segunda-feira, 31 de agosto de 2009

IMPUNIDADE - PODER A QUANTO OBRIGAS

via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR de Jose Martins em 30/08/09


Três detenções referidas na imprensa australiana:
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Polícia timorense usa força contra activistas que pedem "fim à impunidade "PÚBLICO - 30.08.2009 - 18h15
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Três camiões cheios de polícias timorenses apareceram hoje num parque de Díli para acabar com uma conferência de imprensa em que activistas pediam "fim à impunidade", relata o enviado do jornal australiano "The Age".
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Os activistas pediam em cartazes que as Nações Unidas interviessem para acabar com a impunidade em Timor-Leste, tendo três deles sido levados do local pela polícia, segundo contou ao repórter Jefferson Lee, um activista ido de Sydney.
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Pouco antes deste incidente, o Presidente José Ramos-Horta defendera "que o passado seja deixado para trás" e que não haja qualquer Tribunal Internacional para julgar os crimes cometidos durante os 24 anos de ocupação indonésia, incluindo por altura do referendo de há 10 anos, sob o desejo dos timorenses serem independentes.
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"Discordo da asserção simplista de que a ausência de justiça prossecutória alimenta a impunidade e a violência", disse o Chefe de Estado, que para além de uma série de outros exemplos perguntou se "houve um Tribunal Internacional para julgar o regime de Salazar por 50 anos de abusos e pelas guerras coloniais em África".
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* Título TLN
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ESPERANÇA
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À MARGEM: De facto, em tempo, de quando o Dr. Ramos Horta lutava pela autodeteminação do Povo de Timor-Leste, tive grande admiração pelo laureado com o Prémio Novel da Paz (1996), mas com o correr do tempo e de sua actividade política, o encanto esfumou-se.
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Ora o Dr. Ramos Horta, foi tudo na vida: escritor, jornalistas, orador e mais o que as circunstância, de momento, se lhe ofereciam.
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Não sei aonde o Dr. Horta quer chegar quando designa o Tribunal Internacional para julgar os crimes de guerra, colonial, do regime de Salazar, em África.
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O Dr. Horta bem sabe e eu sei onde quer chegar (recebeu "benesses" e uns "trocos" do Presidente Samora Machel) que a guerra colonial foi imposta e as forças militares do regime de Salazar teriam que travar a matança de brancos, mulatos, pretos e de outras etnias que viviam nesses territórios, ultramarinos, onde a bandeira das quinas flutuava havia séculos.
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O Dr. Horta não pretende um Tribunal Internacional para julgar os crimes que as tropas da Indonésia praticaram em Timor-leste, durante a ocupação.
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Faz me lembrar a mesma acção do Rei Norodom Sihanouk, quando foi entronizado, depois da paz chegar ao Camboja que o passado deveria ser esquecido.
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Pois me parece que isso mesmo que o Dr. Ramos Horta pretende, para não humilhar a Indonésia.
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Evidentemente que os 200 milhões de indonésios, não são os culpados dos "massacres" e a morte de mais de 200 mil timorenses, mas aqueles que foram os responsáveis pelos crimes.
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Me parece que o Dr. Horta, vive o momento do Poder de chefia e nas tintas para a memória daqueles que foram mortos, inocentemente e carne para as balas.
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É que aqueles que lutam (seriamente ou ficticiamente fora do terreno) pela independência de um povo, também facturam com a morte dos mártires e deles fazem pau de bandeira.
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Não vou adiantar mais e fico por aqui.
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A história há-de julgar o Dr. Ramos Horta se bom, se digno do Prémio Nobel da Paz, ou se vive os momentos do clima da estação.
De Banguecoque
José Martins

Um magnífico texto de Paulo Varela Gomes no jornal PÚBLICO

via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR de Jose Martins em 30/08/09
Não deixe de ler o texto transcrito a seguir.
Adeus Goa

Cartas de cá


Ah sim, são tão ridículos aí, vocês e o vosso futebol, a vossa política de anedota que mete pena a toda a gente, o vosso falhanço quotidiano, a vossa incapacidade de ser alguma coisa que não simpáticos, o desprezo condescendente com que olham para vós, tão pequeninos e tão tristes nesse ridículo rectângulo de economia falida, sociedade amarga, cultura de empréstimo, entregue a esse ridículo destino de pertencer a essa União de falhados.
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Eu, enquanto aqui estive, sentime distante desse pântano em que Portugal só existe para campeonatos de futebol. Eu, aqui, fui português.Não fui, como vós aí, a lembrança apagada de um passado que não merecem, de uma história que não reconhecem, de um presente que aceitam como carneiros.
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Eu, aqui, estive com gente que me recorda que podíamos ser outra coisa, que eu (e vocês aí) podíamos ser outra coisa, que Portugal podia ser alguma coisa em vez do último da União, essa porcaria em que vocês vivem e me envergonha.
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Sei que é assim porque de cada vez que um jovem português vem a Goa e aqui presta atenção diz-me que nós, os mais velhos, lhe roubámos a história e lhe legámos um país ridículo e não o país para que os de cá olham, o país que foi.
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Aqui em Goa há quem pense que não somos um país ridículo, há quem pense em nós e pense em séculos. Pergunto: há mais alguém que pense em nós assim? No mundo inteiro? A quem deve Portugal a sua existência no mapa simbólico do mundo? Porque é que, no mundo inteiro, nos conhecem? Não é por causa do futebol.
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Não é sequer por causa do Brasil. É por causa da Índia. Devemos à Índia a nossa existência simbólica. A nossa principal obrigação colectiva não é para com essa União. Não é para com nada nem ninguém antes de ser para com os portugueses e amigos de Portugal que deixámos na Índia.
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Devemos-lhes tudo. Em particular, devemos-lhes a única, última, maior razão que temos para nos respeitarmos a nós próprios: graças a eles, houve um tempo em que existimos.Adeus Goa (e Damão, e Diu, e Cochim, e Baçaim...). Muito obrigado. Não te merecemos. Peço desculpa em nome de todos os meus compatriotas e dos meus governantes que te abandonam ou te esquecem por causa do mais desprezível dos valores, o realismo.
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Para te merecer, deveríamos fazer muito mais pelo ensino do português na tua terra, muito mais pela tua literatura, a tua arte, a tua música, a tua gente, devíamos tratar-te como a jóia da nossa coroa. Peço-te desculpa pela nossa fraqueza.E saúdo-te em nome de todos os nossos que te amam.
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Não somos muitos, cidadãos de todos os dias, algumas fundações, alguns esforçados funcionários do Instituto Camões, alguns diplomatas amorosos de ti. Mas é em nome de nós que te escrevo, estes que não te esquecem, te querem mais do que tu te queres a ti própria, te respeitam mais do que tu te respeitas a ti própria, os que não desistem de ti.
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Não para reclamar a tua posse mas para, em ti, recuperarmos a grandeza que nos escapou um dia, sabe-se lá porquê.
Paulo Varela Gomes
Posted by heitor at 10:34 AM

NÃO ME IMPORTA DE SER PRESO...!!! (João Ferreira Rosa)

via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR de Jose Martins em 29/08/09


Ainda os rapazes do site '31 da Armada' não eram nascidos – e já o fadista João Ferreira Rosa hasteava todos os dias a bandeira azul e branca no mastro de sua casa. "O Diabo" foi ouvir um dos mais destacados defensores da Monarquia em Portugal.
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"O Diabo" – A Monarquia é fácil de explicar ao povo, 99 anos depois da instauração da República?
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João Ferreira Rosa – Facílima. Há doutores que podem fazê-lo com grandes tratados. Mas sabe quem pode explicá-la melhor? Os portugueses (e são mais de um milhão) que vivem e trabalham nos países onde há Monarquia: na Holanda, no Canadá, na Austrália, na Suécia, na Inglaterra, no Luxemburgo, em Espanha, na Bélgica. Só que esses não passam na televisão. Dantes havia uma censura, agora parece que cada qual tem a sua…
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"O Diabo" – Porque é que é monárquico?
J.F.R. – Não quero ter um Chefe de Estado eleito. O Rei não é de facção nenhuma nem lhe sobe a importância à cabeça: é importante desde que nasce e representa todos. O Rei é o chefe natural da nossa família comum.
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"O Diabo" – Acha que os monárquicos têm conseguido "fazer passar a mensagem"?
J.F.R. – Há por aí alguns condes e viscondes, falsos monárquicos, que dizem que o povo não está preparado. O único que está preparado é o povo. O povo está preparadíssimo! Eles é que não querem Rei. São uns snobs. Acham que ser monárquico é ser nobre. Nobre? Mas querem gente mais nobre do que o povo? A esses condes e viscondes, o Senhor D. Carlos não dava confiança. Queixavam-se de que o Rei não tinha Corte! Pois não: a Corte do Rei era o povo! Ele ia para Vila Viçosa e era com o povo que queria estar.
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"O Diabo" – Quais são as desvantagens de um Presidente eleito?
J.F.R. – Desde logo, só se pode concorrer à Presidência apoiado por muito, muito dinheiro e um partido político. Portanto, ganha quem tem mais dinheiro e representa uma facção. Sabendo como a República foi feita, só uma pessoa desonesta pode querer candidatar-se a Presidente. A República foi feita por meia-dúzia de traidores, assassinos e ladrões. Quando assassinaram o Senhor D. Carlos e o Príncipe, em 1908, até os republicanos franceses disseram: 'Mataram o Rei mais culto da Europa'. No dia 5 de Outubro, aquela Câmara Municipal de Lisboa, onde agora estes rapazes hastearam a bandeira nacional, era uma galeria de gente horrível. O José Relvas e todos os outros. Uns criminosos. Mataram gente. Não eles, pessoalmente: mandaram a Carbonária. São figuras sinistras. A instauração da República é um filme de terror. Por isso nunca a referendaram. Nenhum país no mundo tem uma ditadura com 100 anos, como nós temos. E não se pode dizer isto. Ninguém me convida para ir à televisão dizer isto. E quando me convidam para cantar, querem sempre que cante 'O Embuçado' e umas coisas inocentes. É tenebroso. Ainda no outro dia me fizeram uma entrevista para uma televisão e estiveram a gravar mais de uma hora. Eu só lhes dizia: 'Mas para quê gravar tanto tempo, se não vai sair nada do que eu estou a dizer?'. Claro: saíram três frasesinhas, a respeito de Fado…
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"O Diabo" – Portugal tinha uma boa Monarquia?
J.F.R. – Tinha uma Monarquia exemplar, comparada com as outras. Ainda há tempos estiveram aqui uns noruegueses e disseram a quem os quis ouvir: 'Vocês, com a História que têm e com os Reis que tiveram, tinham obrigação se ser monárquicos'. A República assenta num lago de sangue. É um crime que nunca foi julgado. Não foi o povo que matou o Rei. Os maiores democratas que nós tínhamos eram o Senhor D. Carlos e a Família Real. O Alfredo Marceneiro contava isso. Ele era operário, nessa altura, vivia em Santa Isabel e assistiu ao 5 de Outubro. Houve um dia um programa de fados na televisão, feito em Pintéus, e gravaram uma conversa minha com o Marceneiro. Como era 5 de Outubro, eu perguntei-lhe: 'Tio Alfredo, o que é que esta data lhe diz?'. E ele respondeu: 'Sim, filho. Eles, primeiro, mataram o Rei e o Príncipe. Em Lisboa, o povo ficou a chorar. Passados dois anos, andaram grupos pelas ruas, aos tiros e aos gritos, a dizer 'não saiam de casa, é uma revolução'. O povo acobardou-se e eles fizeram a República'. E foi mesmo assim. A República foi feita em Lisboa e o resto do País soube pelo telégrafo. O povo não teve nada a ver com isso. E ainda hoje eu vejo muito pouca gente a intitular-se republicana. São raros.
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"O Diabo" – O povo é monárquico?
J.F.R. – Aqui em Alcochete, por exemplo, muito povo é monárquico. Depois do 5 de Outubro, o barco de ligação a Lisboa continuou durante anos a içar a bandeira real. E só acabaram por desistir porque, quando chegavam a Lisboa, tinham a Guarda Republicana em cima deles.
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"O Diabo" – E continuam monárquicos?
J.F.R. – Eu até tenho amigos comunistas monárquicos!
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"O Diabo" – O facto é que vivemos em República…
J.F.R. – Pois se a Constituição nem sequer permite que se ponha em causa o regime! É uma vergonha. E agora, na próxima Assembleia, que terá poderes constituintes, não acredito que tenham a coragem de mudar. O Medina Carreira é que os topa! Esse grande senhor daria um grande conselheiro do Rei de Portugal. Diz as verdades. Só que depois nada acontece. Ele chama-lhes ladrões, chama-lhes tudo, mas eles não têm a coragem de levar o senhor a tribunal. Se isto não levar uma volta, eu não vou morrer cidadão da República Portuguesa. Não há ninguém mais português do que eu. Mas morrer debaixo da bandeira da República, isso não. Mais vale ir morrer longe.
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"O Diabo" – A República vai fazer 100 anos. Que acha que deviam os monárquicos fazer em 2010?
J.F.R. – Devíamos exigir o referendo. A melhor comemoração era fazer-se o referendo sobre o regime no dia 5 de Outubro de 2010. Isso é que era.
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"O Diabo" – Acompanhou os casos dos jovens monárquicos que substituíram a bandeira republicana pela bandeira azul e branca…
J.F.R. – A mim nasceu-me uma alma nova com esta gente. Fiquei orgulhoso. Senti-me recuar aos 20 anos. O que incomoda ainda mais a corja republicana é que são jovens. Porque isto desmente a propaganda republicana de que a Monarquia é uma coisa de velhos. Eu sou monárquico desde que comecei a pensar, desde rapazinho. Sou monárquico por pensamento, não por herança de sangue.
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"O Diabo" – Acha que este caso vai ter consequências?
J.F.R. – É preciso que estes bravos sejam julgados! É preciso fazer coisas, como eles fizeram, para sermos julgados e podermos dizer em tribunal o que se impõe que se diga! É uma infâmia não nos deixarem falar. Eu, com 72 anos, não me importo nada de ser preso como monárquico! Teria o maior orgulho! A República é um crime que continua por julgar.
Publicado e transcrito do: portugalclub@portugalclub.org

"A República foi feita por meia-dúzia de traidores, assassinos e ladrões"

via Centenário da República de joaoamorimblogge@gmail.com (João Amorim) em 30/08/09
Jornal o "O Diabo"Quais são as desvantagens de um Presidente eleito?
João Ferreira Rosa – Desde logo, só se pode concorrer à Presidência apoiado por muito, muito dinheiro e um partido político. Portanto, ganha quem tem mais dinheiro e representa uma facção. Sabendo como a República foi feita, só uma pessoa desonesta pode querer candidatar-se a Presidente. A República foi feita por meia-dúzia de traidores, assassinos e ladrões. Quando assassinaram o Senhor D. Carlos e o Príncipe, em 1908, até os republicanos franceses disseram: 'Mataram o Rei mais culto da Europa'. No dia 5 de Outubro, aquela Câmara Municipal de Lisboa, onde agora estes rapazes hastearam a bandeira nacional, era uma galeria de gente horrível. O José Relvas e todos os outros. Uns criminosos. Mataram gente. Não eles, pessoalmente: mandaram a Carbonária. São figuras sinistras. A instauração da República é um filme de terror. Por isso nunca a referendaram. Nenhum país no mundo tem uma ditadura com 100 anos, como nós temos. E não se pode dizer isto. Ninguém me convida para ir à televisão dizer isto. E quando me convidam para cantar, querem sempre que cante 'O Embuçado' e umas coisas inocentes. É tenebroso. Ainda no outro dia me fizeram uma entrevista para uma televisão e estiveram a gravar mais de uma hora. Eu só lhes dizia: 'Mas para quê gravar tanto tempo, se não vai sair nada do que eu estou a dizer?'. Claro: saíram três frasesinhas, a respeito de Fado…

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Lições do Holocausto?

via Caminhos da Memória de Irene Pimentel em 26/08/09
Pode parecer estranho que, num mês quente de férias, se escreva sobre os campos de extermínio nazis na Polónia e o Holocausto, legado trágico e ignominioso da civilização europeia. Uns dirão: de novo!? Penso que nunca é demais voltar a falar do tema, sobre o qual aprendi muito na Polónia, onde tive o privilégio de [...]

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Nada se cria...

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 23/08/09
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Lavoisier no seu laboratório
Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, arrazoado que, ainda meninos, aprendemos e recitámos de cor, é a expressão filosófica da conhecida lei da conservação de massa, formulada pelo grande químico francês Antoine Lavoisier (1743-94), guilhotinado na voragem da Revolução Francesa. Este mesmo princípio regulador das reacções químicas aplica-se também, como não podia deixar de ser, às rochas. Com efeito, as rochas não se criam a partir do nada. São sempre o produto de uma transformação a partir de outros materiais, que tanto podem ser outras rochas preexistentes, como detritos minerais (sedimentos), ou substâncias químicas dissolvidas nas águas como, ainda, restos esqueléticos (conchas, carapaças, etc.) de seres vivos.

As primeiras rochas formadas na crosta primitiva nasceram da transformação, por solidificação, da parte externa de um oceano de magma à escala global. Estas primeiras rochas são classificadas de magmáticas e o magma primordial que lhes deu origem foi, por seu turno, o resultado da diferenciação do planeta por transformação dos materiais condensados a partir do que restou da nébula solar.

As rochas geradas num dado ambiente são aí estáveis e reflectem as características físicas (temperatura e pressão) e químicas desse mesmo ambiente, quer através das suas composições mineralógicas, quer através das suas texturas, expressas pelo tamanho, forma e disposição ou arranjo dos respectivos minerais. Quando mudam de ambiente (ou porque se deslocam de um ambiente para outro, ou porque houve modificações ambientais no local onde se encontram), as rochas ficam instáveis e tendem a adaptar-se aos novos parâmetros, transformando-se. Muitos dos minerais das rochas geradas a grande profundidade, onde a pressão e a temperatura são elevadas, alteram-se quando ascendem à superfície, dando origem a produtos que irão participar na formação de rochas sedimentares. Neste processo, os sedimentos acumulados e ainda incoesos podem sofrer acções que passam por expulsão da água intersticial, compactação, cimentação e, quase sempre, recristalização dos seus minerais, num conjunto de processos conhecido por diagénese, litificação ou petrificação, três expressões que querem dizer transformação do sedimento em pedra. Se as rochas sedimentares forem levadas a afundar-se na crosta, vão ficar submetidas a pressões e temperaturas crescentes com a profundidade, transformando-se mais ou menos intensamente, originando rochas que classificamos de metamórficas. Podem, inclusivamente, dar origem a rochas magmáticas, e isso acontece sempre que as condições de temperatura, pressão e quantidade de água presente atinjam valores que as levem à fusão, gerando magmas secundários, assim designados para os distinguir dos magmas primários, isto é, os que têm origem no manto, como são os que geram os basaltos das dorsais oceânicas.

Os processos geradores, ou transformadores, das rochas sucedem-se ciclicamente, segundo uma sequência que, por vezes, se fecha e se repete, que alguns autores referem por ciclo geoquímico da litosfera. Poderíamos dizer, em linguagem figurada mas expressiva que, ao transformarem-se umas nas outras, as rochas nascem, vivem e morrem, como aliás, tudo na Natureza. O nosso planeta é, pois, uma máquina complexa de reciclagem de rochas, que se alimenta de umas para dar origem a outras, tendo por fonte de energia, para umas (as ígneas e metamórficas), o muito calor interno que ainda conserva e, para outras (as sedimentares), a inesgotável radiação solar. Esta reciclagem constante e permanente explica, entre outras particularidades da crosta, a relativa escassez de rochas muito antigas.

A mãe - um conto de Vera Lúcia kalahari

via Banco da Poesia de cdeassis em 25/08/09

Nossa amiga e correntista Vera Lúcia Kalahari nos envia, de Angola, um conto de sua autoria, premiado em 1973 em Lourenço Marques, atual Maputo, Luanda, Huambo e Benguela.

Mãe

xxxxxEsse era o dia em que Saiengue, o soba de Camanongue, esperava a chegada de seu filho único, vindo da cidade.
xxxxxO rapaz partira há seis anos e agora todos aguardavam o seu regresso: o pai, a velha mãe, a mulher, o filho e a filha. Nesses seis anos nenhum deles o vira e assim cada um o esperava anciosamente.
xxxxxA cubata erguia-se a certa distância do povoado, longe da única estação, e por isso não podiam saber a hora exata da chegada. Era uma pequena casa muito limpa, no meio de um extenso mangueiral, alinhado nas margens do rio. Do outro lado erguiam-se verdejantes montanhas que se perdiam em picos altos e nublados. No tempo do frio, o rio corria remansoso e pouco profundo. Mas quando as chuvas chegavam das serranias, as águas cresciam assustadoramente, lamacentas e escuras.
Todos se haviam vestido mais cedo e ficaram sentados pacatamente à espera. Lá estava o velho pai, a barba branca destacando-se no rosto negro e grave. Era um homem respeitado naqueles lugares.
xxxxxHoje, porque seu filho único voltava, pusera o seu melhor pano, que comprara há anos na cidade.
xxxxxAo lado do velho, sentava-se a mulher, a única que tivera em toda a sua vida, porque havia sido uma boa companheira, dócil e trabalhadora. Numa pedra mais baixa, sentava-se a nora, companheira do seu filho. Segurava uma fita longa de missangas, e seus dedos hábeis iam tecendo um cinto largo de cruzes miúdas, em carmesim. O seu rosto, nem feio nem bonito, denotava a ansiedade febril que a tomava. De vez em quando baixava-se para dizer qualquer coisa à pequenita que lhe brincava aos pés. Mais longe, debaixo de uma grande mangueira, um rapazito esguio tentava colher um fruto dourado. O velho tinha os olhos fitos no rapaz, mas via-se que o seu pensamento estava distante.
xxxxxA velha mãe virou-se para a nora e perguntou:
xxxxx— Compraste o peixe na loja do Calonjere?
xxxx —Sim, minha mãe, tratei de tudo.
xxxxxNa obscuridade da porta os seus olhos brilhavam na face escura.
xxxxxO miúdo escorregou, caíu e começou a chorar desalmadamente. A jovem mulher levantou-se rapidamente e limpou-lhe os calções do pó.
xxxxx— Cala-te! Teu pai está prestes a chegar e não gostará de te encontrar assim!
xxxxxO rapaz limpou as lágrimas com as mãos e sentou-se calmamente no capim áspero. O velho olhou o neto, alisou a barba branca e, sorrindo, disse:
xxxxx— Calomanga ficará satisfeito por ter à sua espera dois filhos como estes.Ele te agradecerá a maneira como trataste seus velhos pais nestes longos anos. Foi um bom dia aquele em que te trouxe para esta casa.
xxxxxMal havia acabado de proferir estas palavras, ouviu-se uma voz na curva do caminho. Era bem a voz de que eles se lembravam e que tanto desejavam ouvir, mas agora bem diferente das suas recordações.
xxxxx— Aqui estou!
xxxxxA velha mãe uniu as mãos com força sobre o regaço. O velho levantou-se rapidamente do chão. Os passos do recém-chegado ressoavam mais perto, na terra avermelhada. A mulher, que se deixara ficar sentada, de olhos fitos no solo, pôde ver os pés calçados de grossas botas e ouviu-o gritar:
xxxxx— Meu pai! Mãe!
xxxxx— Filho…— disse o velho.
xxxxxA sua voz tremeu e suavemente começou a chorar. A mãe acercara-se timidamente e tocou no braço do filho.
xxxxx— Calomanga, estás diferente. Não pareces o mesmo!
xxxxx— Mãe, seis anos não deixam ninguém na mesma – disse o rapaz numa voz clara e rápida.
xxxxxDepois, acercou-se da jovem mulher que se mantivera imóvel.
xxxxx— Então, Fuvuca, estás boa?
xxxxx— Foi a melhor das filhas para nós,Calomanga-falou o velho.
xxxxx— Sim?— interrompeu o jovem. — E onde estão os meus filhos?
xxxxx—Estou aqui…
xxxxxO pequeno abeirou-se lentamente e olhou aquele desconhecido, de sapatos de cabedal e de calças que eram de um tecido grosso e escuro, uma fazenda dos brancos. Calomanga passou-lhe a mão pelos cabelos ásperos , rindo.
xxxxx— Então foi nisto que se transformou o pequeno choramingas que deixei?
xxxxxA jovem mulher olhava-o agora abertamente. Sim! Como estava mudado! Seis anos na cidade haviam modificado seu marido, cheio de juventude e energia. Sentiu-se muito tímida e começou a chorar.
xxxxxApós uma longa pausa, como se cada um tentasse adivinhar os pensamentos do outro, Calomanga começou a falar. Dir-se-ia que falava apenas para preencher o vácuo que se estendia sobre eles.
xxxxx— Como é bom estar de volta! É pena continuar tudo tão atrasado!
xxxxx— Estamos na mesma – respondeu o velho pai, permanecendo um pouco pensativo.
xxxxx— Pois é…Habituado como estou à cidade, tudo me parece bem diferente – estas últimas palavras foram ditas com um certo ar de troça -.
xxxxxFuvuca sentiu um leve aperto no coração e, silenciosamente, afastou-se.

………………………………………………………………………………………………………….

xxxxxCalomanga havia distribuído os presentes que trouxera.
xxxxxA jovem esposa retirara-se para um canto, olhando o marido e os filhos que o cercavam.
xxxxx— Pai…tenho uma coisa para lhe dizer…
xxxxxO velho estremeceu e puxou com força a manta que lhe escorregava nas pernas. A fogueira bruxuleava, pondo sombras grotescas nas mangueiras que se erguiam em copas cerradas.
xxxxx— O pai sabe… — continuou o filho . — Na cidade vêm-se muitas coisas. Já não poderei ficar aqui. Acostumei-me a outra vida. Vim, para levar os meus filhos, para metê-los na escola dos brancos.
xxxxxOs pequenos começaram aos pulos, a gritarem radiantes.-
xxxxx— Irei no comboio…Irei no comboio…
xxxxxA miúda agarrou-se ao pai e perguntou ansiosamente:
xxxxx— Eu também vou?
xxxxx— Sim, tu vais também, — respondeu o pai com energia.
xxxxx— E Fuvuca? – falou o velho mansamente.
xxxxx— Bem…ela…pensei mandá-la de volta para o pai. Dar-lhe-ei dinheiro e nada lha faltará.
xxxxxO pequeno Jamba virou-se para a mãe, os olhos brilhando de satisfação.
xxxxx— Então irei para a escola! Sempre desejei isso!
xxxxxNenhum deles pensava em Fuvuca, reparava na sua expressão. Ninguém notou como ela tremia, a não ser o velho, que continuava sentado, acariciando a barba branca.
xxxxxCalomanga, radiante com a alegria dos filhos, exclamou:
xxxxx— Irás para a escola, verás grandes ruas, automóveis , tudo o que nunca viste até agora.
xxxxxA criança não se pôde conter:
xxxxx— Quando vamos? Eu quero ir já!

old_hands

xxxxxFuvuca olhou para aquele filho que acalentara ao longo das noites, que bebera do seu leite. Lembrou-se de quando lhe limpava a boca gotejante de leite branco. Era então aquele o seu filho! Este, encontrando o olhar da mãe, confessou, pensativo:
xxxxx— Sempre quis ir para a cidade, mãe!
xxxxxCalomanga agarrava a filha, num gesto de posse. Então, a miúda encostando a cara ao pai, olhou, arrogante, para a mãe.
xxxxx— Está claro que nada te faltará – dirigiu-se o homem para a jovem mulher.

xxxxx— Nunca passarás necessidades.
xxxxxFuvuca olhou-o com dignidade, mas ele nem reparou, enlevado como estava com os filhos. E sem que ninguém se apercebesse, a mãe saíu de casa. Sentou-se na pedra onde se sentara por tantos anos com os dois filhos. Num instante pensou no que seria a sua vida dali para o futuro. Sim! Já sabia qual o caminho a tomar. Levantou-se e caminhou silenciosamente para o rio que brilhava ao luar. Ainda ouviu a voz do filho, gritando alegremente:
xxxxx— E posso também andar de carro?
xxxxxO velho tinha começado a falar, numa voz triste e implorativa.
xxxxxA água corria-lhe agora aos pés e sentiu o frio cortante do seu beijo. Lembrou-se por instantes que devia descer rapidamente e lançou-se convulsivamente para a frente.

xxxxxO rio abriu-se para a receber num abraço gélido. Como de muito longe, pareceu-lhe ouvir ainda a voz do filho, repetindo várias vezes, a rir:
xxxxx— Irei de comboio…Irei de comboio…
xxxxxEsta voz morreu ao longe e a jovem mãe nada mais ouviu.
xxxxxAs águas fecharam-se novamente e continuaram o seu serpentear tranquilo para o mar.

River__

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Ilustrações: Cleto de Assis

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Meus sinceros agradecimentos, por Cristina Reis

Em homenagem a Gabriel Buchmann, pela sua namorada Cristina Reis. Um documento de muita e sentida emoção...
Rui Moio

via Ajude Gabriel Buchmann de Ajude Gabriel em 21/08/09

Agradecer significa demonstrar gratidão, palavra advinda do passivo da palavra latina gratus, num sentido de ter sido agradado ou sentir-se deliciado. Quero dizer que nunca na minha vida compreendi e vivenciei tão fortemente esse sentimento. Parece um absurdo, pois passo a dor mais profunda, jamais sentida dantes – a de ter perdido um grande amor. Mas na verdade não o perdi, não o perdemos. Quem conviveu com Gabriel, trocou momentos com ele e quem soube da história após o desfecho trágico da realização de seu sonho, ganhou muito. Ganhamos a oportunidade de conhecer seu espírito jovem e caridoso, sua vontade de melhorar o mundo, sua gana pelo conhecimento, seu amor ao próximo. Ganhamos a sensação de ser a pessoa mais interessante no presente pleno, o do aqui e agora, pois Gabriel paralisava o tempo e o ambiente externo quando conversava com alguém, prestando atenção total. Aliás, ele era o melhor exemplo do "sê inteiro", de Pessoa. Além de íntegro de caráter.

Gabriel estava sempre se deslumbrando, como uma criança a ver as coisas pela primeira vez. Esta faculdade era uma das que mais me admiravam. E, enquanto se encantava com as cores, a natureza e os seres humanos, seguia encantando a todos, mostrando que bonito é o mundo em que estamos. Era também um ser fluído, camaleão. Não lhe bastava observar, precisava participar. Queria saber como é o trabalho de cada um, presenciando ao máximo a divisão do trabalho, como estudamos em economia – capinar a terra, cerzir um tapete, dirigir caminhões, escrever artigos sobre educação. Precisava sentir na pele a temperatura da água, mirar a partir do topo a visão das montanhas e das árvores, provar o colorido das roupas dos diferentes povos, dançar todos os ritmos. Saiu pelo mundo em busca de sabedoria, a mais importante delas, a que traz as respostas para os questionamentos e impulsos internos. Respostas que se desvelavam enquanto lidava com as diferentes realidades dos povos, viu a pobreza sob vários ângulos e também a riqueza da alma humana.

Meu querido era lindo. De alma pura, olhar verdadeiro. E será para sempre nos nossos corações. Como disse no velório, aprendi com ele a plenitude do amor e a gostar de mim mesma. Sinto-me grata à vida e a Deus por tê-lo amado plenamente, aceitando também seus defeitos. Amei sua essência, compreendi a verdade do meu próprio lado, a ilusão que fiz sobre quem ele era – como fazemos com tudo e todos que vemos. E quando a minha ilusão se desfez, continuei firme ao seu lado. E, por incrível que pareça, amando-o mais ainda.

Sinto-me grata pela onda de amor e solidariedade que se ergueu na busca de Gabriel, sinto-me grata igualmente por todas as pessoas envolvidas nessa história. Fico contente por cada palavra de amor, cada olhar afetuoso, cada gesto nobre. Neste período duro de buscas, as pessoas mostraram seu lado mais belo, mais amoroso. Sou grata à comoção de cada brasileiro e de cada estrangeiro. Agradeço as doações, a todos que trabalharam nas buscas, a imprensa – por ter lhe dado a oportunidade de divulgar seus ideais e aumentar a corrente de orações. E que corrente maravilhosa! Nunca esquecerei o empenho e dedicação dos malauienses, canadenses, argentinos, brasileiros e demais que escalaram o monte Mulanje para achar o Gab. Graças a Deus fomos bem sucedidos, ele retornou à sua terra e à sua família, recebendo as despedidas e homenagens merecidas. Agradeço o imenso carinho da família e dos amigos – meus e do Gabriel -, que vão no meu coração avante pela vida inteira. Em especial, obrigada meu irmão, André, por estar ao meu lado no Malauí, sem você eu não teria suportado a dor da má notícia.

Num dos últimos dias em que estive com Gabriel, gritamos como loucos para as cataratas Vitória, na Zâmbia, um estrondoso OBRIGADA a Deus por estar ali, juntos, diante de tanta beleza (em anexo, uma foto desse dia). Sentíamo-nos plenos de amor e felicidade. E assim quero seguir sentindo. A tal onda gigante de amor despertou uma força poderosa dentro de mim, que não imaginava possuir. Uma força para vencer essa dor e sentir-me feliz por estar viva, tocando em frente com fé, como na música que cantarolávamos juntos....

Beijos para todos,

Titi"




Tocando em Frente

Composição: Almir Sater e Renato Teixeira


Ando devagar porque já tive pressa
Levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Eu nada sei

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando os dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou

Conhecer as manhas e as manhãs,
O sabor das massas e das maçãs,
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Todo mundo ama um dia.
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
e no outro vai embora

Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Conhecer as manhas e as manhãs
O sabor das massas e das maçãs
É preciso amor pra poder pulsar,
É preciso paz pra poder sorrir,
É preciso a chuva para florir

Ando devagar porque já tive pressa
E levo esse sorriso porque já chorei demais
Cada um de nós compõe a sua história,
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Lembrar Manuel Maria Múrias

via O Saudosista de Rudel88 em 23/08/09
"Basta! Portugal não é uma quinta, nem nós somos só os seus seareiros. Portugal somos todos nós, intelectuais e cavadores de enxada, patrões e operários, os que morreram e os que estão para vir, homens e mulheres na sucessão dos séculos, caminho do futuro! Sendo Direita, assumimo-nos frontalmente como força destinada à Vitória. Somos mais e somos melhores! Nem aqui, nem além-mar em África, pactuámos com o inimigo. Continuamos em guerra começada em 1961. Perdermos muitas batalhas, mas enquanto um de nós for vivo e puder falar, manteremos na alma, marcada a fogo e sangue, a certeza inabalável de que vamos salvar Portugal!"

Manuel Maria Múrias, Editorial no Semanário "A Rua", década de 70

domingo, 23 de agosto de 2009

Do livro e da leitura

via Jacarandá de noreply@blogger.com (António Barreto) em 23/08/09
QUANDO OS ORGANIZADORES deste congresso (*) me convidaram a participar, a minha resposta foi rápida e afirmativa. Além da personalidade dos editores em causa, a palavra "livro" bastava. Só mais tarde, depois de os ouvir e de ver o programa de trabalhos, tive uma sensação estranha, confirmada, aliás, por artigos publicados em jornais e nos quais se fazia uma espécie de radiografia económica de um moribundo: o sector do livro. A estranha sensação resume-se em poucas palavras: será que vamos festejar um animal em vias de extinção? Será que o livro, o editor, o livreiro, para não dizer o escritor, cabem nessa designação? Não seria surpresa total, neste mundo em que as catástrofes se sucedem, da camada de ozono às pegadas de dinossauro, das espécies vegetais ameaçadas pelas auto-estradas às gravuras paleolíticas ou ao simples artesanato.

Depressa me convenci que a sensação era passageira. O livro veio, há muito, para ficar. E nada o retirará da nossa vida em comum. Vivemos, isso sim, uma transição difícil, na qual as reconversões são penosas e as mortes inevitáveis. Não só os editores e os livreiros terão de mudar, mas também os escritores e os leitores. Quer dizer, é o livro que está em mudança. E mudará tanto melhor, quanto soubermos fazer o novo e guardar o essencial.

Sei que não sou particularmente conhecido pelo meu optimismo. Por isso quase me sinto obrigado a argumentar a favor do que acabo de dizer. É muito simples: atrás de tudo, ou depois de tudo, está um livro. Antes e depois da música, do cinema, da televisão, da arquitectura, da pintura, da informação e da ciência da natureza, está um livro.

Se um espírito mau destruísse, por atacado ou sector por sector, toda a pintura, toda a arquitectura, todos os monumentos, toda a música, toda a ciência, toda a arte militar... Tudo, menos o livro. Se isso acontecesse e diante do desastre, talvez fosse possível tudo reconstruir, com o livro. Seriam cópias, é certo, nada seria exactamente como dantes, mas tudo recomeçaria. Graças ao livro. Ficaríamos mais pobres. E perderíamos uma parte da nossa humanidade. Mas nada seria irreparável. Pela simples razão de que tudo estava nos livros. Através do livro, seria possível recomeçar. Ou reproduzir.

Ora, se o mesmo espírito mau destruísse todos os livros do mundo, é bem provável que a humanidade não conseguisse recomeçar. Nem talvez sobreviver, tal como a conhecemos. Do livro, temos tudo a esperar, a novidade e a tradição. A descoberta e o património. A conservação e a inovação. Não foram os livros que transformaram o mundo, nem que o organizaram. Mas aqueles que o conseguiram, fizeram-no também por intermédio do livro. Nem sempre para melhor, mas, quando foi para o pior, livros houve que ajudaram depois a humanidade a corrigir.

O que é imperecível vem nos livros. Como nos dizia, há cerca de meio século, Alain Resnais, no seu "Tout le savoir du monde", sobre o labirinto de cultura que era a Bibliothèque Nationale de Paris. E até o "Mapa do Genoma Humano", um prodígio dos computadores, vai acabar em livro, talvez o mais longo e secreto livro do mundo. Nem as pedras ou a terra, muito menos os cofres, garantem este jeito imorredoiro do espírito humano. Não acredito pois que o livro esteja em vias de extinção. Enquanto houver humanidade, livros haverá. Não pelo fetiche que uns adoram, não pelo cheiro que alguns referem, não pelo manuseamento que outros citam, não pela lombada de que tantos gostam, não pela estante que muitos exibem, mas simplesmente pelo espírito que os fez e pelo espírito que os procura.

Se não está em vias de extinção, por que razão há alarme e inquietação? A resposta parece simples. Porque as modas actuais contrariam a tradição do livro. Porque as economias não se compadecem com esta estranha criatura. Porque a mercadoria se sobrepõe à obra de arte. Porque a rapidez da vida quer eliminar o tempo de leitura. Porque o efémero combate o duradoiro do livro. E até porque muitos que deveriam ser amigos do livro se revelam ser seus adversários. Daqui resultam as crises de produção, de distribuição e de consumo do livro. Mas também as de concepção e de leitura.

Tanto quanto percebo, não há, em Portugal, entendimento quanto às estatísticas do livro. Os números privados e os públicos estão longe de coincidirem. E não há estatísticas credíveis de venda e de consumo. Teremos de nos ficar pelos indicadores de produção. De qualquer modo, seguindo os meus dados, é possível detectar uma tendência de médio a longo prazo: gradual aumento do número de títulos editados (originais portugueses e traduções), mas, mau grado uns acréscimos marginais, uma relativa estagnação das tiragens totais, num contexto de permanente aumento de custos. Nos últimos anos, teríamos atingido valores da ordem dos dois a três volumes editados anualmente por habitante (eu disse volumes, não disse títulos). Dois a três! É pouco, muito pouco. É menos do que em qualquer outro país europeu. Mas, embora isso não seja uma consolação, não é apenas um problema da edição de livros. Com efeito, se olharmos para os restantes indicadores de cultura (tanto na produção como no consumo), verificaremos uma situação semelhante.

O primeiro paralelo a estabelecer é, evidentemente, com a imprensa, os jornais e restantes periódicos. Estamos, em relação à Europa, atrasados várias décadas, muitas décadas. Pior ainda: não creio que estejamos apenas atrasados, dado que essa ideia poderia implicar que fosse possível, com tempo, cobrir a distância, recuperar o atraso, como tal se tenta fazer nos rendimentos ou na escolaridade. Na verdade, por várias razões, algumas delas controversas, fazemos parte de uma classificação diferente. Os portugueses lêem menos jornais e periódicos do que qualquer país da União. Cinco a dez vezes menos, conforme os países. E tenhamos consciência de que as chamadas taxas de leitura desses países já eram o que são hoje há várias décadas. Tal como as portuguesas. Quer isto dizer que se pode quase admitir que existe um patamar de leitura de imprensa e de livros que o crescimento económico não parece conseguir elevar. Em muitos sectores, os portugueses recuperam atrasos ou, melhor dizendo, encurtam a distância que os separa de outros povos. Mas tal não é o caso quando olhamos para a leitura e a circulação de livros e periódicos.

Como sabem, diversas são as razões evocadas para este fenómeno. O analfabetismo crónico é uma explicação. O elevado preço dos livros e dos jornais será outra. O catolicismo oral e mediado pelo sacerdote, em oposição ao protestantismo sem sacerdote e de leitura bíblica, é também recordado. A tão precoce unidade nacional, a homogeneidade étnica e cultural e a unicidade linguística são ainda citadas como responsáveis pelo analfabetismo, ou antes, pela não necessidade de alfabetização. A pobreza geral, a industrialização tardia e a urbanização lenta poderão também ser referidos. A falta de esclarecimento das autoridades políticas e dos dirigentes nacionais poderá ter contribuído para esta situação, bastando recordar que, há menos de cinquenta anos, se discutia ainda, na então Assembleia Nacional, os méritos da alfabetização em oposição às virtudes da ignorância e aos perigos e ameaças que espreitavam ao virar da esquina de um tímido esforço de escolarização.

Os estudos e as investigações que conheço não concordam com a influência predominante de um destes factores. Historiadores há que têm demonstrado que o factor A ou B não é responsável pelo analfabetismo, dado ser fácil encontrar, em regiões portuguesas ou estrangeiras, demonstrações contrárias. Mas é possível que todos aqueles factores tenham desempenhado uma função. O mais estranho é que, com a escolarização universal, com o crescimento económico (pujante nos anos sessenta, sólido a partir de então), com a abolição de todas as censuras, com a fundação do Estado democrático e com a competição partidária por políticas activas de promoção da cultura (do livro e do jornal), não tenhamos assistido a uma evolução nitidamente ascendente dos indicadores de leitura.

A todas aquelas razões enunciados, quero acrescentar uma hipótese que observações superficiais confirmam, mas de cuja veracidade podemos sempre desconfiar. A leitura de livros e de jornais é um hábito, uma necessidade cultural e uma exigência profissional, relativamente independente dos níveis de desenvolvimento económico. Por outras palavras, a leitura de livros e de jornais, durante os séculos XIX e XX, não aumenta necessariamente com o Produto Nacional Bruto. Nem nas mesmas proporções que a alfabetização e a escolarização. As comparações entre Portugal, a Espanha, a Grécia e o Sul da Itália sugerem uma evolução muito diferenciada, não proporcional ou não ligada às taxas de crescimento económico e de escolarização. Quer isto dizer que há factores explicativos, designadamente históricos, que podem influenciar de modo determinante os níveis de leitura.

No caso português, para retomar a minha hipótese de trabalho, quando foram atingidos níveis razoáveis de escolaridade e quando as taxas de analfabetismo começaram a descer abaixo dos 40 a 50 por cento, já existiam a rádio e sobretudo a televisão. Para a maioria dos portugueses, a palavra escrita nunca foi a principal fonte de informação cultural, profissional, quotidiana, familiar ou política. A televisão instalou-se em Portugal e cobriu o território antes de a escola o ter conseguido. A partir dos finais dos anos cinquenta, a televisão passou a ser um factor de unificação cultural dos portugueses mais poderoso e eficiente do que a escola. Até porque esta não compreendia os adultos ou os idosos e apenas acolhia as crianças e os adolescentes, nem sequer todos, durante um muito curto período de tempo. Desde então, consolidou-se o lugar da televisão como fonte primordial de informação (e de entretenimento e de consumo cultural), sem que nunca antes a leitura de livros e de periódicos se tivesse generalizado ao país, às regiões e às classes sociais. A leitura de jornais e de livros nunca foi, em Portugal, uma actividade de massas, nem sequer das classes médias.

Ficarmo-nos por aqui seria fonte de equívocos. Os indicadores de leitura e de produção de texto escrito não são uma mácula única na sociedade portuguesa. Com efeito, têm como paralelo imediato todas as outras actividades culturais, tanto do lado do consumo, como no da produção. A frequência de museus, de teatros e de cinemas, a circulação de jornais e periódicos, o consumo de discos e de vídeos, a encenação de peças de teatro, a realização de concertos de música clássica, a produção de espectáculos de ópera e a consulta de livros em bibliotecas públicas: em todos estes indicadores, Portugal tem um seguro último lugar. Sendo todavia certo que a evolução de cada indicador tem o seu significado próprio. O cinema, por exemplo, depois de um longo decréscimo de décadas, conhece recentemente uma recuperação curiosa. A ópera mantém-se a níveis muito reduzidos, com um público que parece ser constante, para não dizer o mesmo, ao longo dos tempos. O teatro está em decréscimo geral. A música clássica em ligeiro aumento. E a frequência de bibliotecas encontra-se quase sem alteração, enquanto as visitas aos museus aumentaram consideravelmente nas últimas décadas. Assim é que a leitura, em Portugal, sempre em crise séria de reduzida produção, de mercado estreito e de público muito seleccionado, tem paralelos. Uma vez mais, não se trata de consolação, mas apenas de um esforço para ter uma visão mais larga.

Retomemos a relação entre o desenvolvimento económico, a alfabetização e a escolarização, por um lado, a leitura de livros e de jornais, por outro. O que acima disse parece traduzir-se na afirmação de que não existe qualquer relação entre os fenómenos citados. Nada menos verdade. Com efeito, sem correlações sofisticadas, é possível estabelecer o paralelismo: os países mais desenvolvidos economicamente são os que exibem níveis superiores de escolarização. Também são aqueles em que se lêem mais livros e se imprimem e lêem mais jornais. Basta recordar, por exemplo, que, em Portugal, a população dos 20 aos 60 anos que completou pelo menos a escola secundária (22%) é cerca de metade do que se verifica em Espanha e na Itália; menos de metade da Grécia e da Irlanda; e um terço ou um quarto dos restantes países europeus! E a população portuguesa que tenha completado um curso superior (9%) é de um terço da maioria dos países europeus e cerca de metade da Grécia e da Espanha. Ora, em qualquer destes países se lê mais do que em Portugal. Parece pois possível admitir-se que existe alguma correlação entre o grau de escolaridade e a apetência pela leitura.

Nesta altura da minha exposição, parece haver séria contradição. Ainda há pouco vos convidava a acreditar que talvez não houvesse uma relação clara e automática entre desenvolvimento económico, escola e leitura. Agora, acabo de afirmar o contrário. Eis que necessita de esclarecimento. Numa perspectiva geral, histórica e comparativa, não duvido que exista esta correlação. Sendo que, por acréscimo, não nos devemos limitar ao rendimento por habitante e aos anos de escolaridade. Muitos outros factores intervêm, como a religião, os regimes políticos, a composição étnica das populações, assim como as suas tradições culturais e linguísticas. E até as necessidades industriais e militares tiveram uma influência nos graus de literacia.

Esta perspectiva, todavia, pode não encontrar tradução automática em situações particulares, designadamente em curtos períodos de poucas décadas e muito especialmente quando se olha para um só país, comparando-o consigo próprio. Como é o caso de Portugal. O progresso da educação começou a tornar-se evidente, quanto mais não seja do ponto de vista quantitativo, a partir do fim dos anos cinquenta, princípio dos sessenta. Esta última década será a da expansão acelerada do sistema educativo. Não ainda suficiente, não universal, mas a ritmo bem superior aos anos anteriores. Algumas mudanças políticas ajudaram. Mas também a pressão da indústria e dos serviços a fazer-se sentir. A guerra colonial e as necessidades militares também contribuíram para o fomento da instrução. E o que permitiu este processo foi o crescimento económico desse período, inédito na história do país, aliás também não repetido depois. A partir daí, todas as forças impeliram a educação e a escolaridade: a indústria e os serviços, os investimentos externos, a pressão das novas classes médias em crescimento e uma nova consciência política emergente. A revolução de 1974, o sistema democrático, a competição eleitoral, a abertura cultural e a consciência dos novos direitos sociais fizeram o resto. Até finais da década de oitenta, tinha-se atingido a escolarização universal e a frequência do ensino superior conhecia um fenómeno muito parecido com a explosão.

Ora bem, se prestarmos atenção aos números e aos indicadores, a circulação da imprensa escrita, a produção livreira e a leitura em geral não tiveram uma evolução comparável ou proporcional. Registam-se alguns acréscimos, mas insignificantes. E aqui teríamos, em linhas gerais, não a excepção portuguesa, mas a maneira particular como, em espaço limitado e em tempo reduzido, um processo pode contrariar a que será a tendência geral. Já sugeri uma explicação, uma entre outras, para este fenómeno. O tempo histórico em que se realizaram a alfabetização e a escolarização da população marcou a sua especificidade. Na concorrência com outros meios de comunicação e informação de massas, para os quais a literacia não era necessária, o texto escrito ficou a perder. Se a alfabetização dos portugueses tivesse sido levada a cabo duas ou três décadas antes, talvez os hábitos de leitura fossem hoje diferentes. Eis uma conjectura para a qual não tenho qualquer demonstração.

Avancemos um pouco mais. A explicação da televisão e dos meios de comunicação de massa pode ser verdadeira. Mas não será certamente a única. Creio que haverá outros factores. Um deles será o método pedagógico em vigor ao longo destas últimas décadas, justamente aquelas em que se processou o crescimento quantitativo fenomenal do sistema educativo. Método pedagógico, por um lado; mas também a natureza ou o carácter da escola que se pretende construir desde então. É minha convicção que a escola, tal como se tem desenvolvido nos tempos recentes, contraria explícita e deliberadamente o hábito e a necessidade da leitura.

A escola actual resulta em grande parte da crítica severa que foi feita à educação do "antigo regime", à portuguesa, e, noutra acepção, do "ancien régime". A severidade, as punições físicas, o culto da erudição, a repressão, o primado da memória sobre a compreensão e a inteligência, o elitismo e o carácter classista da instituição, dos programas e dos métodos foram sistematicamente escalpelizados. Fez-se, durante anos, a crítica da "educação livresca" (reparem bem, "livresca"...). Assim como se fez a apologia da "escola para a vida", da "escola para a vida prática". As escolas que temos hoje resultam em boa parte dessa crítica, por vezes justa. Mas a alternativa, hoje reinante, não está isenta de defeitos graves. O princípio do "prazer de aprender" substituiu o do esforço e do trabalho. A "vida prática" e os utensílios imediatos para a sobrevivência afastaram a ideia de que existe um património cultural da humanidade que importa conhecer. A "cultura popular" e a "sabedoria do povo" denegriram e combateram a erudição. A chamada "alta cultura" foi considerada um malefício da história. Instaurou-se uma espécie de "hedonismo educativo" tendente a demonstrar que o divertimento e as actividades lúdicas eram melhores instrumentos de aprendizagem do que o sacrifício, o treino e a concentração. Apesar do poder intimidante que esta ortodoxia, como todas as outras, exerce sobre as consciências, os resultados destas novas modas são hoje visíveis e têm já sido objecto de observação. Os progressos da educação nem sempre são progressos de literacia. O crescimento das escolas e da escolarização não tem dado resultados proporcionais para a cultura e o conhecimento. O desperdício de recursos e de energias que tem representado esta nova orientação pedagógica e educativa é incalculável. Com a água do banho, deitou-se fora a banheira e o bebé.

O livro foi uma das principais vítimas desta nova escola. Todo o sistema educativo parece hoje concebido para reduzir ao mínimo a consulta do livro. Pela profusão de imagens e de fórmulas coloridas, os próprios manuais escolares fazem um esforço para se parecer cada vez menos com livros; e, pela arte das citações simplificadas e simplistas, para os substituir. Elogiam-se os métodos de ensino que dispensam o livro, das brincadeiras aos passeios, dos trabalhos de grupo aos projectos, sem falar nos resumos fotocopiados. Apresenta-se o computador como um sucedâneo do livro. Isenta-se qualquer aluno da leitura morosa e concentrada. Chega a lançar-se o anátema contra os trabalhos de casa, de que a leitura de livros faz parte essencial. Depois de se ter considerado, justamente, que a posse de livros e a existência de bibliotecas em casa da família eram traços de desigualdade, quase se concluiu que um ensino sem livros era a melhor maneira de combater essa desigualdade! Fez-se do livro um objecto arqueológico de atávicas reminiscências, a fazer pensar no pior de uma organização opressiva e repressiva.

É nesse sentido que digo que a escola moderna é o pior inimigo do livro. Porque é esta escola que dá legitimidade a uma educação que dispensa o livro. Porque é esta escola que transformou o livro num objecto de cultura de elite. E porque é esta escola que afirma que a educação democrática se pode fazer sem livros e sem esforço. Poderão dizer-me que confio excessivamente nas virtudes da escola e da educação. Tal como fazem milhões de compatriotas nossos que, diante de problemas difíceis, das filas de espera na saúde aos acidentes de automóvel, da limpeza das ruas ao consumo da droga, da evasão fiscal ao serviço militar obrigatório, não se coíbem de nos garantir que a solução está na escola e na reforma de mentalidades! Não! Não penso isso, nem gosto de confiar excessivamente na educação. E sei que a mentalidade é a última coisa a mudar. Não tenho a certeza que uma escola como a entendo seja um factor de expansão fenomenal da leitura. Mas creio firmemente que não seria, como é actualmente, um factor de aversão à leitura.

Acontece que uma escola sem livros, que admito perfeitamente poder existir, é uma escola desumana e de desprezo pelo património cultural e científico da humanidade. É uma escola que, a pretexto de igualdade social, provoca mais desigualdade, pois que faz do livro um bem de casta e um hábito de elite. E é sobretudo uma escola que, a pretexto do combate contra a "cultura livresca", legitima esta detestável forma de ignorância. Será preciso recordar que um ministro da educação, convidado a participar numa iniciativa organizada por editores, perguntou, perplexo: "Mas que tem o ministério da educação a ver com isso?". Ou será preciso recordar uma visita que fiz, há meia dúzia de anos, a uma das mais modernas e exemplares escolas portuguesas, que figura aliás na lista das melhores que se exibem aos organismos internacionais? Durante a visita da escola inaugurada há pouco mais de um ano, vi salas de recreio fantásticas, dezenas de computadores, auditório de cinema, excelente cantina, salas de estudo e gabinetes de professores. E uma quase luxuosa biblioteca, sem um único livro! A directora, interrogada, respondeu sem inquietação: "O dinheiro não chegou para os livros!". Mais do que a fotocópia ou o computador, mais do que a televisão ou a discoteca, a escola é, para mim, o principal inimigo do livro.

E, no entanto, o livro está por trás de toda a cultura da humanidade. De toda a ciência. De todo o inconformismo. De toda a criação. Poderá o artista, o cientista ou o político exprimir-se de outro modo que não seja o da escrita. Poderão aprender com mestres e com viagens. Poderão tirar da observação e da experiência o essencial da matéria-prima e dos fundamentos do seu trabalho. E poderão recorrer incessantemente às novas tecnologias de informação. Mas não duvido um segundo de que uma parte essencial da sua inspiração, da sua formação e da sua humanidade vem dos livros; nem de que para lá irá uma parte não menos essencial da sua criação.

Apesar de ser uma espécie de escritor compulsivo e de quase todos os dias ter de escrever qualquer coisa, linhas ou parágrafos, apesar disso, permitam-me terminar citando alguém, o autor de "Uma história da leitura", Alberto Manguel: não me é difícil imaginar que poderia viver sem escrever, mas não creio que poderia viver sem ler.

(*) I.º Congresso dos Editores Portugueses
Lisboa, Abril de 2001