Enviado para você por Rui Moio através do Google Reader:
Pouco depois de receber o prémio Pessoa, passei de pessoa vulgar, a Persona, no sentido de me ter transformado numa máscara, por onde se esperava que saísse uma voz a manifestar posições públicas. De repente pediam-me a opinião sobre tudo e nada. Desde logo, recusei dizer qual era a minha cor preferida, o meu signo, se gostava ou não de café com leite de manhã ou um copo de whisky à noite, ou dar as minhas opiniões políticas sobre as primárias do Partido Democrata nos EUA ou sobre as vicissitudes do PSD.
Decidi apenas falar de história e de memória, do nosso passado recente ditatorial e, nesse sentido, dei prioridade a deslocações a escolas. Quase que me transformei numa caixeira viajante a quem perguntavam sobre a PIDE/DGS, o Estado Novo e a situação das mulheres durante a ditadura. E o certo é que – agora a sério – tive excelentes surpresas, totalmente contraditórias com o que consta sobre a Escola e os professores, nomeadamente de História.
Em todos os estabelecimentos de ensino aonde me desloquei, verifiquei o dinamismo dos professores de História, acompanhados pelo entusiasmo organizativo de alunos. Na Escola Secundária de Rio Maior, estava organizada uma exposição sobre o Estado Novo, com objectos e textos sobre o período provenientes das famílias dos alunos. Na Escola da Merceana, perto de Alenquer, os alunos tinham feito, com a professora, um «powerpoint» sobre a ditadura salazarista e o 25 de Abril de 1974. Em Évora, três alunos do 12.º ano da Escola organizaram eles próprios uma conferência, muito bem preparada.
Em todos os locais, os alunos tinham um rol de perguntas «em carteira», que nunca se repetiam, o que indicava que aquelas sessões para onde me tinham convidado apenas constituíam um culminar de outra espécie de trabalho prévio realizado. Em todas as escolas, sentia-se a curiosidade e a incredulidade relativamente a um passado recente, vivido pelos pais e avós. Entre os temas mais abordados, contavam-se a existência de informadores da polícia política, bem como a situação das jovens na Mocidade Portuguesa Feminina e a das mulheres, privadas de direito, no período até 1974. Para as alunas – estas eram de longe as que mais perguntas faziam – e os alunos, aquele passado tão recente parecia afinal outro mundo, bem longínquo.
Sei que provavelmente essas escolas constituem excepções, mas basta a sua existência para se perceber que em todo o lado onde há iniciativa, preparação, conjunção de esforços de professores e alunos, a História se torna em algo de apetecível. Em muitos casos, perguntavam-me como se investiga em Portugal. Ou seja, os alunos sentiam uma curiosidade renovada e até… a apetência pela investigação histórica. Sentia-se que, longe de ser uma «seca», a História surgia como um conjunto de histórias contadas e de memórias vividas a contribuírem para um sentido de identidade, baseada num passado comum, que reforçava a cumplicidade no presente.
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