Em Santa Helena, onde ancoram a 8 de Novembro, demoram-se uma semana, «limpando os navios e corregendo as velas e tomando lenha». Durante esta semana, têm os portugueses a sua primeira experiência de contacto intercivilizacional.
Na simplicidade do relato do «diário» de Álvaro Velho, sobressai aos olhos do leitor contemporâneo a inexperiência dos Europeus, a total ausência de coordenadas em função das quais devem organizar o relacionamento humano com as populações locais. Não se trata já do mouro ou do negro africano, com os quais os Portugueses há muito convivem. Tem-se a sensação de que Vasco da Gama e os seus companheiros não sabem como situar a baía à qual acabam de aportar. […]
O problema pode ser resumido nas seguintes perguntas: serão - cultural e civilizacionalmente - negros como os do continente africano já conhecidos pelos Portugueses? Nestes mares meridionais, a caminho da Índia, serão índios (no sentido do que a herança medieval lhes dizia serem os índios)? Se não são nem uns nem outros, como os classificar? […]
«E o capitão-mor foi em terra, e mostrou-lhes muitas mercadorias para saber se havia naquela terra alguma daquelas coisas. E as mercadorias eram canela, e cravo e aljôfar e ouro e assim outras coisas. E eles não entenderam naquelas mercadorias nada, como homens que nunca as viram, pelo qual o capitão-mor lhes deu cascavéis e anéis de estanho.»
Da decisão de Vasco da Gama torna-se evidente a conclusão a que os portugueses terão chegado. Em termos de cultura e de civilização, trata-se de africanos. […]
Segue-se o eposódio de Fernão Veloso, bem conhecido de muitos por ter sido incluído por Camões no canto V de Os Lusíadas. Tendo este repetidamente solicitado autorização de Vasco da Gama para ir visitar as casas das populações locais, e tendo-lhe sido tal autorização concedida, Fernão Veloso come com os indígenas um assado de lobo-marinho que estes tinham capturado. Depois da refeição, ao regressar à praia, quando uma barca se aproximava para o recolher, são todos atacados pelos negros «com umas zagaias que traziam, onde foi ferido o capitão-mor e três ou quatro homens».
"Vasco da Gama - O Homem, A Viagem, A Época", Luís Adão da Fonseca, Edição do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998 e da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, 1997, pp.126, 130 e 131
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