Deixam o Atlântico e entram no Índico. No dia 25 de Novembro, fundeiam numa pequena baía, a angra de São Brás, onde permanecem quase duas semanas. Aí encontram os naturais: os primeiros eram cerca de 90. O autor do texto não tem dúvidas: «São homens baços, da arte daqueles da angra de Santa Helena.»
Os portugueses resolvem não confiar: bem armados, descem à praia, e lançam guizos aos indígenas, como em Santa Helena. Ou seja, nesse lugar onde tinha estado Bartolomeu Dias, e onde o descobridor encontrara alguma hostilidade (que Álvaro Velho não deixa de recordar, possivelmente por informação do piloto Pêro de Alenquer), assiste-se a uma identificação topológica claramente bivalente: nesse lugar, onde, no mar, Vasco da Gama sabe ser já o Índico, a terra, é, na visão dos portugueses, ainda uma extensão da africana Guiné. «Posto que todos Etíopes eram», escreve Camões.
Aí, apesar dessa experiência anterior, conseguem estabelecer relações cordiais. Trocam guizos e barretes vermelhos por adereços de marfim, dançam em conjunto. Por troca, adquirem um boi, que comem ao jantar («era muito gordo e a carne dele era saborosa como a de Portugal», lê-se no roteiro). […]
No entanto, apesar destas manifestações de pacífico e alegre convívio, Álvaro Velho não deixa de registar um breve episódio que, a meu ver, tem algum interesse. […]
Não deixa de ser significativo este apontamento. Na sua primeira escala índica, Vasco da Gama recorre à artilharia para, a partir do terror que o estrondo provoca, definir desde logo uma relação de poder. […]
Ou seja, o disparo ordenado por Vasco da Gama, na angra de São Brás, a 3 de Dezembro de 1497, sendo historicamente o primeiro disparo de artilharia europeia no oceano Índico, reveste-se duplamente de um significado exemplar: inaugura e antecipa o cheiro a pólvora que, durante quatro séculos e meio, acompanhará a era de Vasco da Gama naquelas paragens.
"Vasco da Gama - O Homem, A Viagem, A Época", Luís Adão da Fonseca, Edição do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998 e da Comissão de Coordenação da Região do Alentejo, 1997, pp. 134 e 135
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