sexta-feira, 31 de outubro de 2008

RECESSÃO, DEPRESSÃO...

via Falando Francamente by Jorge Magalhães on 10/28/08

A depressão: uma visão de longa duração


Periódico
27-Out-2008
Immanuel WallersteinComeçou uma depressão. Os jornalistas ainda estão timidamente a perguntar aos economistas se podemos ou não estar a entrar numa mera recessão. Não acreditem nem por um minuto. Já estamos no início de uma completa depressão mundial, com desemprego extensivo em quase todo o lado.

Pode assumir a forma de uma deflação nominal clássica, com todas as suas consequências negativas para as pessoas comuns. Ou pode tomar outra forma, um pouco menos provável, de inflação galopante, que é apenas uma outra forma de deflacionar valores, e que é ainda pior para as pessoas comuns.

Claro que todos estão a perguntar o que desencadeou esta depressão. Foram os derivativos, que Warren Buffett chamou de "armas financeiras de destruição maciça"? Ou foram as hipotecas subprime? Ou são os especuladores do petróleo? Trata-se de um jogo sem qualquer importância real. É prestar atenção à poeira, como dizia Fernand Braudel acerca dos eventos de curta duração. Se queremos entender o que está a acontecer, é preciso olhar para duas outras temporalidades, que são muito mais reveladoras. Uma é a dos ciclos de média duração. E a outra é a das tendências estruturais de longa duração.

A economia-mundo capitalista teve, por pelo menos algumas centenas de anos, duas formas principais de ondas cíclicas. Uma é a dos chamados ciclos de Kondratieff, que historicamente tinham uma duração de 50-60 anos. E a outra é a dos ciclos hegemónicos, que são muito mais longos.

Em termos de ciclos hegemónicos, os Estados Unidos eram um ascendente candidato à hegemonia em 1873, conquistaram o pleno domínio hegemónico em 1945, e têm vindo a declinar lentamente desde os anos 70. As loucuras de George W. Bush transformaram um lento declínio numa queda precipitada. E, por agora, já estamos longe de qualquer aparência de hegemonia dos EUA. Entrámos, como normalmente acontece, num mundo multipolar. Os Estados Unidos permanecem uma forte potência, talvez ainda a mais forte, mas vão continuar o declínio relativo às outras potências nas próximas décadas. Não há muito o que se possa fazer para mudar isto.

Os ciclos Kondratieff têm uma periodicidade diferente. O mundo saiu da última fase B de Kondratieff em 1945, e entrou na mais forte subida de fase A da história do moderno sistema-mundo. Chegou ao seu ponto mais alto cerca de 1967-73 e começou a descer. Esta fase B durou muito mais tempo que todas as anteriores, e ainda estamos nela.

As características de uma fase B de Kondratieff são bem conhecidas e correspondem ao que a economia-mundo tem vindo a atravessar desde os anos 70. As taxas de lucro das actividades produtivas diminuem, especialmente nos tipos de produção que foram mais lucrativos. Consequentemente, os capitalistas que desejam obter realmente altos níveis de lucro, viram-se para a arena financeira, envolvendo-se no que basicamente é especulação. As actividades produtivas, para não se tornarem demasiado pouco lucrativas, tendem a transferir-se de zonas centrais para outras partes do sistema-mundo, trocando baixos custos de transacção por custos mais baixos com o pessoal. Este é o mecanismo que fez desaparecer os empregos de Detroit, de Essen e de Nagoya, ao mesmo tempo que se expandem as fábricas na China, na Índia e no Brasil.

Quanto às bolhas especulativas, sempre há quem faça muito dinheiro com elas. Mas as bolhas especulativas sempre estouram, mais tarde ou mais cedo. Se perguntarmos por que esta fase B de Kondratieff durou tanto tempo, é porque os poderes reais - o Tesouro dos EUA e a Reserva Federal, o Fundo Monetário Internacional e os seus colaboradores na Europa ocidental e no Japão - intervieram no mercado com regularidade e importância para sustentar a economia-mundo: 1987 (queda das bolsas), 1989 (colapso das poupanças e empréstimos nos Estados Unidos), 1997 (queda financeira da Ásia Oriental), 1998 (má gestão do Long Term Capital Management), 2001-2002 (Enron). Aprenderam as lições das anteriores fases B de Kondratieff, e os poderes reais pensaram que podiam derrotar o sistema. Mas há limites intrínsecos para fazê-lo. E atingimo-los agora, como estão a aprender Henry Paulson e Ben Bernanke, para seu desconsolo e provavelmente espanto. Desta vez não vai ser tão fácil, provavelmente impossível, evitar o pior.

No passado, quando uma depressão executava a sua devastação, a economia-mundo recuperava de novo, na base de inovações que podiam ser quase monopolizadas por algum tempo. Assim, quando se diz que a Bolsa de Valores vai-se levantar de novo, isto é o que se pensa que vai acontecer, desta vez, como no passado, depois de todos os estragos que foram feitos às populações mundiais. E talvez aconteça, dentro de alguns anos.

Há porém algo novo que pode interferir com este belo padrão cíclico que sustentou o sistema capitalista durante cerca de 500 anos. As tendências estruturais podem interferir com os padrões cíclicos. As características estruturais básicas do capitalismo como sistema-mundo operam de acordo com certas regras que podem ser desenhadas num gráfico como um equilíbrio ascendente. O problema, como em todos os equilíbrios estruturais de todos os sistemas, é que ao longo do tempo as curvas tendem a afastar-se do equilíbrio e torna-se impossível equilibrá-las de volta.

O que levou o sistema tão longe do equilíbrio? Muito brevemente, é porque durante 500 anos os três custos básicos da produção capitalista - pessoal, inputs e impostos - subiram constantemente como percentagem dos possíveis preços de venda, de tal forma que hoje tornam impossível obter os grandes lucros da produção quase monopolizada que sempre tem sido a base da acumulação significativa do capital. Não é porque o capitalismo esteja a falhar no que faz melhor. É precisamente porque fez tão bem, que acabou por minar a base da futura acumulação.

Que acontece quando chegamos a um tal ponto em que o sistema se bifurca (na linguagem dos estudos de complexidade)? As consequências imediatas são uma alta turbulência caótica, que pela qual o nosso sistema-mundo está a passar neste momento e que vai continuar a atravessar durante talvez outros 20-50 anos. À medida em que cada um empurra para qualquer direcção que considera ser aquela que é imediatamente melhor para ele, uma nova ordem vai emergir do caos, tomando um de dois caminhos alternativos e muito diferentes.

Podemos afirmar com confiança que o actual sistema não pode sobreviver. O que não podemos prever é que nova ordem será escolhida para substituir esta, porque será o resultado de uma infinidade de pressões individuais. Mas, mais tarde ou mais cedo, será instalado um novo sistema. Não será um sistema capitalista, mas pode ser muito pior (mesmo mais polarizador e hierarquizado), ou muito melhor (relativamente democrático e relativamente igualitário) que este sistema. A escolha de um novo sistema é a maior luta política mundial dos nossos tempos.

Quanto às nossas perspectivas imediatas e interinas de curta duração, é claro o que está a acontecer em todo o lado. Estamos a caminho de um mundo proteccionista (esqueçam a chamada globalização). Estamos no caminho de uma ingerência muito mais directa do governo na produção. Mesmo os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão a nacionalizar parcialmente os bancos e as grandes indústrias moribundas. Estamos a caminho de uma redistribuição populista, dirigida pelos governos, que pode assumir formas social-democratas de centro-esquerda ou autoritárias de extrema-direita. E estamos a caminho de conflitos sociais agudos no interior dos Estados, em que todos competem pela torta menor. Na curta duração, a imagem não é, nem de longe, bonita.

Immanuel Wallerstein

15/10/2008

Tradução de Luis Leiria


The Portuguese Discoverers (V)

The Portuguese Discoverers (V)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 10/31/08

Obra fundada na mais moderna bibliografia e assente em aparato crítico, impõe-se como um grande quadro das viagens terrestres e marítimas a que a Humanidade assistiu ao longo dos tempos. Na parte VI refere-se aos descobrimentos que nos séculos XV e XVI deram uma nova imagem do mundo e alargaram o conhecimento do homem. Nos capítulos 21 a 24, o autor reconhece a acção pioneira dos portugueses no processo da expansão europeia na África, no Oriente e na América. Com mestria põe em relevo os móbeis desse processo, a visão esclarecida dos seus condutores e o papel dos navegantes que contribuíram para o destino histórico de Portugal.

O Professor Boorstin construiu uma verdadeira saga dos descobrimentos portugueses, onde reis e marinheiros, mercadores e religiosos, cronistas e viajantes surgem redivivos através do seu esmerado talento literário. O autor não precisou de escrever muito para traçar a sua história, nem de recorrer à apologia para ser fiel à verdade dos acontecimentos. Ergueu uma obra documentada e séria, o que justifica a iniciativa da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses de proceder à reprodução dos mencionados capítulos da edição original.

"The Portuguese Discoverers", from "The Discoverers", Daniel J. Boorstin, The National Board for the Celebration of Portuguese Discoveries, Lisbon, 1987

Daniel J. Boorstin - antigo director da Biblioteca do Congresso


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

O GRANDE RIO DO SUL

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 10/30/08
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Guadiana em Mértola. In: www.tripadvisor.com
NAQUELE ANO DE 1961 o director do meu departamento, na Faculdade de Ciências, mandou-me acompanhar um seu colega francês, da Universidade de Reims, a realizar trabalho de campo na região de Mértola. Tive, assim, oportunidade de percorrer o Guadiana em alguns dos seus mais belos troços, hoje submersos, e isso encorajou-me a conhecê-lo de outros ângulos que não os da geologia.
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"Dizem que havia um pastor antre Tejo e Odiana, que era perdido de amor per ua moça Joana", escreveu, no século XVI, Bernardim Ribeiro, na Écloga de Jano e Franco.
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Grande rio do sudoeste ibérico, de importância capital na estruturação do território peninsular, o Guadiana foi usado pelos Romanos como divisória entre duas das grandes províncias administrativas do império, a Bética, a oriente, e a Lusitânia, a poente, confrontadas ao longo do troço que hoje corre a jusante do Caia. Rio designado, até ao século VIII, por Ana, os Árabes respeitaram-lhe o nome, antepondo-lhe uadi, que significa rio, o mesmo elemento composicional que nos ficou nas designações de alguns cursos de água no sul do país, como Odeleite, Odemira e outros mais, termo que está igualmente em uso nos uedes do noroeste africano, os vales secos correspondentes aos rios temporários característicos das terras semiáridas do Magrebe.
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Uadiana ou Odiana foi o nome deste importante curso de água, eixo do al Garb al Andalus, expressão que, em árabe, quer dizer o ocidente da Hispânia, ou seja, grosso modo, a Andaluzia, hoje na Espanha, o Alentejo e o Algarve. Odiana sobreviveu à reconquista, no século XIII, e assim se manteve, por mais três centenas de anos, na linguagem dos portugueses. Antre Tejo e Odiana era o nome da grande comarca e da circunscrição administrativa meridionais, ao tempo em que este rio foi fronteira entre os reinos de Portugal e de Leão. Por seu lado, os castelhanos transformaram o uadi, radicado na região ao longo de cinco séculos de ocupação islâmica, em guadi, elemento que ainda hoje compõe o nome de muitos rios do sul de Espanha, como Guadalimar, Guadalupe, Guadojoz e, o mais conhecido de todos, o grande Guadalquivir. Guadiana é, assim, um nome importado que se impôs em virtude da sua posição raiana e que substituiu o antigo Odiana, influência que não se verificou com os nomes Odeleite, Odiáxere e outros com a mesma raiz, correspondentes a rios mais afastados da influência castelhana.
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Desde sempre, como qualquer grande rio, o Guadiana foi pólo de atracção das populações. Os mais antigos testemunhos datam do Paleolítico, representado por abundantes utensílios em pedra lascada jacentes nos seus terraços. Tal atracção percorreu toda a Pré-história e os tempos históricos até aos nossos dias, sendo de assinalar, entre outros, os vestígios da ocupação romana, deixados nas minas de pirite de S. Domingos, a presença islâmica, hoje bem conhecida em Mértola, os vários castelos e praças fortes edificados nas suas margens e cercanias, o porto mineraleiro do Pomarão e as muitas dezenas de açudes construídos no seu leito a fim de lhe represarem as águas e, com isso, mover as respectivas azenhas.
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Na continuidade da relação do Homem com a terra, temos hoje a barragem de Alqueva, obra imensa que representa, para muitos, o mais recente e talvez o mais grandioso e esperançoso abraço entre o Alentejo e o grande rio. Assim os inconfessáveis interesses de alguns não estraguem as esperanças desses muitos.

SALAZAR, O ABANDONO

SALAZAR, O ABANDONO

via Os Veencidos Da Vida by Lory Boy on 2/21/08
«Hão-de dizer muito mal de mim. É por isso que eu dou importância à publicação dos livros brancos: explicarão como se defenderam os direitos portugueses, e o cuidado e o pormenor com que isso se fez.»

Por entre o rol dos discursos de Salazar, existe uma página particularmente significativa no que se refere à sua capacidade de prever o futuro. Foi escrita em 1958, quando já trinta anos tinham corrido sobre o momento em que tomara conta da pasta das Finanças para não mais deixar o governo do País. Mas poderia tê-lo sido hoje, tão actual e lúcida se revela no julgamento dos homens e no abandono a que a história o havia de condenar post mortem.
Refiro-me ao seu discurso de 1 de Julho de 1958.
Como é sabido, Salazar nunca improvisou o pensamento ou a palavra.
Meditava, concebia, compunha em silêncio, e lia depois em público o que havia elaborado na intimidade do seu gabinete. De onde o rigor terminológico e doutrinário das suas intervenções, e também da peça que nos importa reter aqui.

Naquele texto, após aludir ao problema da longevidade dos governantes e considerar que a questão se colocava em Portugal relativamente a si próprio, o então Chefe do Govemo rematava com duas importantes passagens do Novo Testamento, ambas extraídas da paixão de Cristo: o abandono do Mestre e a traição de S. Pedro. "Muito desejara eu que todos os que são guindados às culminâncias das honrarias e do poder e o julgam sua pertença e direito, ou alguma vez gozaram dos favores da multidão, meditassem um pouco a paixão de Cristo como é descrita em qualquer dos Evangelhos. Há sobretudo dois pontos dignos de reparo." O primeiro – escreve – é o que se refere à apoteose, ao verdadeiro triunfo popular de Cristo aquando da sua entrada em Jerusalém, no domingo de Ramos, e à sua desgraça escassos dias depois, entregue que foi a uma morte desonrosa na cruz. "Em quatro dias – anota Salazar -, que tantos são os que vão de domingo a quinta-feira, secaram as flores, murcharam as palmas e os louros, calaram-se os hossanas e os vivas e até as gentes miraculadas não consta que tornassem a aparecer."

O segundo passo digno de registo diz respeito a S. Pedro, caput dos Apóstolos, clara "emanação da natureza", homem "aberto, simples, leal, firme na amizade como uma rocha", sobre quem o Mestre quis edificar a sua igreja. Suspeito na noite mesma da detenção do Senhor de fazer parte da sua gente, havia de negar três vezes que o conhecia, num gesto que ficou para sempre como "o protótipo da traição, a traição pura".

E Salazar prossegue: "Ainda se pode admitir que a amizade houvesse diminuído, que a fé se entibiasse, que o futuro se deparasse incerto quanto à aceitação da nova doutrina. Mas o conhecimento pessoal do Mestre, esse era um facto incontroverso." E por isso Cristo há-de ter sentido uma "tristeza infinita", a tristeza que inunda "uma alma acusada sem provas e condenada inocente."

Temos aqui, por conseguinte, num único fragmento de texto, duas faces da mesma moeda: o abandono e a traição.
Duas fortes, irredutíveis realidades. Qual o significado delas? Qual a oportunidade do seu emprego naquela conjuntura?
Pode afirmar-se, sem margem para erro, que o tema da deslealdade humana vinha ocupando o espírito de Salazar desde há muito. Revela-o, quanto à inconstância das multidões, uma entrevista concedida a António Ferro em plena época carismática, na qual, respondendo a uma pergunta do jornalista sobre porque é que não era mais acessível à multidões que o vitoriavam, Salazar afirmava não poder adular o povo sem ir contra a sua consciência e que o Estado Novo, sendo embora um regime popular, não era todavia um governo de massas.

Revela-o de igual modo uma frase dita a Christine Garnier acerca da volubilidade da opinião pública: "Os que desejam aplaudir-me hoje hesitariam em desviar-se de mim se outra paixão se apoderasse deles?"
Político hábil, bom conhecedor da natureza humana, educado à sombra dos moralistas de outrora – um António Vieira, um Heitor Pinto, um Manuel Bernardes –, Salazar sabia que, valendo as coisas na proporção do que custam e exigindo os grandes ideais grandes renúncias, a lealdade era na vida planta frágil. Lealdade a tudo quanto fosse relevante: um princípio, uma crença, uma instituição, uma pessoa. Lealdade, em última análise, à própria consciência subjectiva, que consiste em descer o indivíduo ao fundo de si mesmo para ouvir a sua voz interior e ordenar-se por ela.

Sabia, por isso, que são muito mais abundantes no mundo os homens de meios que os homens de princípios, os homens de interesses que os homens de ideais, os homens de ocasiões que os homens de convicções.

A grande maioria dos cidadãos serve, com efeito, o poder onde quer que ele esteja, e os poderosos onde quer que os encontre.
Até o próprio S. Pedro.
A atitude de Pedro ilustra uma constante da conduta humana, que é a fuga nos momentos de risco. Se o apóstolo veio a arrepender-se depois e a arrostar pela vida fora com as maiores provações, aquilo que o distingue do ser mediano não é a queda in se, a traição, a infidelidade, mas justamente o contrário – o arrependimento, a contrição.
Ora, a exemplo de todos os bons governantes, Salazar não ignorava esta lei da vida. Sendo os homens como são, sabia que tão logo abandonasse o governo, mediante renúncia, incapacidade ou morte política, alguns dos amigos da véspera, dos colaboradores, dos seguidores, dos aduladores, agindo com reserva mental, ficariam dispostos a colaborar com o novo Príncipe.

Simplesmente, observa-se aqui um fenómeno curioso: à medida que ele próprio se ia pombalizando (no dito de espírito de Afonso Lopes Vieira), à medida que o poder, pela passagem do tempo, se lhe ia convertendo numa segunda natureza, mais a questão da deslealdade humana parecia cativá-lo. É o que induzem os factos, independentemente do juízo que deles se faça.
Senão vejamos.
Em 1958 aborda e espiritualiza o tema no citado discurso de 1 de Julho.
Na década de 60 várias vezes o retoma. Assim, a Pedro Theotonio Pereira afirma que não vai deixar memórias mas que as escrevesse ele e contasse a verdade, relatando o que tinha visto e ouvido.
A Franco Nogueira comenta, num prognóstico claro: "Cheguei ao fim. Os que vierem depois, vão fazer diferente ou vão fazer o contrário e contra mim."

Significativo é também o episódio da inauguração da ponte sobre o Tejo, ocorrido em 1966. Salazar efectua uma visita prévia à ponte com Arantes e Oliveira e vê o seu nome implantado em letras de bronze nos respectivos padrões. Pergunta ao ministro: "As letras estão fundidas no bronze ou simplesmente aparafusadas?". Porquê? "É que se estão fundidas no bloco de bronze vão dar muito mais trabalho a arrancar." E, na sequência, explica aos presentes: a ponte ficou com o nome Salazar por insistência do Presidente da República mas isso "é um erro": "os nomes de políticos só devem ser dados a monumentos e obras públicas cem ou duzentos anos depois da sua morte. Salvo os casos de Chefes do Estado, sobretudo se estes forem reis, porque então se está a consagrar um símbolo da Nação." Após o que vaticina, apontando com o indicador: "O meu nome ainda há-de ser retirado da ponte. Por causa do que agora se fez, os senhores vão ter problemas."

Gonçalo Sampaio e Mello
Jurista
Excerto do Texto Públicado na Revista Magazine Grande Informação

(Mas que belo texto Senhor Professor!)

O abandono de Salazar

via Os Veencidos Da Vida by Lory Boy on 10/28/08
Ao Prof. Gonçalo Sampaio e Mello

Postei aqui, um dia, parte de um dos mais belos - e consequentemente um dos meus preferidos - artigos que li sobre Salazar.
Hoje publico a continuação.

O texto é maravilhoso, uma obra de arte. Não lhe fico indiferente.
Primeiramente pelo autor, um dos meus Mestres, a quem, como ensinou e escreveu o Professor Pedro Soares Martinez, devem ser prestadas as devidas homenagens assinalando a divida de gratidão, como discípulo que beneficiou dos seus ensinamentos.

E depois porque o texto está escrito de uma forma magnifica.
Trata-se de um juízo histórico muito real, muito racional, mas ao mesmo tempo muito humano.

O texto (que encontrei num jornal comemorativo do centenário do nascimento de Salazar - tem portanto 20 anos!), não traiu as minhas expectativas. Pelo contrário, o Mestre, como que justificando a razão de ter ocupado esse seu lugar, cumpriu e fez aquilo que dele se esperava: surpreendeu.

Resta-me deixa-lo para que também vós o possais apreciar.

(Aqui fica a continuação do texto antes aqui publicado)

Quer isto dizer que renegava a sua obra? Não. Mas contemplando-se a si mesmo, olhando em redor, conhecendo a terra e o meio sobre que governara durante 40 anos, Salazar havia previsto o seu fim e a sentença da História. E tinha razão.
Ter razão é, no juízo mais simples que se conhece, ver as coisas não como parecem, mas como elas são na realidade
Penetrá-las fundamente ab imo pectore. Salazar teve, pois, razão ao prever, por gestos, palavras e atitudes, o seu abandono e fê-lo como Chateaubriand, para além-túmulo.
Mas ocorre perguntar agora: teria previsto o grau, a latitude desse abandono?
É sabido que nas épocas de ruptura da História de Portugal, muitos são os que desertam do lugar onde se encontram e passam para o campo dos vencedores. Em regra, a grande maioria adapta-se ao novo tempo e dos homens públicos, como do povo, parece precária a lealdade. Mas é certo também que os chefes, em Portugal, mesmo depois de cair, sempre tiveram partidários. Poucos, talvez — mas ilustres. (...)

Mas, é lícito sabê-lo: e Salazar? Quem são, quais são os partidários de Salazar?
Tendo orientado os destinos da nação por quatro décadas, entre 19(28) e 1968, reunido à sua volta figuras eminentes da política, da economia, da ciência, da sociedade, da cultura, conseguindo obter, enquanto vivo, o apoio de grande parte do País, lutando galhardamente até ao fim por uma obra colectiva que o transcendia, recusando para Portugal, o papel de mordomo de interesses estrangeiros — Salazar deixou atrás de si uma herança que pode ser contestada mas não ignorada. Uma herança política, doutrinária e moral.
Mas se existe herança — onde estarão os herdeiros?
Difícil é dizê-lo.
O tempo próximo diluiu a memória das coisas, um véu cobriu a vida pública e entre os amigos, os companheiros, os correligionários, os seguidores, os aduladores, os muitos que andaram pêlos labirintos do Estado Novo, ninguém aparece, com efeito a reclamá-la.

Homens que exerceram funções de governo, que ocuparam cargos de responsabilidade, que serviram na administração pública, no Exército, na diplomacia, na magistratura, no parlamento, na câmara corporativa — desapareceram: calando uns, traindo outros, dissimulando quase todos, numa deserção dir-se-ia que completa, num oportunismo político generalizado. Um houve que guardou silêncio prudente, à espera de ganhar trinta dinheiros: outro negou o que afirmava, passando a afirmar o que negava; outro ainda, político até à medula, correu a louvar os poderosos ou a inscrever-se num partido qualquer, desde que viável; e apareceu até quem, senhor de boa memória, quisesse reviver a fábula de Pedro sobre o burro que, um dia, vendo o leão, rei dos animais, já moribundo, — por ele passou ostensivamente e lhe deu um coice.
De súbito, havia-se feito para surpresa geral, uma descoberta: ninguém tinha afinidade política ou espiritual com Salazar, ninguém tinha «mentalidade de herdeiro», e portanto a herança estava jacente. Bem puderam a calúnia, a má-fé e a vesga paixão ideológica deformar à vontade episódios, ideias e figuras, que, em verdade, ninguém contestou fosse o que fosse ou mandou ad rem quem o fazia. Importava era perder os anéis, para conservar os dedos.
Mas, perguntar-se-á: não houve excepções à regra? Não houve quem tivesse ficado no seu posto?
Com obra notória, de vulto, houve uma, com efeito: a de Franco Nogueira — homem que não era, aliás, nem nunca fora, do regime, tendo apenas servido o País, patrioticamente, numa conjuntura internacional extremamente desfavorável. E outras haveria, por certo. Mas quantas? Quais?
Salazar, escrevendo além-túmulo, tinha razão. Neste reino de vira-casacas e novos-ricos da soberania que é o Portugal de hoje, o que mais importa é ainda meditar na atitude de Pedro e na paixão de Cristo. Elas permitem, entre outras coisas, recordar a cada homem uma grande verdade: que ele não passa de uma hora na história e tudo é efémero sobre a terra. Que, portanto, de pouco lhe vale ser trânsfuga. Salazar estava certo. Velhas mas proféticas palavras.


Gonçalo Sampaio e Mello
in Dossier Semanário, 27 de Abril de 1989

The Portuguese Discoverers (IV)

The Portuguese Discoverers (IV)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 10/30/08

Contra versões menos correctas sobre a essência e significado dos descobrimentos, a historiografia contemporânea reconhece hoje as grandes verdades implícitas no carácter prioritário e original da expansão portuguesa. A ciência náutica e a história documental mostram o papel decisivo que Portugal desempenhou na abertura de novos mundos. Nos últimos anos, várias obras se têm consagrado, no país e no estrangeiro, ao estudo da problemática dos descobrimentos. Mas nenhuma parece ter obtido maior audiência que o livro The Discoverers (Nova Iorque – Toronto, 1983), da autoria do Professor Daniel J. Boorstin, antigo director da Biblioteca do Congresso.

"The Portuguese Discoverers", from "The Discoverers", Daniel J. Boorstin, The National Board for the Celebration of Portuguese Discoveries, Lisbon, 1987

Daniel J. Boorstin - antigo director da Biblioteca do Congresso

The Portuguese Discoverers (III)

The Portuguese Discoverers (III)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 10/29/08

As viagens portuguesas permitiram a abertura de novas rotas, o aproveitamento de novas terras e o contacto com novas civilizações. Tendo de início a orientação do Infante D. Henrique (1394-1460), que a História celebrizou como o Príncipe Navegador, os descobrimentos tiveram depois no Rei D. João II (1455-1495) o homem de pensamento superior que deu à empresa uma expressão universal. Mas o empreendimento contou também com o esforço dos homens do mar – capitães, pilotos, roteiristas, artífices e cartógrafos –, que sentiram a empresa como um imperativo nacional. Na identificação do poder soberano e da vontade colectiva, os descobrimentos assumiram-se em Portugal como a voz de uma comunidade que tinha consciência de um grande ideal.

"The Portuguese Discoverers", from "The Discoverers", Daniel J. Boorstin, The National Board for the Celebration of Portuguese Discoveries, Lisbon, 1987

Daniel J. Boorstin - antigo director da Biblioteca do Congresso

The Portuguese Discoverers (II)

The Portuguese Discoverers (II)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 10/28/08

Os descobrimentos quatrocentistas deveram-se, na sua primeira fase, à acção dos portugueses. Mais do que a aventura de uma pequena Nação, que deixou o espaço ibérico para enfrentar o desconhecido, as viagens marítimas surgem como a mensagem da Europa latina e cristã transplantada para outros mares e continentes. Se outras nações seguiram depois a rota dos oceanos – Castela ainda no século XV, a Inglaterra, a França e a Holanda no século XVI –, deveram-no ao esforço prioritário dos portugueses. Foram os meios técnicos e a experiência marítima destes que abriram as condições pioneiras para fazer dos descobrimentos uma epopeia universal.

"The Portuguese Discoverers", from "The Discoverers", Daniel J. Boorstin, The National Board for the Celebration of Portuguese Discoveries, Lisbon, 1987

Daniel J. Boorstin - antigo director da Biblioteca do Congresso

The Portuguese Discoverers (I)

via Carreira da Índia by Leonel Vicente on 10/27/08

Nota Prévia

É uma verdade reconhecida que os descobrimentos marítimos do século XV foram o grande pórtico da Idade Moderna. A penetração no Oceano Atlântico, começada ao redor de 1420, permitiu a exploração da costa africana que terminou com a chegada de Bartolomeu Dias ao Cabo da Boa Esperança (1488). Em tentativas que decorrem nesse intervalo, descobriram-se os arquipélagos da Madeira, Açores, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe, além de mais ilhas sonhadas pela imaginação do tempo. A busca de terras nas direcções Norte e Oeste, "para além da grandeza do mar Oceano" foi outro objectivo dos navegadores que traziam com eles a ânsia de dilatar o Cosmos. Esse longo processo culminou em três momentos decisivos da história universal: a chegada de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo (1492); a ligação directa entre Portugal e o Oriente, efectuada por Vasco da Gama (1498); e o achamento por Pedro Álvares Cabral da terra que veio a ser o Brasil (1500).

"The Portuguese Discoverers", from "The Discoverers", Daniel J. Boorstin, The National Board for the Celebration of Portuguese Discoveries, Lisbon, 1987

Daniel J. Boorstin - antigo director da Biblioteca do Congresso

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Tarrafal - O «período agudo»

Tarrafal - O «período agudo»

via Caminhos da Memória by Caminhos da Memória on 10/28/08
Em Agosto de 1937, depois de uma tentativa frustrada de fuga por parte de um grupo de prisioneiros, estes foram forçados a cavar uma vala em volta do campo, que garantisse maiores condições de segurança e matasse à nascença quaisquer ilusões de sucesso em novas tentativas de evasão. É a este acontecimento que Edmundo Pedro [...]

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Salazar o republicano

Salazar o republicano

via Centenário da República by libnitz@hotmail.com (Rui Monteiro) on 10/1/08


Oliveira Salazar conseguiu alimentar durante muito tempo a lenda dos seus sentimentos monárquicos. O conhecimento que hoje temos dos seusescritos de juventude, a observação cuidada dos acontecimentos políticos da época e o conteúdo da correspondência entre Salazar e Caetano, revelam que o seu alegado "monarquismo" se inseriu num habilidoso jogo político através do qual Salazar conseguiu obter o apoio de alguns monárquicos para sustentar o seu "Estado Novo" [2] .
O seu anti-monarquismo começou a revelar-se dentro do Centro Católico, quando, no seu Congresso de 1922, vinga a tese de Salazar de que o Centro deveria aceitar o regime republicano "sem pensamento reservado". Monárquicos católicos, com destaque, entre outros, para Fernando de Sousa (Nemo), Alberto Pinheiro Torres, Pacheco de Amorim, abandonaram então o Centro Católico.
Ao chegar ao poder, no discurso que proferiu em 9 de Junho de 1928, a solução do "problema político" do regime (Monarquia ou República) surgia ainda em último lugar nas suas prioridades. Uma resolução tomada dois anos depois, porém, revelava a grande distância que ia entre as suas palavras e os seus actos. Após a falhada Monarquia do Norte, em 1919, umas centenas de oficiais do exército foram afastados do serviço ou demitidos, quando dominava a cena política o Partido Democrático de Afonso Costa. Mais tarde, o governo de António Maria da Silva, para amainar os animos já muito exaltados contra a 1ª República, apresentou no Parlamento e no Senado um projecto visando a reintegração no serviço activo daqueles oficiais. O golpe militar de 28 de Maio de 1926 interrompeu o processo, mas, em 1930, o tenente-coronel Adriano Strecht de Vasconcelos apresentou ao presidente Carmona um documento intitulado "A Situação Jurídica dos militares afastados do serviço do Exército em 1919″, pedindo justiça. Oliveira Salazar reagiu impedindo a reintegração daqueles oficiais monárquicos.
Na sequência da morte de D. Manuel II, em 2 de Julho de 1932, a ilusão do "monarquismo" de Salazar caiu por completo quando o seu Governo se apropriou dos bens da Casa de Bragança instituindo a Fundação da Casa de Bragança. A derradeira prova de que Salazar não queria a Monarquia deu-se em 1951 no Congresso da União Nacional, em Coimbra. Em discurso encomendado por Salazar, Marcello Caetano vem a travar naquele congresso as teses da Restauração da Monarquia [3].
Fonte :http://portuga-coruche.blogs.sapo.pt/tag/estado


... quem quer ter "fé" que acredite na República....

... quem quer ter "fé" que acredite na República....

via Centenário da República by joaoamorimblogge@gmail.com (João Amorim) on 10/24/08

"O catolicismo não tem sido nem é capaz de ser amigo do povo. Mal dêste, se dêle confiasse a resolução do problema essencial da sua existencia. Seria um atraso na vida coletiva, só comparável a um cataclismo que fizesse voar em estilhas o orbe terraqueo!"

Afonso Costa, conferência na Imprensa Nacional de Lisboa, 1914

Uma audácia...

Uma audácia...

via Centenário da República by joaoamorimblogge@gmail.com (João Amorim) on 10/22/08

"Falei então ao sr. de Almeida sobre a visita às prisões e Lisboa. Foi motivo para que ele verberasse, uma vez mais, os processos do sr. Afonso Costa.
– Contra estes processos, disse-me, já eu protestei na Camara e não cesso de protestar, tanto no meu jornal como nas assembleias publicas. (...) Comtudo não posso admitir que qualquer individo suspeito de preferencias pelo monarquismo seja preso pela mais arbitraria das formas e acho perfeitamente intoleravel que os presos estejam, até ser julgados, numa longa detenção preventiva – e as mais das vezes ainda em que escandalosas condições! Repito o que já disse este regime que não tem nada de republicano, que é a propria negação de Republica, não pode continuar durando. E é que não durará. Dê lá por onde dér, e no intuito de lhe por côbro, empregarei toda a minha energia...
– Quando ia retirar-me perguntei ao sr. de Almeida se julgava possivel uma restauração monarquica.
– No estado de anarquia em que nos debatemos pode vingar um golpe de audácia.
(...) "

Jornal "República". Entrevista a António José de Almeida, 4 de Novembro de 1913.

E no estado de anarquia em que nos debatemos fará sentido que Comemoração?
Isso é que é uma audácia!

Definição de Fascismo - Autobiografia de Mussolini

Fascismo - Wikipédia, a enciclopédia livre:

"Em 1928, na 'Autobiografia' ditada a Richard Washburn Child, Mussolini disse que estudou muito o risorgimento e o desenvolvimento da vida intelectual italiana depois de 1870, que 'meditou muito com os pensadores alemães', que admirava os franceses, e que um dos livros que mais o tinha interessado fora A Psicologia das Multidões de Gustave Le Bon. Colocando-se o problema da Revolução, Mussolini rejeitava o bolchevismo, e que, a ser realizada uma Revolução em Itália, esta deveria ser 'tipicamente italiana', firmando-se 'nas dimensões magnificentes das ideias de Mazzini e com o espírito de Carlo Pisacane' [2]"

domingo, 26 de outubro de 2008

Um Caso Triste!

Foram a leilão no passado dia 25 de Outubro:
«... conjunto de 15 cartas e seis bilhetes, até agora desconhecidos do público, vai a leilão no dia 25, no Hotel Fénix, às 15.00, por iniciativa de Nuno Gonçalves, leiloeiro e livreiro.»

Do teor destas cartas ressalta a profunda ingratidão para com o Prof. Marcelo Caetano e o Dr. Salazar do assistente de Marcelo Caetano e antigo líder do CDS, Prof. Diogo Freitas do Amaral.
Que tratado de psicologia e de sociologia se poderia elaborar com exemplos destes!? perante acontecimentos adversos, algumas pessoas trocam de personalidade como quem troca de camisa. É triste, muito triste!...
Rui Moio


Um Caso Triste!
via Os Veencidos Da Vida by Lory Boy on 10/22/08
"A quem como discipulo beneficiou dos ensinamentos do Mestre cumpre assinalar o luto e a divida de gratidão."
Pedro Soares Martinez

O Desabafo...
Marcello Caetano
Presidente do Conselho de Ministros entre 1968 e 1974, sucessor de Salazar; Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, é considerado o pai da escola Administrativista Portuguesa. É um dos maiores juristas da história do Direito Português, e o melhor no campo do Direito Administrativo.

"O Diogo era devoto de Salazar, amigo do presidente Tomás, de quem um tio era ajudante, ao ponto de ir preparar os seus exames para o Palácio de Belém! A revolução dos cravos foi sobretudo a derrocada do carácter dos portugueses. Que homem!"
(...)
"Não sei o que pensas a respeito do CDS - para mim tem sido um desapontamento, como para a maioria das pessoas minhas conhecidas que a princípio acreditaram nele. E as atitudes do meu antigo discípulo - assistente Diogo do Amaral - na política e em relação a mim foram um dos maiores desgostos que neste período sofri"
(Carta de 13 de Abril de 1977)

"na verdade, no desgraçado panorama da política portuguesa actual, não há melhor"(que o CDS)
(...)
"Quanto ao CDS, compreendo muito bem a tua posição (...). As minhas razões de desconsolo com o partido e de indignação com o presidente são pessoais. E infelizmente justificadíssimas. No ano passado estive muito mal de saúde com o desgosto que me deu o sr. Diogo do Amaral. Mas isso é coisa minha e vocês têm de se agarrar ao que houver de menos mau."
(Carta de 28 de Abril de 1977)

"O que me impressiona no panorama político português actual é não ver ninguém com qualidades morais de liderança do País e sobretudo da chamada direita. Infelizmente conheço muito bem os Kaúlzas e os Adrianos Moreiras que tudo sacrificam à ambição do mando e tive um enorme desapontamento com o Diogo do Amaral. Do Galvão de Melo, simpatiquíssimo desmiolado que durante anos conheci fiel sustentáculo do salazarismo, nem se fala."
(Carta de 25 de Maio de 1977)

"Cá cou passando menos mal, assombrado(embora não surpreendido)com o espectáculo da democracia portuguesa. O Tal Soares deveria escrever um livro intitulado 'Como se Destrói um País'"
(Carta não identificada pelo DN)


...e a resposta (do visado).
Diogo Freitas do Amaral
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especialista em Direito Administrativo, foi largos anos assistente de Marcello Caetano no período de regência deste da disciplina de Direito Administrativo. Considerado como sucessor de Marcello Caetano, é ainda hoje o maior especialista vivo de Direito Administrativo em Portugal.

"Considero um grande elogio ser acusado por adversários da democracia em ter contribuído para a consolidar, em Portugal, em vez de, como pretendiam, ter alinhado nos golpismos de direita, que foram tentados em 1974/75 e nos quais sempre recusei colaborar"
(...)
"Pelo relato que me foi feito, as figuras políticas mais atacadas nessas cartas são as do Dr. Mário Soares e a minha própria, ao mesmo tempo que os nomes mais elogiados como sendo capazes de fazer regressar, por via militar, Portugal ao regime da Constituição de 1933 são os generais António de Spínola, Galvão de Mello e Kaúlza de Arriaga"
(...)
"Não lhe levo a mal porque estava profundamente deprimido no seu exílio no Brasil. De resto, sinto-me em muito boa companhia junto do Dr. Mário Soares e considero um grande elogio ser acusado por adversários da democracia em ter contribuído para a consolidar em Portugal"


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Cunha Leal: um retrato de Salazar

via Caminhos da Memória by Caminhos da Memória on 10/9/08


Discurso por ocasião da travessia aérea do Atlântico Sul, 1922
(como director do jornal O Século)

Um texto de Fernanda Paraíso (*)

Francisco Pinto da Cunha Leal (1888-1970), que foi reitor da Universidade de Coimbra entre 1924 e 1925, conheceu Salazar quando este era professor de Economia e Finanças em Coimbra.

Três anos depois, quando já interrompidas as suas relações pessoais com o então Ministro das Finanças (1928-1932), Cunha Leal descreve-o nestes termos:

«Bisonho, avesso às fáceis relações com os contemporâneos de escola, naturalmente misógino, refugiado dentro do seu orgulho como um cágado dentro da concha protectora, conservou-se sempre um quase isolado, calcando, implacavelmente, os seus próprios sonhos com o cilindro de uma alma fria, tristemente despida das ilusões fagueiras da mocidade.» (Obra Intangível, pág. 43)

Volvidos mais de trinta anos, Cunha Leal volta a analisar as origens da personalidade de Oliveira Salazar nas suas Memórias, propondo-se: «tentar definir a tessitura espiritual [de Salazar] tal como a minha observação directa me permitiu visioná-la através das nossas relações».

Cunha Leal refere as origens humildes de Oliveira Salazar e a sua educação como factores preponderantes da sua análise, citando o próprio que se define como «integrado no grupo social dos "pobres, filhos de pobres"». Sobre o Seminário de Viseu, que Salazar frequentou entre 1900 e 1908, ou seja, dos 11 aos 19 anos, Cunha Leal recorda que o próprio Salazar afirmava «dever àquela casa grande parte da [sua] educação que doutra forma não faria». Seguidamente, tece algumas considerações sobre o abandono da carreira eclesiástica do jovem Salazar, que confessou ter «perdido a fé em que lá me educaram» e vai terminar o ensino secundário já no Liceu de Viseu, entre 1909 e 1910.

Eis alguns excertos do retrato de Oliveira Salazar, visto por um homem apenas um ano mais velho, e que o conheceu pessoalmente, com alguma intimidade:

«Nascido em 1889 começou a cursar a Universidade de Coimbra com 21 anos e meio de idade, isto é com maturidade espiritual superior à da generalidade dos restantes caloiros. Esta circunstância, aliada à inferiorização material decorrente duma honesta e sadia pobreza, à origem pouco correntia da sua escolaridade, a um ingénito ensimesmamento anímico, a acentuadas dificuldades de expressionismo oratório e à imensidade do orgulho a que são atreitos certos solitários, afastou-o, radicalmente, das doces leviandades da boémia estudantil tradicional e acabou por transformá-lo num ser hipocondríaco e taciturno, aferrado ao estudo como única tábua para navegar num oceano de desconsolo íntimo.»

E mais adiante:

«Confesso o meu pecado ou… a minha virtude. Dos contactos conimbricenses com o Dr. Oliveira Salazar resultou simpatizar com ele. Era um homem hermético [...] meticuloso como professor, exigente, com tendência para a severidade austera [...] Faltava-lhe calor humano e, por isso, confinava a sua actividade docente dentro do conceito dum distanciamento altaneiro entre mestre e discípulos [...] Quando me punha, porém, a reflectir na evolução da sua vida, tratava logo de fazer um sério esforço de compreensão. Que de desconsolos íntimos não viria ele fazendo refluir da zona da consciência para as geenas do subconsciente! A vida é fácil e, frequentemente, doce para os favorecidos da fortuna, mas é de extrema dureza para quantos, apesar da sua pobreza, anseiem por trepar na escala social, sem, contudo, renegarem a sua origem, antes orgulhando-se dela. Se, ao longo da trajectória de certas criaturas de Deus, se não proporciona aos seus organismos, pletóricos de energia física e espiritual, a alternância do cumprimento dos deveres, mais modestos do que gratos, com gozos por vezes simples, como a contemplação embevecida dos sublimes encantos de que a natureza é pródiga, a par de outros de valor moral mais complexo, como os derivados das ferroadas do sexo e do amor e de tantas outras expansões cuja necessidade desabrocha espontaneamente, [...] então não é de estranhar que a melancolia se aposse delas. E, quando a auto convicção do seu valor intrínseco refine com a educação e o consequente ascenso cultural, é de crer que se gere na alma de tais pessoas um ressentimento que, em regra, descambará em neurastenia quando se vejam privadas, por mor da conjugação da penúria material com a timidez, de satisfações e honras sociais. E esse estado temperamental virá a descambar em tirania se, um dia, na roleta do Destino, acertarem no número que, inesperadamente os sagre como vencedores omnipotentes».

Cunha Leal, As Minhas Memórias, Coisas dos Tempos Idos, volume III, Lisboa, 1968 (págs. 169-175)

(*) Biografia de Fernanda Paraíso