta é a fase em que os fugitivos são necessariamente brancos pois assim facilmente se integram no estereótipo que deles traçam homens como Rosa Coutinho que os classifica como "elementos menos evoluídos que têm medo de perder as suas regalias" ou Vítor Crespo que os define como "pessoas racistas que não abdicam dos seus privilégios".
Os jornalistas portugueses usam então tranquilamente expressões como "brancos ressentidos", "brancos em pânico" ou pessoas que "reivindicam um desejo de viver num mundo que já acabou" para referir a maior fuga de portugueses nos seus muitos séculos de História. Os primeiros a chegar, logo em Agosto de 1974, ainda tiveram jornalistas à espera. Mas semanas depois, quando a catástrofe se torna não só óbvia como incontornável, as notícias sobre o "regresso dos colonos" quase desaparecem e o que temos cada vez mais são longos artigos sobre a descolonização cheios de declarações de líderes ou candidatos a tal. Jornais como o Diário de Notícias, o Expresso ou O Século enviam repórteres para a Guiné, Angola e Moçambique. Estes relatam com detalhe e parcialidade as lutas pelo poder nos diversos movimentos - sobretudo em Angola. O drama das pessoas parece-lhes uma fatalidade histórica. Fatalidade aliás inscrita no termo por que haveriam de ficar conhecidos: passada a fase caricatural dos "colonos brancos", ainda se experimentou "deslocados do Ultramar" ou desalojados. Por fim surgiu o salvífico termo "retornado", pese muitos deles não estarem a retornar a parte alguma porque simplesmente tinham nascido e vivido toda a vida em África. Refugiados, termo usado então e agora com bastante ligeireza, é que eles nunca puderam ser.
Não existe uma data precisa para definir o momento em que se tornou patente que os retornados estavam longe de ser todos brancos, mas quando a ponte aérea os fez desembarcar às centenas de milhar em Lisboa tornou-se evidente que muitos deles eram negros, mulatos, indianos... com cores e hábitos de vida muito distantes do tal boneco do fazendeiro branco de chicote na mão, a que inicialmente foram reduzidos. Perante o mal-estar que a sua simples existência causava, os fugitivos passaram rapidamente da caricatura ao esquecimento. Foram precisas décadas para que grandes reportagens fossem dedicadas ao turbilhão de factos que fez deles retornados. O problema deles não era não terem uma história para contar (...).
(Helena Matos, Público, 29.07.2008)
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