quinta-feira, 10 de julho de 2008

A Viagem (IX)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 10/07/08

A segunda escala-tipo - como atrás indiquei - está representada no rio dos Bons Sinais, no Zambeze. Aí, é o começo da outra experiência do Índico: a experiência da dor da viagem, materializada nas maleitas do escorbuto, e da primeira referência à navegação e ao comércio muçulmano, sinal do que pouco tempo depois será o grande inimigo da presença portuguesa nesses mares.

A armada parte do rio dos Bons Sinais a finais de Fevereiro e, poucos dias depois, no início de Março, chega à ilha de Moçambique. Inicialmente, o acolhimento do sultanato muçulmano local é bastante bom, muito provavelmente porque tomam os portugueses por turcos. Mas, quando descobrem que são cristãos, preparam-se para os aprisionar e matar. Sucedem-se as escaramuças, os ataques, os bombardeamentos, até que a 4 de Abril partem para Mombaça. Tinham estado trinta e três dias na ilha. […]

No itinerário da Índia, depois do ilhéu da Cruz e do rio dos Bons Sinais, a ilha de Moçambique representa a terceira escala-tipo de referenciação. Para Vasco da Gama, acaba a África negra, que os Portugueses conhecem desde a Guiné. Estamos na outra fronteira meridional do comércio muçulmano […]

Quer dizer: para Vasco da Gama, o outro lado da África negra, o Índico, começa em Moçambique; aí, perante os mouros e as suas maldades, impõe-se estar atento. E o que acontece em Mombaça, ver-se-á a seguir, só servirá para reforçar a convicção de que, no Índico, domina a desconfiança. Não estamos longe das cautelas de Melinde e de Calecute.

Mas, apesar desta experiência, os velhos mitos não desaparecem. Os portugueses julgam estar próximos dos cristãos orientais […]

Não falta a presença do Preste João, indiciadora da permanência de um modelo do passado que, apesar disso, continua vivo nos espíritos: «Mais nos disseram que [o] Preste João estava dali perto; e que tinha muitas cidades ao longo do mar, e que os moradores deslas eram grandes mercadores e tinham grandes naus, mas que o Preste João estava muito dentro pelo sertão, e que não podiam lá ir senão em camelos, os quais mouros traziam aqui uns dois cristãos índios cativos. […]

"Vasco da Gama - O Homem, A Viagem, A Época", Luís Adão da Fonseca, Edição do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998 e da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, 1997, pp. 149, 150 e 151

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