segunda-feira, 28 de abril de 2008

Sobre a memória

"Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referência do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo, que relaciona as imagens do passado e que lhes dá a luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso"

In De Profundis, Valsa Lenta
de José Cardoso Pires

Fonte: Blogue "Pedro Rolo Duarte" - post de 30Mar2008 - comentário de A, de 3Abr2008

Jarancadás em flor

"ESTA FOI A SEMANA em que a flor dos jacarandás voltou à cidade! Os primeiros a florescer, tímidos, apareceram no Rato (mão amiga me levou lá!), em Belém e na Av. D. Carlos I. Mesmo previsíveis, as rotinas e as repetições têm destas coisas. Umas, como as comemorações oficiais do 25 de Abril, são cada vez mais maçadoras e destituídas de sentido. Outras, como a floração anual dos jacarandás, anunciam, com alegria, o eterno recomeço."

Fonte: Blogue Sorumbático - post de 27Abr2008

RELIDO: (Episódios históricos de Macau) "Dois telegramas e uma mulher coerente"

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via Portas do Cerco - Macau, 25 de Agosto de 1849 de Vitório Rosário Cardoso em 27/04/08
É conhecida a história dos dois telegramas, um enviado precisamente na véspera do 25 de Abril, expressando o apoio oficial de Macau ao Presidente do Conselho, Prof. Marcelo Caetano, e à sua política, e o outro remetido alguns dias depois da queda do regime, homenageando o Movimento das Forças Armadas e saudando a "acção patriótica da abnegada Junta de Salvação Nacional". Uma mulher, porém, não

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domingo, 27 de abril de 2008

Fins-de Semana

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via Estado Sentido de cristina ribeiro em 27/04/08
"Caro Fabrizio, estou a escrever-te num estado de extrema prostração. Lê as terríveis notícias que vêm no jornal. Os Piemonteses desembarcaram. Estamos todos perdidos. Esta mesma noite, eu e a família toda vamos refugiar-nos nos barcos ingleses. Decerto quererás fazer o mesmo."
(«O Leopardo», de Giusepe Tomasi di Lampedusa)

Sentada no sofá, muitas foram as vezes em que os olhos paravam neste título, na lombada de um livro fininho, há muito tempo na estante, sem vontade de o abrir, com receio de me decepcionar, tanto gosto do filme protagonizado por Burt Lancaster.
O normal é o contrário: decepção com a adaptação cinematográfica da obra literária; mas este filme de Visconti está num pedestal tão alto...; acontecera uma coisa assim com «Despojos do Dia», em que tive medo de o livro não ser digno das interpretações de Anthony Hopkins e Emma Thompson...
Até que ontem o livrinho venceu esses receios, e já vou a meio, sem que tivesse ainda vontade de o pôr de lado.

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sexta-feira, 25 de abril de 2008

o 25 de abril d’o saloio

via cinco dias de Fernanda Câncio em 25/04/08

o comentador 'o saloio' contou a sua experiência da manhã de abril no post 'a revolução na montra'. aqui fica.

Pelas 07H00m, ao ser acordado pela minha mãe esta disse-me que havia "qualquer coisa", pois ouvia-se no rádio músicas militares e apelos a que os civis ficassem em casa nessa manhã. A minha mãe concordava com os locutores e dizia-me para eu ficar na cama. Eu, com 19 anos, achei que não - queria ir ver o que era.

Nessa altura, estudante do Conservatório, aí vim eu no 46, entre Benfica e os Restauradores (ou Rossio, já não me recordo). Lembro-me que no autocarro (daqueles ingleses, de dois andares, que faziam muito fumo e onde eu tentava ocupar um dos lugares da frente no 1º andar), só se falava da derrota do Sporting na véspera - nem uma única pessoa falou nas notícias da rádio.
Seriam uma 08H00 quando desembarquei na baixa, e fui a pé até ao Terreiro do Paço. Um pouco antes, na zona da Rua do Comércio, vi então os soldados - tinham mais um ano ou dois que eu, e um ar de quem não sabiam porque é que estavam ali. Eram recrutas, estavam com um joelho por terra e G3 a tiracolo, encostados à parede do prédio da Rádio Marconni, e olhavam para os telhados.
Os poucos civis àquela hora iam passando e olhavam, como eu, com curiosidade. Perguntei o que é que estavam ali a fazer, e um dos soldados disse-me que o capitão lhes tinha dito para estarem atentos aos telhados. Disseram-me que eram recrutas com apenas três meses de quartel, e alguns mostraram as culatras das armas vazias - sem balas.

Deixei-me ficar por ali - para trás e para diante. Mas que raio se estava a passar? Tudo aquilo era inédito e a verdade, é que nada parecia perigoso, pois as espingardas estavam descarregadas. o único receio era quando a PIDE, ali próxima, soubesse do que se estava apassar, e viesse por aí abaixo. Logo no café, iria contar uma história diferente…

No quarteirão a seguir, era o Terreiro do Paço: havia jipes e chaimites dispostos na periferia da praça, não muitos - uns 15. A malta civil não percebia nada do que se estava a passar. Estaávamos todos atentos a um tipo mais mexido, de quico na cabeça, de G 3 ao ombro, e que parecia que era ali determinante, porque atrás dele corria sempre um outro tipo mais bem fardado (de blusão de cabedal, com um grande coldre à cintura em que segurava com a mão quando corria atrás do outro), e um magala de capacete com um grande rádio preto às costas, tipo mochila, com uma antena alta em fita larga.

O tipo do quico na tola andava para a frente e para trás, tinha um megafone branco pendurado, e os outros dois pareciam aqueles polícias dos filmes mudos antigos…iam também descrevendo o mesmo percurso.
O sol começou a despontar vindo do rio Tejo, dando alguma cor à manhã baça, e cada vez havia mais malta, vinda da outra banda nos barcos. Nas arcadas, todos compreendíamos que era um golpe militar, pois alguns recordaram em voz alta o movimento havido uns dias antes e que tinha "corrido mal".
Por volta das 09H00, apareceu entre os populares o jornalista Adelino Gomes, com a careca branca e os cabelos laterais compridos ao vento. Como sabia quem ele era, um jornalista "do contra", colei-me a ele para ver se percebia mais qq coisa. Mas ele estava muito nervoso e desesperava em contactos e deslocações, entre o desconfiado e a esperança.
Na opinião dele, podia tratar-se de um golpe militar de extrema-direita, para depor o Prof. Marcelo que era um "fraco". Os soldados que estávamos a ver seria tropa do Gen. Kaúlza (da Arriaga), e portanto a coisa não era boa.
Olhámos de soslaio o tipo do quico na cabeça, que soube mais tarde ser o Sr. Capitão Salgueiro Maia e o tipo que corria agarrado à pistola (o actual presidente da câmara de Grândula - Sr. Gen. …Pinto???). Com a dúvida instalada, assisti de longe à vinda dos carros de combate da 24 de Junho, junto ao rio - e que após algumas correrias, se vieram a juntar ao movimento. O jipe e os três carros de combate, após algumas manobras complicadas, ficaram enquadrados com os da EPC.

Mais tarde pela manhã, assisti também, mas de longe, a uns carros de combate que vieram pela Rua do Arsenal (a que refere o post). Eram mais que os primeiros e aqui a coisa foi mais demorada, e no meio da confusão gerada pela grande quantidade de populares, só via a antena do soldado do rádio de um lado para o outro. Os carros de combate de Santarém foram tomando posições de combate, e a malta anónima manteve-se, impávida, debaixo das arcadas, assistindo a tudo com curiosidade e dando, como sempre, as opiniões mais díspares e cómicas.

O Cap. Salgueiro Maia ia dando ordens à multidão civil para retirar, que a coisa podia ficar perigosa, mas a malta fazia-se mouca e não retirava. Acabou tudo em abraços, depois de nos termos apercebido de alguma tensão.
Eram já umas 11H30 quando os chaimites puseram os motores a trabalhar. O Sr. Cap. Salgueiro Maia, através do megafone, dizia para os seus que se iam dirigir para o Carmo. A malta, atenta, decidiu segui-los e aí fui eu…
Fiquei de pé horas, em cima da capota de um Datsun 1200 branco, estacionado à porta da sapataria na lateral. Éramos uns 20 em cima da capota que, devido ao peso, dobrou toda para o interior do veículo.

Só fui para casa a 27 de Abril…sorridente.

Digo eu…

lembrem-se como foi

via cinco dias de Fernanda Câncio em 25/04/08

Às vezes apetece-me agarrar em certas pessoas e levá-las numa viagem no tempo. Há filmes para isso, e até séries de TV - do Conta-me como Foi aos domingos na RTP1 à Guerra, o espantoso documento de Joaquim Furtado sobre a guerra colonial que está de novo a ser transmitido pela RTP2. Mas sei que não funcionam. Nem funcionaria, sequer, uma viagem aos anos pré-1974. Se nem a memória funciona para quem os experimentou, como esperar que alguma coisa funcione?

Quando oiço ou leio elogios a Salazar e ao "outro tempo" a gente que tem idade para se lembrar, fico estupefacta. Nunca deixa de me espantar que se considere que "se vivia melhor" ou "havia mais segurança". É que não é uma questão subjectiva: não me venham com questões subjectivas. Nada há mais objectivo que os indicadores do Instituto Nacional de Estatística, e a forma como nos últimos 34 anos as provas do bem-estar dos portugueses aumentaram de modo quase milagroso. A mortalidade infantil e materna, por exemplo: passámos de um índice de país do Terceiro Mundo para um dos mais honrosos da UE. A esperança de vida. A electricidade, a água canalizada, as casas de banho dentro das casas. A quantidade de jovens que conseguem aceder ao ensino superior. Quem acha que isso não tem nada a ver com a democracia e que era inevitável deve questionar-se, por exemplo, sobre o motivo pelo qual em quase todos os países totalitários, independentemente da sua riqueza, a maioria das pessoas vive tão mal.

Porque antes da democracia a esmagadora maioria dos portugueses vivia mal. Havia miséria como não há, nem por sombras, hoje. Havia pobreza como não há, nem por sombras, hoje. Há gente a viver mal hoje, idosos com reformas miseráveis. Mas antes da democracia não havia sequer reforma garantida para todos - lembram-se? E podia não haver carjacking - não havia sequer carros que chegassem para isso - mas havia tropa obrigatória, lembram-se? E minas nas picadas, e emboscadas na selva. Quantos portugueses morreram, obrigados, na guerra? Quantos voltaram deficientes? Quantos tiveram de fugir para não serem enviados para África? Quantos fugiam, "a salto", para tentar uma vida melhor no estrangeiro? Quantos morriam de medo de dizer alguma coisa errada que os levasse a serem considerados anti-regime, a perder o emprego, a serem presos? Era seguro, ser português? Era seguro, viver numa ditadura?

Há, claro, sonhos que se perderam e traíram. Não somos todos felizes - mas só nos cartazes das ditaduras toda a gente sorri. Os amanhãs cantaram, mas desafinados para muitos ouvidos. Desafinam ainda, e ainda bem - porque agora depende tudo de nós, e cada voz canta diferente. Sobretudo, não me digam que "há medo de falar" nem usem a palavra "fascismo" a torto e a direito. Porque é ridículo, demasiado ridículo, mas porque, sobretudo, é um insulto a todos os que realmente souberam o que era ter medo e viver num regime totalitário, todos os que no "dia inicial, inteiro e limpo" de Sophia se sentiram, enfim, inteiramente inteiros.

(publicado hoje no dn)

Pensamento de Miguel Torga

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via nonas de nonas em 24/04/08
«Coimbra, 20 de Junho de 1975
Estranha revolução esta, que desilude e humilha quem sempre ardentemente a desejou. A mais imunda vasa humana a vir à tona, as invejas mais sórdidas vingadas, o lugar imerecido e cobiçado tomado de assalto, a retórica balofa a fazer de inteligência. Mas teimo em crer que apesar de tudo valeu a pena. Assistir ao descalabro. Pelo menos não morro iludido, como os que partiram na véspera do terramoto.»
Miguel Torga
in Diário XII, 3ª edição revista.

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O 25 de Abril e a História por António José Saraiva

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via nonas de nonas em 24/04/08
O 25 de Abril e a História
«Os cravos do 25 de Abril fanaram-se sobre um monte de esterco... Os militares portugueses, sem nenhum motivo para isso, fugiram como pardais, largando armas e calçado, abandonando os portugueses e os africanos que confiavam neles. (...) Foi a maior vergonha de que há memória desde Alcácer Quibir (...) Era natural que os capitães quisessem voltar depressa para casa. Os agentes do MFA exploraram e deram cobertura ideológica a esse instinto das tripas, justificaram honrosamente a cobardia que se lhe seguiu. Um bando de lebres espantadas recebeu o nome respeitável de "revolucionários" (...) Com estes começos e fundamentos, falta ao regime que nasceu do 25 de Abril um mínimo de credibilidade moral. A cobardia, a traição, a irresponsabilidade, a confusão, foram as taras que presidiram ao seu parto e, com esses fundamentos, nada é possível edificar (...)»

Prof. António José Saraiva
(in Diário de Notícias, 26.01.1979)

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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Mandingas e a história da Guiné (III)

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via Guiné, ir e voltar de Gil em 24/04/08
Tratemos agora da segunda parte deste capítulo: a referente à "Oposição ao domínio da Civilização Europeia".

No final do século XIX, período da maior actividade dos portugueses no interior da colónia, foi necessário pôr cobro a determinados abusos praticados por soninkés, que insistentemente recusavam a intromissão no seu meio.
Assim, no Oio, em Janeiro de 1891, um corpo de Caçadores 1 destrói a povoação de Némanacó e mais seis. Em 1897, em Fevereiro, as forças militares, já então com destacamento permanente no Oio, infringiram um revés aos soninkés, depois de vários e encarniçados combates.
Em 1902 os soninkés obrigam a novas operações militares.
Em 1908, no Cuór, Infali Soncó, coadjuvado por seu sobrinho Boncó Sanha (régulo de Badora, mercê dos portugueses) subleva-se, tendo sido necessário desencadear várias operações militares para o submeter.
Mesmo perante os constantes fracassos, os soninkés não desistem de revoltas contra a ocupação e, por isso, em 1910, a seguir a uma outra tentativa, os portugueses tiveram necessidade de lhes aplicar um correctivo, muito embora, mais tarde, se verificasse a insuficiência deste, em face das atitudes assumidas.
Vem o ano de 1912 e com ele Teixeira Pinto, que imediatamente dirige a sua atenção para o Oio. Interna-se nesta região disfarçado de inspector comercial estudando as condições estratégicas e de defesa dos soninkés.
Conhecidas as povoações melhor defendidas e as condições económicas dos indígenas, iniciou a marcha sobre os soninkés em 14 de Maio de 1913, batendo as povoações de Cambajú, N'aron e Dandú (fim do mundo, em Mandinga), da área de Bissorã, seguiu pelo Oio dentro até Gendú e toda a margem esquerda do rio Farim.
Rapidamente batido o Oio, pois a 27 de Junho daquele ano foi dissolvida a coluna de operações, Teixeira Pinto dirigiu a sua actividade para outros pontos de rebelião.
Com a submissão daquele núcleo, o Oio, operou-se, imediatamente, uma transformação do espírito do indígena. Compenetrou-se do domínio português, uma vez verificada a insistência na ocupação dos territórios, entrou pelo caminho do desenvolvimento agrícola, mostrando-se, posteriormente, pacífico.
A ocupação do Oio, devido às medidas administrativas adoptadas, não satisfez inteiramente as necessidades da sua população. Antes do território ter sido batido pelos portugueses, já os indígenas tinham a sua organização política restringida a chefes de tabanca, cada um destes com limitada ingerência na vida dos habitantes. Os soninkés haviam conhecido em "Turu-Ban" até onde podia chegar a nefasta actuação dos grandes chefes de território e, assim, trataram de se integrar dentro daquelas modalidades, pondo-se a coberto de novos predomínios, mesmo dos da sua raça.
Cada aglomerado de população (tabanca) administrava independentemente os seus actos por intermédio de agente (talvez mais como poder moderador), sem atritos nem alterações que prejudicassem a sua vida.
O Governo português resolveu, a título de recompensa pelos serviços prestados, colocar à frente do regulado do Oio (então e propositadamente criado) o tão conhecido Abdul Indjai, djôlofo nascido na Gâmbia, de tribo diferente da que ia administrar.
Abdul, dotado de espírito aventureiro, foi-se insinuando, durante as operações militares em que tomou parte, no ânimo de Teixeira Pinto a ponto deste oficial promover junto do Governo a concessão de algumas prerrogativas, entre as quais a respectiva investidura como régulo do Oio.
Para tal lugar havia deitado as vistas em 1913, isto a avaliar pelo que ele mesmo chegou a afirmar.
Esperto e com fama de valentão, pouco tempo depois de assumir a direcção daquele povo, instituiu o grupo de célebres "ejauras" (nome dado à quadrilha de suruás, que compunha a sua corte) para poder pôr em prática o preconcebido plano de assassinatos e roubos, todos habilmente orientados do seu quartel-general em Mansabá.
Quatro anos passados à frente desse formidável bando de criminosos, bem armado e municiado, julgou-se com força para fazer imposições ao Governo que ali o colocara e que, num dado momento, em vista de tantas solicitações da autoridade administrativa, se preparou para pôr cobro aos desmandos.
O seu carácter de bandido e ladrão astucioso estava descoberto e, portanto, só restava jogar com o amo a ultima cartada: mostrar-se armado com grossos efectivos que acudiam do Senegal ao Oio - fonte inesgotável de gado e dinheiro - exibidos grotescamente em Farim, e fazer exigências atentatórias da autoridade colonial, pondo em causa os direitos de soberania.
Nada foi aceite e as tropas portuguesas marcharam para o Oio em socorro de uma coluna bastante dizimada e empobrecida por Abdul.
A breve trecho, a Calábria africana, o Oio, sentiu o peso das operações militares iniciadas em Julho de 1919 e terminadas com a prisão de Abdul e sequazes, levada a cabo a 4 de Agosto no meio da satisfação dos habitantes.
Nada justificava a atitude de Abdul. Nem aquelas hipotéticas "razões subterrâneas e inconfessáveis" que alguém pretendeu apresentar como causa de tão graves delitos.
Depois de tanto crime, tanta luta de autoridades administrativas e militares para os evitar, e tanta fanfarronada de Abdul que dizia "que desta vez morreria mas não se entregava", tudo acabou por uma prisão vulgar, miserável até, sem um gesto de revolta íntima contra tão ridícula aventura.
E com Abdul acabou a luta contra os portugueses.

* De Henry Labouret "Terre et La Vie".
"Geografia Antiga e Moderna", Botelho (Ed. 1878)
__________
Nota do editor: adaptação do texto da responsabilidade do editor.

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Mandingas, ou um pouco da história da Guiné

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via Guiné, ir e voltar de Gil em 23/04/08
Origem e localização
"A tomar como verdadeiros os elementos escritos legados pelos árabes, acerca da provável origem do grupo étnico mandinga, constatamos que os seus descendentes provêm do cruzamento de autóctones com negros oceânicos da segunda invasão (sucessores dos bantús, da primeira) e brancos do Mediterrâneo. Os segundos, quando há milénios passaram o Equador para a conquista de um "habitat" favorável á sua fixação, invadiram as vastas regiões de Massiná e Hodh, então de máxima fertilidade, chocando-se com os negros aborígenes pelo sul. Os brancos do Mediterrâneo, por sua vez, impulsionados pelo mesmo desejo de fixação, vieram sobre as massas negras. Estabeleceram-se os mais variados cruzamentos e, muito provavelmente, dessa miscelânea nasceu o grupo negro "báfur" – designação dada na Mauritânia a toda a população das regiões de Hodh, Uagadu e Massiná.
Nos primeiros anos da era de Cristo, um povo de origem semita, e de civilização adiantada, entrou no Saara e, caminhando para o centro, encontrou o referido grupo "báfur" com o qual manteve contacto durante muitíssimos anos – séculos talvez. Com um evidente predomínio sobre o grupo negro, os semitas teriam modificado profundamente o modo de vida da população e produzido, segundo uma maior ou menor duração dos contactos, outros elementos étnicos com características ou condições especiais que autorizaram a sua diferenciação.
Apareceram em consequência de tais uniões, partindo-se do princípio que o "báfur" constitui o tronco genealógico dos chamados negros sudaneses, segundo os mais autorizados estudos, os seguintes grupos: sonrhai, a leste; seréré, a oeste; e uangará, ao centro e ao sul.
Posteriormente, com as varias invasões de semitas e afins, nómadas e sedentários, também de civilização superior, vieram a formar-se outros grupos saídos das uniões com os três atrás referidos (sonrhai, seréré e uangará), dando lugar ás modernas famílias negras do Sudão: sarakolé ou soninké e fuibés ou fulas. Os primeiros provêm da união de uangarás negros e semitas sedentários e os segundos da de serérés com semitas nómadas. Foi desta mestiçagem de semitas brancos com negros diversos, estes também cruzados entre si, que veio a massa de população denominada genericamente "negros do Sudão", espalhada nas regiões das margens do Níger ao Senegal, até ao Saara Sul.
Partindo-se, portanto, daquela base de formação dos grupos referidos, verifica-se que, depois, as ondas invasoras do centro de África, umas provenientes do norte (berbéres-tuaregues) outras do leste (negros etíopes), deixaram largos vestígios da sua influência, verificáveis por traços étnicos uns, e por determinadas facetas dos usos e costumes, outros.
Interessam mais directamente á finalidade em vista os sarakolés ou soninkés e os fuibés ou fulas, porque destes saiu a massa invasora da Guiné Portuguesa. Os primeiros porque, constituindo o grupo mais numeroso e importante, deram origem ao mandinga, e o segundo porque deu a existência á facção fula, tão interessante sobre o aspecto étnico e psicológico.
Ao analisarem-se as influências exercidas pelas uniões da população autóctone do centro de África com as do litoral e com as invasoras (brancas e negras) destaca-se o limite provável da respectiva zona de acção. A maior ou menor duração daquelas uniões deixou os seus vestígios, isto a avaliar pelo cabelo, pela pigmentação e pelo aspecto físico geral.
O soninké, fugindo ao cerco dos berberes, quando esta falange quis predominar no Hodh e Massiná e encostando-se aos negros etíopes e aos núbios que também disputavam a supremacia, manteve mais diferenciadamente as principais características da raça de origem e impediu assim a adulteração do seu fácies primitivo, embora já viesse bastante mestiçado. A cor preta mais ou menos acentuada, o cabelo encrespado, o nariz achatado, a boa constituição física, o apego á terra e umas outras tantas características peculiares ajudam a sustentar aquela opinião.
Contrariamente, o seréré, por circunstancias várias, entre as quais se destaca a situação geográfica da região a leste da Mauritânia, estava colocado em posição de difícil defesa contra os elementos étnicos diferentes (semitas e berberes), e, portanto, quase impossibilitado de impedir o predomínio de civilização e até de número. Enclausurado entre os mouros (a oeste), os sonrhais (a leste) e os soninkés (a sul), recebeu o embate do norte que, além de duradouro, foi decisivo para a formação do tipo especial – que é o fula, de cor acobreada, estatura alta, o cabelo encaracolado ou um pouco corredio algumas vezes, carácter nómada, difícil de congregar para a formação de um meio social estável, franzino, sem qualidades físicas que o permitam impor-se pelo cruzamento a qualquer outro grupo.
Consoante os movimentos produzidos pelas invasões, vamos assim encontrar estas duas facções indígenas: a soninké (hoje mais propriamente designada por mandinga) e a fula. A primeira, que tem a sua pátria provável na região de Mandên situada na margem esquerda do Djalibá (Níger) e sob o habitat mandinga— próximo do actual Bamako, é, por assim dizer, uma das principais do Sudão, quer olhada pela sua importância numérica, quer sob os aspectos político-religiosos. Procurou sempre internar-se para o centro. A fula, impossibilitada pela mandinga de penetrar para o interior, cingiu o seu domínio ás regiões a oeste de Uagadou e de Massiná, sempre empurrada para o litoral — Futa-Tóró, Bandu e Futa--Djaló.
Com o decorrer do tempo vieram as lutas religiosas e de predomínio dos povos habitantes do norte de África e, portanto, novamente em descida vertiginosa sobre as populações negras do litoral e do centro. Aqueles, fascinados pelas doutrinas de Maomé, quiseram conquistar adeptos nas massas feiticistas (animistas?). Vieram, até junto destas, pregadores e conquistadores que, aproveitando certas afinidades étnicas com alguns povos, conseguiram impor a sua religião aqui e ali. Noutras regiões, porém, distanciadas pela ordem de cruzamento e pela diferença psicológica, foram repelidos, provocando êxodos consideráveis, mas também algumas conversões. Chegou, então, a necessidade de determinar os grupos da "família mandinga", segundo as crenças religiosas de cada facção. Uns, os convertidos ao islamismo, optaram pela denominação de mandingas — nome da região considerada sua pátria, Mandên, outros, os fetichistas (feiticistas, animistas?), ficaram com a primitiva designação da raça, soninké.

Muito embora dentro da própria "família mandinga" estejam consideradas algumas subdivisões, umas provenientes da referida diferença de crenças religiosas, outras por questões políticas ou económicas, actualmente elas só devem ser observadas segundo os índices populacionais ou pela situação geográfica do território habitado. De todas as divisões actuais* é a de M. Delafosse a mais consentânea com a posição dos grupos estabelecidos na Guiné e, por isso, será a seguida neste trabalho.
Consideram-se ali, quanto aos estabelecidos no Sudão, os seguintes:
Ao norte: bonzos, soninkés e djôlás;
Ao centro: kagôros, bambarás ou markas, kassonkés e mandingas propriamente ditos;
Ao sul: djàlonkés, samôròs e siás.
Ora, observadas as nomenclaturas convencionadas, verifica-se simplesmente que a maioria dos grupos foi procurar a sua designação no nome da região respectiva: bambarás na área de Bambara ou Marka; kassonkés na de Kassó (homens de Kassó ou Kasso-n'ké); djàlonkés na de Futa-Djalon, a leste do maciço do mesmo nome (homens de Djàló ou simplesmente Djàló-n'ké), etc.
O primitivo habitat da "família mandinga" está provavelmente situado entre 10° e 15° de latitude norte e 4° e 1o°,5o' de longitude oeste Greenwich. No entanto, actualmente, devido às pugnas internas e às necessidades de expansão, aquelas proporções foram avolumadas dando lugar a, de um modo geral, poder ser considerado como a enorme área territorial cercada pelos paralelos 10° e 15° de latitude norte e 4° e 16°,5o' de longitude oeste Greenwich. Dos confins do Sudão estende-se para o litoral ocidental abrangendo os 36.000 quilómetros quadrados da actual Guiné (Bissau); aquele trapézio rectângulo, delimitado pelos paralelos e meridianos referidos, tem uma área calculada, grosso modo, de cerca de 640.000 quilómetros quadrados e alberga uma população de 3.400.000 indivíduos só da "família mandinga", segundo os censos publicados.
Pelo exposto verifica-se que estamos em presença de indivíduos da raça negra da África, fortemente mestiçados com outros componentes étnicos, enfileirados dentro do grupo sudanês e com tendências linguísticas que podem caber ao ramo bantú (segundo F. Muller).
Tratada como está a sua generalidade, passamos agora a considerar os mandingas (islamizados e fetichistas), dentro da parte restrita que interessa ao estudo, isto é, apenas os agrupamentos que se fixaram nos territórios mais tarde integrados na Guiné (Bissau). De resto, como presentemente se observam diferenças sensíveis nos costumes, na organização social e até na língua, não há razão nenhuma para ligar intimamente povos que perderam, através de algumas gerações, bastantes traços que chegaram a ser comuns.
Este povo invasor é constituído, na Guiné, por três elementos da "família mandinga":
O mandinga, propriamente dito (o islamizado);
O soninké ou soninkêó (o fetichista); e
O djôlá, procedente de Djôládu (terra de Djôlás), aqui impropriamente designado por beafada.
A importância política e numérica dos dois primeiros é patente, como patente está o desvirtuamento do último, quase a desaparecer pela infiltração de outros ou absorvido pelo maior número.
Segundo os censos oficiais (da época, nota do editor) o mandinga representa 41.000 almas, mas não se errará afirmando que deve ultrapassar 50.000; está distribuído muito irregularmente em consequência das antigas lutas políticas e religiosas pelas regiões de Patchisse, Maná (Gabu), Gussará, Ganadú, Badora (Batata), Caniço e Oio (Farim e Bissorã) e o seu habitat pode ser calculado, também grosso modo, na Guiné (Bissau), com uma superfície de cerca de 6.000 quilómetros quadrados.

História

A história está sempre ligada à proveniência de cada povo e, assim, nesta ordem de ideias, vamos buscar os principais factos relacionados com a formação, expansão e êxodo dos mandingas desde a sua origem até à entrada na Guiné (Bissau), para que se possam conjugar as variadas alternativas de poderio ou supremacia de tal grupo.
Tomando como exactos os muitos elementos escritos da tradição árabe, os semitas, penetrando na África, atingiram a parte ocidental de Massiná conduzidos, em época impossível de estabelecer, pelos chefes Kará e Gama, procedentes da então Uagadou.
Encontraram os negros uangarás, nascidos e fixados nessas regiões havia, provavelmente, alguns séculos, pois que já tinham grande desenvolvimento as povoações de Kumbi (Gana, segundo os árabes) e Nema.
Uma outra onda de semitas (brancos), esta procedente de Tuat, juntou-se à de Massiná e, sob a sua autoridade e orientação, subjugaram os negros autóctones, mantendo com eles uniões sucessivas e longas que deram origem aos sarakolés. Assim, nos princípio da Era Cristã, estava já alinhavada a base da fundação do primeiro império do Sudão – o de Ganá para os árabes e de Kumbi para os negros – que teve à sua testa, antes de quaisquer outros, príncipes semitas brancos em número de 44 (tradição oral dos árabes). Por circunstâncias muito difíceis de estabelecer, a direcção dos destinos desse império passou, talvez, pela mais aturada mistura de sangue negro (etíopes e núbios) à posse do grupo nascido daquela união com semitas: sarakolé ou soninké.
Calcula-se que os negros se apossaram das rédeas do governo à volta de 850 da Era Cristã, pela audácia da família sarakolé "Sissé", que passou a reinar, ramificando-se, muito mais tarde, para o ramo "Sissé Tuncará". Este ramo foi o que maior impulso deu à administração de Kumbi, talvez até porque pressentisse a aproximação dos berberes, cujo contacto com os sarakolés data da referida época.
No século X (Era Cristã) o império de Kumbi estava firmado pela força de expansão, absorvendo outros domínios negros de Diakà e Tagant e do Sanará ao Senegal. À autoridade e força do governo de Kumbi sujeitaram-se todos os povos vizinhos, nos quais se incluem os próprios berberes do grupo "Lentuma".
A exploração das minas de ouro, o comércio de permuta, o tráfico de escravos e os consideráveis tributos exigidos às massas vassalas, deram grande fama ao reino de Kumbi, despertando a cobiça de muitos.
Os mercadores árabes, seduzidos pelos lucros do comércio de ouro das minas de Gangará, Bambuk e Falemé (dependentes do reino negro) e pelo tráfico de escravos destinados às feiras do Cairo e Bagdad, não sentiam sequer as dificuldades e privações da grande travessia.
O império dos almorávidas, em Marrocos, alargando os seus tentáculos para o sul, quis submeter o negro tirando-lhe a força e a riqueza, porque Macan (dono do ouro e do território) desafiava, arrogante, os vizinhos. Yaiaben Ornar foi encarregado de, diplomaticamente, conseguir a subordinação de Kumbi, mas, mal sucedido, retirou-se. Então, em 1076, depois de violento combate, Kumbi caiu às mãos dos almorávidas que, profanando todos os lugares sagrados dos "Sissé", pilharam a povoação, massacraram parte dos habitantes e obrigaram a outra a converter-se ao islamismo.
Durante algumas dezenas de anos (talvez 70) as riquezas de Bambuk passaram para os berberes.
Após a reconquista da independência, os negros verificaram a impossibilidade de consolidar um Estado politico da grandeza do de Kumbi, porque a perturbação causada pela submissão, o pouco tacto dos governantes, aliados à superstição criada pela morte, pelos berberes, da serpente sagrada (Uagadu-Bida) protectora dos monarcas, e aos fenómenos atmosféricos que alteraram o regime das chuvas, produzindo a esterilidade do solo, colocaram a população entre a morte pela fome ou a fuga e, consequentemente, o abandono de todos os projectos (inicio do século XIII).
A dominação berbere trouxe, além de outras consequências, a ideia de formação de pequenos Estados vassalos de Kumbi e disso resultou praticamente a independência de alguns reinos.
Em 1203, os sossos, até então vassalos, comandados por Sumanguru Kanté, atacaram e venceram os soninkés obrigando-os a prestar vassalagem, isto depois de Kanté ter maduramente premeditado e estudado as maiores traições e barbaridades de que resultou o assassinato, por sua ordem, dos onze principais soninkés.
Os mandingas (os islamizados), que sempre acalentaram a ideia do seu predomínio, vendo a perturbação causada com a submissão dos soninkés aos sossos, estes já estabelecidos em Nêma, próximo de Kumbi, aproveitaram a oportunidade para sacudir o jugo de uns e de outros, construindo o seu sonhado reino. Para tanto dispunham de um valoroso chefe, Sundjata Keta que já então se intitulava imperador dos mandingas. Sundjata, organizada a ofensiva, caiu sobre o rei sôsso Sumangura e, na batalha de Kirianá, em 1235, bateu-o. No entanto, Nema continuava insubmissa para os mandingas, mas, em vista do êxito de Kiriná, por volta de 1240, foi destruída ferozmente, consolidando-se daí o poderio de Sundjata.
Estavam passados 164 anos sobre a queda dos berberes, e os mandingas faziam grandes esforços para dominar as correntes políticas e ambições dos vários grupos étnicos eivados das tendências daqueles. Sundjata, embora novo e activo, não podia acudir inteiramente à desordem que vinha do antecedente, mas procurava atenuar o êxodo da população fazendo-a crer que, reunida e comandada, poderia enfrentar melhor o problema. Era muito difícil ordenar as coisas e conseguir a colaboração de todos porque a reacção dos elementos avassalados, mesmo daqueles com intimas afinidades de raça (sarakolés, djôlás, etc.), pretendia destruir aquilo que tanto esforço custara. Mas, foi, pode dizer-se, Sundjata Keta o fundador do segundo império negro, o império de Mandên, digno sucessor do de Kumbi.
Estava mais ou menos lançada a ideia religiosa do Islão, desde a conquista dos berberes (1076) e isso concorreu para que não pudessem ser aplanadas as desinteligências geradas no meio. Porém, nem todos os povos aceitaram de bom grado o novo credo religioso. Em face disso a propaganda assumiu foros de verdadeiras atrocidades, pelo que tiveram de se impor pela força das armas aos mais avessos à penetração dos fanáticos das doutrinas de Maomé.
O ramo de mandingas, vassalo de Kumbi até 1203 e dos sossos até 1235, a cujos destinos presidiu sempre a família "Keta", pelo lado varonil e "Kanté" pelo feminino, habitava o planalto mandinga, na margem esquerda do Djalibá (Níger) próximo de Bamako, e assim recebia influência do islamismo proveniente das regiões do leste. Entre 1315 e 1218 já um dos reis, de nome Mussá, mais conhecido por Alah-Koi (Deus branco), seguindo o exemplo do seu antecessor, Baramendaná Keta, primeiro peregrino a Meca, envia a esta cidade santa quatro dos seus filhos a fim de conhecerem as riquezas dos Estados negros. Destes proveio, muito provavelmente, a formação mental de Sundjata Keta, segundo filho do rei Fumaga.
Proclamado, após a queda de Nema, imperador de Mandên, Sundjata reuniu à sua volta um grupo de homens activos, lançando-os, sob a sua orientação, na reconstituição do poderio mandinga. Para seu lugar-tenente escolheu Amari Soncó, mais tarde célebre pela audácia. A este entregou o governo dos territórios anexados a Mandên pela conquista ou pela infiltração política.
Em poucos anos o império de Mandên estendia o seu predomínio sobre os reinos de Bélédu, Diàká, Uagadil e Kaarta e Bambuk e Bundu, estes dois últimos entregues a Amari, visto que só ele conseguira fazer sentir a influência dos mandingas até aos djolôfos, no Tekrur e na Gâmbia, engrandecendo-os e à autoridade de Sundjata, e reconquistando os antigos soninkés de Kumbi.
Kankaran, situado entre os rios Bafing (Bàh-fin, ou rio preto, em mandinga), Bákoi (Bah-kôhió, ou rio branco) e Tinkissó; Konkodu (lugar das altitudes ou da fome, em mandinga), situado ao sul de Bambuk, que só veio a consolidar-se definitivamente no reinado de Mansa Ulên (Rei Vermelho) e à testa do qual ainda no XIX século estava um Keta; e Bambuk, situado entre o Falémé e o Bafing e que era atravessado de norte a sul pela famosa cadeia aurífera de Tambahura, foram também outros tantos Estados formados pela energia dos auxiliares de Sundjata. O último (Bambuk) foi alvo de uma grande acção de Mussá Sissôko, no sentido da sua pacificação, e que, com bastante habilidade, chegou a obter de Sundjata a autorização precisa para o dividir politicamente em pequenas fracções entregues à responsabilidade de seus filhos. A Mussá se deve a grande propaganda do islamismo no Estado de Bambuk.
Após uma série de lutas e contrariedades, Sundjata Keta veio a falecer em 1255, em consequência de um ferimento recebido numa grande festa pública, segundo uns, ou afogado no rio Sankari, perto de Niani, segundo outra versão que parece ser mais verdadeira. A sua influência e poder foram de tal ordem que ainda hoje o seu nome é lembrado com saudade e cantada a sua heroicidade; os mandingas do Alto Níger veneram-no, fazendo do presumível lugar da sua morte um canto sagrado de peregrinação e onde celebram várias cerimónias com sacrifício de animais.
Sucedeu-lhe Mansa Ulên (Rei Vermelho), seu filho mais velho, que ocupou o trono durante 15 anos (1255-1270). Durante o seu reinado intensificaram-se as relações com os povos islamizados, devido ao seu feitio fanático. Por sua morte o trono foi concedido a um seu irmão, mas pouco tempo depois usurpado por Abú Bakar, sobrinho de Sundjata (1275-1285). Neste último ano esboçou-se uma revolta acompanhada de grandes manifestações de desagrado contra Abú Bakar que, em vista da agitação política e de um golpe de audácia praticados por Sakurá, servo da casa reinante, foi deposto.
Sakurá conseguiu, por meio de alguma astúcia, exercer grande preponderância sobre os chamados "nobres", detendo o poder durante 15 anos. Foi morto quando regressava da peregrinação a Meca, próximo de Djibuti.
A usurpação do trono feita por Sakurá, relegou os "Keta" para segundo plano, impossibilitados pelos manejos daquele de o reaver. Mal chegou a nova da morte do usurpador, um descendente do verdadeiro ramo dinástico foi proclamado imperador, com as pompas devidas.
Em fins de 1307 foi proclamado Kankan Mussá, também conhecido por Gongo Mussá (Gongo era o nome da mãe), que se conservou no poder durante 25 anos (1307-1332) levando ao máximo o predomínio dos "Keta", a ponto de ser justamente considerado como o mais digno imperador de Mandên, depois de Sundjata.
Conta-se que em 1324-1325 empreendeu uma peregrinação a Meca, fazendo-se acompanhar de cerca de 60.000 pessoas, entre as quais 500 escravos carregados de ouro em barra e em pó. De regresso trouxe o célebre poeta árabe Ibrahim-el-Sahèli e um filho dos soberanos almohades, de nome El-Mamer, este procedente de Ghadamés (Tripolitânia). Aquele poeta descreveu, largamente, em verso, a grandeza do império de Mandên, celebrando o seu dirigente e o povo.
Ainda no deserto de Saara, a caminho de Ninani, apareceu ao encontro de Mussá o grande guerreiro Saca-Mandiá que vinha trazer a notícia da submissão dos sonrhais, de Tombuctu e Gao, ao domínio mandinga, regiões estas que marcam os limites extremos da expansão daquele império. Entusiasmado, Mussá dirigiu-se logo para Tombuctu a receber os protestos de vassalagem do povo, e a Gao onde o régulo Assibai, rendendo as maiores homenagens ao seu poder, lhe entregou como reféns dois dos seus filhos. Um destes, passados 10 anos, numa correria célebre e num gesto de heroicidade, libertou o seu povo da tirania mandinga, fundando a grande dinastia de Sonin, em Gao.
Influenciado pelos dois estranhos da comitiva – El-Mamer e Ibrahim – que lhe mostravam os inconvenientes, para a propagação do islamismo, de um dos maiores chefes negros residir em palhotas cobertas de palha, Mussá incumbiu Ibrahim, conhecido também como arquitecto, da construção de uma mesquita toda em tijolo de barro cozido, digna da superioridade do culto maometano. Marca esta medida através da história a importância da civilização árabe no Sudão, porque o género arquitectónico de Saheli era inteiramente desconhecido dos negros. Foi o ponto de partida para outras construções similares no império mandinga, e mais tarde até no Alto Volta, porquanto as famílias reinantes habitavam as tradicionais palhotas cilíndricas.
O governo de Mussá fixou uma época de intenso progresso em todos os ramos de actividade e sob a sua superior orientação a expansão do império ficou largamente assinalada. A riqueza do Estado e a da população, graças ao comércio intenso (até o de escravos) e à exploração hábil das minas de ouro, concorreu para colocar Mandên ao lado dos mais prósperos Estados muçulmanos ou cristãos daquela época.
Nessa altura, os árabes estendiam a sua influência sobre as populações negras do Sudão, exercendo um certo predomínio espiritual.
Macan, filho de Mussá, foi proclamado em 1332, em consequência do suicídio deste. Reinou até 1336, deixando poucas saudades porque o julgaram responsável pela independência de Tombuctu, levada a efeito por Yatenga, em 1333, massacrando os mandingas que ali estavam de guarda. Sucedeu-lhe seu tio Suleimane que reinou 23 anos (1336-1359) sem que nada de notável tivesse acontecido. Ficou conhecido na história porque durante o seu reinado Nêma foi visitada (1352) pelo explorador árabe Ibn Batuta que tão bem descreveu o povo mandinga pelas observações feitas durante a passagem pelo centro do Sudão.
Em 1359, Mari Djata II (porque Sundjata também foi conhecido por Mari Djata) destrona Kamba, colocado pouco tempo antes. Mari não tinha qualidades para se impor. A sua crueldade, a prodigalidade e o deboche na corte, fizeram com que o império se depauperasse, legando ao sucessor um bloco muito carcomido. Entre outras acusações que lhe são feitas avultam as que respeitam à despreocupação com que mandava assassinar qualquer pessoa e à venda a mercadores egípcios da jóia considerada pertença da coroa dos "Keta", uma pepita de ouro de enormes dimensões.
Veio a morrer em 1374 com doença do sono, segundo as mais acreditadas versões, sendo-lhe, talvez justamente, imputada a responsabilidade de ter, com as más medidas, iniciado a desagregação de Mandên, verificada cerca de século e meio mais tarde.
O monarca seguinte, Mussá II, excessivamente fraco e indolente, mostrou logo a incapacidade de deter a coroa. Valeu-lhe, no entanto, a actividade do seu primeiro-ministro, Djata, que de facto era praticamente o rei.
De 1387 a 1400 acentuou-se, de uma forma alarmante, a divisão do império. A repetição (início do século XV) dos fenómenos atmosféricos semelhantes aos verificados no século XIII, agravada com as contendas políticas internas, indicou a próxima decadência de Mandên.
Mussá III e Mussá Ulên U, que se sucederam num pequeno período de tempo, auxiliaram muito a desunião dos principais elementos de preponderância política. A fraqueza demonstrada na execução dos actos administrativos, nomeadamente na escolha de régulos para os territórios vassalos, e a falta de ponderação dos orientadores dos monarcas, teve uma enorme influência nos acontecimentos que causaram o desmembramento. Por um lado os actos de terrorismo praticados pelos régulos e por outro as manifestações do povo no sentido da independência dos Estados, segundo a massa étnica, fizeram pouco a pouco a desgraça de um dos maiores impérios negros do Sudão.
Para amenizar a responsabilidade dos que mais directamente procuraram aquele estado de coisas, contam que Alá, o grande condutor dos povos muçulmanos, cansado de ver tanto destrambelhamento e falta de tacto dos mandingas, no intuito de os castigar severamente, ordenou a retracção das chuvas para produzir a fome e mandou o exército divino, representado por anjos armados de espadas, a fim de exterminarem os chefes, entregando o mando a quem melhor soubesse orientar o povo.
De tudo isto nasceu a separação dos territórios quase todos chefiados por indivíduos que sempre manifestaram, embora veladamente, uma orientação perfeitamente desencontrada com a dos soberanos. O primeiro, golpe foi vibrado pelo régulo flossi, de nome Bongá, que invadindo Massiná, conquistou todas as regiões até junto do lago Dêbó. Seguidamente, em 1435, os tuaregues tomam Tombuctu, desligando-se definitivamente dos mandingas.
De 1465 a 1473, pausadamente, os sonrhais proclamaram a sua liberdade quase sem efusão de sangue, desfazendo os laços tutelares que os uniam a Mandên. Por último, em 1480, o régulo Mossi de Yatengá vibra o golpe mortal, deixando os mandingas circunscritos apenas aos do seu próprio ramo étnico.
Ninguém tinha já dúvidas acerca dos destinos do famoso império, esfrangalhado por circunstâncias, políticas, morais e económicas inevitáveis. Se um ou outro monarca teve sérias responsabilidades ligadas ao fim de tão importante Estado, essa responsabilidade é restrita em atenção ao muito que as circunstâncias e a época fizeram.
Os inimigos do Estado mandinga não desarmavam, certos de que a ocasião era propícia para vibrar as machadadas precisas ao desmantelamento da unidade política. As fronteiras estavam limitadas ao que primitivamente fora o reino mandinga, ou pouco mais; tinham desaparecido, como por encanto, as grandes áreas conquistadas pelas armas ou por mera absorção. Mandingas, soninkés, djôlàs, etc., todos pertencentes ao mesmo tronco étnico, tentavam, ainda, congregar esforços no sentido de evitar um total predomínio de outros elementos, predomínio quase iminente pelo ataque de numeroso inimigo externo, então mais do que nunca espicaçado pela cobiça e por estranhos que aproveitavam o campo assaz especial e benéfico para o desenvolvimento da propaganda do islamismo. Mas tudo isso não ultrapassou o domínio das alternativas políticas.

Já então os portugueses estavam na posse de uma parte do litoral ocidental da África, em contacto com a Mauritânia e com a população do baixo Senegal (1436), penetrando até ao coração do Sudão embaixadores encarregados de negociar um pacto de comércio com as populações mandingas e afins. Não se errará afirmando que foi dessa penetração dos portugueses no Sudão, entendendo-se directamente com os monarcas, que nasceu entre os povos selvagens e os primeiros europeus que eles conheceram um entendimento perfeito e as boas relações ainda existentes. Isto mesmo afirmou o abade Durand, professor da Universidade de Paris, explicando claramente que as regiões tropicais exploradas há poucos anos pelos americanos e por europeus, já tinham sido objecto de rigorosa observação e estudo por parte dos portugueses nos séculos XV, XVI e XVII.
As visitas que os portugueses fizeram à costa ocidental durante o período áureo das descobertas, nomeadamente a ida, cerca de 1455, a Tombuctu onde trataram do comércio de ouro e escravos, e mais tarde a descoberta da Guiné, consolidaram fortemente as relações entre os povos do interior e os do litoral. Tanto assim é que, depois de terem estabelecido fortalezas e feitorias na costa, e, portanto, considerados vizinhos brancos mais próximos do reino de Mandên, Mansa Mamadú, que ocupou, o trono de 1481 a 1496, solicitou-lhes protecção contra os ataques dos inimigos, protecção que não foi possível prestar em vista das condições especiais em que os portugueses se encontravam.
A permanência em Niani dos portugueses que anteriormente haviam tentado uma ligação entre as minas de Eambuli e o litoral, servira nesta última conjuntura para animar Mansa Mamadú a fazer o referido pedido de protecção, tão gratas eram as recordações deixadas. Quase todos aqueles heróis baquearam em terras vizinhas de Mandên, uns devorados pela acção do clima e pelo caminho, outros massacrados e comidos pelos povos antropófagos.
Decorrera um período de intranquilidade provocada pelos inimigos. Passado esse tempo, Mandên entrou numa fase de relativo progresso, durante a qual recebeu a visita do viajante Leão, o "Africano", nos primeiros anos do século XVI. Segundo este, Niani, que ao receber a corte negra se tornara a capital, era habitada por 6.000 famílias, entre as quais figuravam artistas e comerciantes.
O islamismo, em virtude do golpe final vibrado pelos reis de Espanha em 1495, expulsando os seus últimos baluartes da península, virara a sua atenção para o centro de África em busca de um maior desenvolvimento, passou a digladiar-se com o fetichismo (animistas?), pretendendo impor-se numa guerra sem tréguas.
Então, como nunca, exterminava violentamente todas as populações que tentassem opor-se-lhe por qualquer forma, bradando o seu espírito intolerante. Onde a força de armas dos sectários de Maomé não podia chegar, entrava a intriga, a espionagem e todos os actos degradantes para preparar terreno às revoltas internas entre os mais renitentes.
Assim, depois de passados 480 anos (1050-1530), entre as populações negras do Sudão ainda não tinha conseguido reunir adeptos fervorosos capazes de garantir a supremacia religiosa, de absorver os restantes. Não tinha, mesmo sem outras competições, depois de tanta actividade, passado do campo da conveniência de muitos e do snobismo de alguns; convictos, absolutamente invulneráveis, eram em tão reduzido número que não ficaram registados. Logo que diminuísse a acção dos pregadores, diminuía também o fervor religioso dos convertidos, voltando ao mais grosseiro feiticismo, à barbárie primitiva sem a mais insignificante noção dessa retroactividade.
O grosso da população só se servia das partes da religião do Islão que mais lhe conviesse, fazendo uma amálgama dos dois credos (islamismo e feiticismo) que adoptava segundo as conveniências do lugar ou do meio.
Os fulas ocupadores do Futa-Tònò, que, num caminhar constante para o sul, entre o Falémé e o Gâmbia, vieram ocupar a região do Futa-Djalon, nome da parte montanhosa, estavam, principalmente as facções vindas do Tèrmes, imbuídos do muçulmanismo e, em conquista de adeptos e de supremacia de poder, atiraram-se sobre os mandingas com os dois referidos fins.
Koli Tên-hêlá, régulo do Futa-Djalon, entre 1530 e 1535 arma um exército, empreendendo com ele a conquista dos reinos vizinhos. Ataca impetuosamente o monarca de Mandên, Mamadu II, que, conhecendo os portugueses estabelecidos no baixo Senegal, relativamente a pouca distância de Niani, lhes pede protecção e socorro no sentido de repelir os fulas.
Ora atacados por Tén-hêlá, ora por povos vizinhos da mesma raça mas ciosos de uma supremacia, Mandên foi afinal desaparecendo, dividido por fulas, retalhado por bambarás, djôlas, etc.

Entre 1530 e 1550, deve ter sido a época provável do êxodo de mandingas e soninkés para as regiões do baixo Gâmbia, alto e baixo Casamansa até à Guiné-Bissau, êxodo que teve a sua origem nos vários factores político, moral e económico absolutamente palpáveis.
A tradição oral vinda até nós diz que à frente dos grupos que penetraram nos territórios da actual Guiné, Firdú, etc., vinham dois chefes importantes: Coli Mané e Irá Sani, troncos dos ramos dinásticos que imperaram nas regiões que vieram a pertencer a Portugal. A fuga obedeceu a um plano preconcebido e uma orientação baseada na ideia religiosa-supersticiosa: os pontos cardiais Gâmbia (norte), Kàkândè (sul), Tilibô (nascente) Tilidji (poente) e a selecção dos grupos fugitivos pela eliminação dos responsáveis nos fracassos.
Dos primeiros anos do século XVII até 1670, apenas se tratou do rescaldo de tamanho incêndio, procurando cada grupo rácico a instituição de pequenos reinos independentes que garantissem uma tranquilidade relativa. Ao norte, os bambarás edificaram os reinos de Segú e Kaarta, tornando-se vizinhos próximos do fula; ao sul, o ramo sarakolé independente em Estado próprio; a leste os sonrhais já haviam embandeirado o trono com a expulsão do régulo mandinga; a oeste, os fulas, segundo as várias facções, tratavam de consolidar política e demograficamente a área compreendida entre o maciço de Futa-Djalon a entestar com Massiná, para o norte até ao Futa-Tòrò, embora intermitentemente, numa posse legítima daquilo que a desagregação dos outros lhe dava.
De todo o império restavam apenas pequenos núcleos mandingas desgarrados, sem força suficiente para impor um novo predomínio, cercados por reinos independentes. Do que era antigo só restava, como símbolo de um poder desfeito, Bambuk, reduto homogéneo e rico, à frente do qual esteve até ao seu esfrangalhamento, um "Keta" (Mama Macan), um dos chefes oriundos do ramo dinástico negro, detentor do poder durante muitos anos.
As regiões do leste de Futa-Tòrò, do sul da Gâmbia, do alto e baixo Casamansa, de Patchisse, Maná, Corlá e SanCorlá (estas quatro últimas da Guiné-Bissau), foram as escolhidas pelos foragidos mandingas e soninkés para a sua fixação após o desfecho da dramática queda de Mandên.

Há, pois, cerca de 400 anos que a faixa de território designada por Guiné (Bissau) recebeu a massa invasora de tão grandes tradições: a mandinga (islamizada) e a soninké (fetichista), vinda em busca de refúgio seguro que não conseguia encontrar na sua pátria ou imediações.
O mal, de que enfermou Mandên parecia contagioso. Os fulas de Tèrmes e de Massiná, estes durante muito tempo dependentes de mandingas, entraram, também, entre si, em luta pela supremacia de determinadas famílias nobres e pela imposição do credo muçulmano às massas feiticistas, mais conhecidas por fulas pretos, representados por elementos que menos se cruzaram com semitas. Aproveitando estas circunstâncias, os bambaras, vizinhos próximos, invadiram a parte de Massiná habitada por fulas, no segundo quartel do século XVII e subjugaram-nos. Aflitos com o domínio Bambara, iniciaram lentamente o êxodo para o alto e baixo Casamansa, onde a par de colónias mandingas já existiam agregados fulas, uns procedentes do Tèkrur (fulas pretos) e alguns de Tèrmes.
Durante o século XVIII assiste-se ao desmembramento dos regulados fulas do Futa-Tòrò pelas emigrações constantes para o sul, abrangendo a Gâmbia, alto e baixo Casamansa até à Guiné, fugindo às perseguições dos muçulmanos que impunham a aceitação do seu credo religioso pelas massas fetichistas, nomeadamente do bloco de "fulas pretos".
No final do século XVIII, "fulas pretos" procedentes de Toro e alguns de Búndu, iniciam, com a sua descida para o baixo Casamansa, a penetração na Guiné, com enorme intensidade, devidamente autorizados pelos mandingas, senhores do Gabú e de grande parte do Firdú.
Começa o século XIX e com ele novas migrações de "fulas pretos" (feiticistas) de Toro e de Búndu, estes em maior número; os primeiros, dirigindo-se para o sul, e os segundos para oeste, cada um procurava fugir à acção dos pregadores muçulmanos, internando-se em regiões onde a tolerância fosse um facto, porque até os próprio irmãos de raça (os fulas saídos de cruzamentos mais aturados com semitas brancos, maometanos intolerantes) faziam-lhes uma guerra sem tréguas. Desta onda migradora também beneficiou o território da Guiné Portuguesa.
Em todas as áreas referidas, existiam facções, maiores ou menores, de "fulas pretos", relativamente em boas relações com djôlofos e mandingas, que, imperando, autorizavam a fixação, talvez esperançados em apoderar-se pela torça das grandes quantidades de gado de que as hordas emigrantes se faziam acompanhar.
Ficam assim estabelecidas as direcções prováveis seguidas pelas massas mandingas e fulas em épocas distintas mas por motivos semelhantes, durante os períodos de migrações fixados nos séculos XVI aos primeiros anos do XIX, isto no tocante às que penetraram no território da Guiné.
De uma maneira geral foi abordada a parte histórica que mais interessa ao povo em questão, o mandinga, até à sua entrada na colónia. Daqui por diante só serão considerados factos ocorridos aquém-fronteiras, estes mesmos divididos em duas partes: a que podemos dar a designação de "Lutas religiosas e de predomínio entre negros" e a que diz respeito à "Oposição ao domínio da civilização europeia".
Certamente, os mandingas, após o seu estabelecimento na Guiné (Bissau), quiseram fundar um grande Estado político. Essa ideia, porém, não tomou vulto porque, fraccionados em grupos relativamente pequenos, se fixaram muito distantes uns dos outros, sem condições para obter uma rígida unidade política.
Os territórios formados, com as variadas designações, no Gabú, em Bafatá, em Farim e mais tarde em todo o Oio, dão uma ligeira impressão do que deveria ter sido o desenvolvimento primitivo.
A falta de dados escritos que ligassem os vários factos ocorridos e, ainda, a imensidade de personagens que actuaram nesses pequenos Estados, obrigam a pôr de parte a observação sobre cada um de per si, para tomar como ponto de partida só o bloco mandinga, como sendo o único que interessa ao caso vertente.
Com a necessária permissão dos mandingas, começou (fins do século XVII ou início do século XVIII), como já ficou dito, a entrada de grupos de fulas pretos (feiticistas) para se fixarem no Gabú. Como eram portadores de bastante gado, nomeadamente vacum, os mandingas viram neles excelente fonte de rendimento, num futuro próximo, tanto mais que a autorização para a feitura de casas dependia do pagamento de determinado tributo, e condicionado o levantamento de tabancas em lugares vizinhos da "reinança". Mas tudo foi aceite pelos fulas porque representava menos do que as atrocidades dos maometanizados.
Anos depois, quando as migrações seguintes avolumaram, as massas fulas, mandingas e soninkés lançaram sobre os "hóspedes" uma exagerada tributação, exercendo sobre eles um despótico poder na administração da justiça com a imposição de pesadas penalidades por insignificantes delitos.
Estas prepotências eram admitidas pelos fulas porque a pequenez do seu número não permitia sequer uma reacção contra a vexatória dominação a que se tinham sujeitado.
No seu espírito foi-se vincando, no entanto, a ideia da revolta e até, talvez, de uma possível desforra.
Todos os estratagemas que pudessem engendrar cabiam perfeitamente no meio de tanta crueldade, desde que fossem destinados a sacudir o jugo mandinga, já nessa altura absolutamente insuportável.
À falta de outro pretexto, os fulas, com as suas habilidades políticas, fizeram-se convertidos ao islamismo, para assim poderem convencer os fulas do Futa, então principais dominadores dos povos habitantes das regiões limítrofes, a prestar um auxilio precioso para o esmagamento dos mandingas, transformando-os de senhores em vassalos.
A tendência natural proveniente dos cruzamentos mais demorados com semitas brancos tornou os fulas do Futa-Djalon os mais fervorosos propagandistas da religião de Maomé, acobertando assim a cobiça de predomínio com um suposto altruísmo.
Foi a estes que os fulas pretos de Sancorlá pediram protecção, esperançados sempre no poder guerreiro do soberano de Timbó, então principal departamento do Futa.
"Almami" Humarú, assim se designava o rei do Futa, suserano de oito chefados (Fugumbá, Buriá, Lâbé, Kohin, Kêlâbé, Timbi, Kôlâdé e Lêhibâlá) dispunha de grandes recursos, mas nessa altura, entretido com conquista de maior valia, não podia prestar os socorros solicitados pelos fulas pretos, no sentido de bater os soninkés. Entretanto, passados alguns anos, em satisfação de constantes pedidos dos fulas de Sancorlá, organizou um corpo de soldados composto de efectivos de cavalaria, infantaria e carregadores de azagaias, estes calculados em 6.000 (escritos árabes), e veio sobre Sancorlá.
Vindo por Firdú (baixo Casamansa) entrou em Sancorlá, por volta de 1849 (século XIII da Hégira) e dirigiu-se a Bère-colon, onde Cabu Soncó, chefe soninké, tinha concentrado tropas numa paliçada de dimensões consideráveis.
Recusadas as condições de vassalagem impostas pelo régulo de Futa, travou-se grande combate que acabou pela derrota dos soninkés. O recontro foi violento e nele o régulo fula perdeu o grosso da sua cavalaria.
Destruída a povoação de guerra, "Almami" Humarú regressou a Timbó, deixando Sancorlá na posse dos fulas pretos, orientados, por grupos de Futa, com ordens expressas para dispensarem aos feridos e prisioneiros o tratamento compatível com a sua situação (sic)!
Foi este o primeiro recontro que merece a designação de batalha, porque os anteriores resumiram-se a ligeiras escaramuças.

Esta submissão dos soninkés (parte deles) aos fulas pretos acirrou o ódio dos restantes mandingas que ainda apertaram mais as medidas de perseguição sobre os habitantes fulas da parte não atacada, Patchisse e Patchana, entre outras.

Por volta de 1854, sempre na sanha de conquistar adeptos e bater mandingas, um régulo de Labé, Alfa Ibrahima Maudó, foi encarregado pelo soberano de Timbó "Almami" Humarú, filho do que fez a guerra de Bère-colon, de sondar as possibilidades de resistência dos soninkés de Gabú, pelo que entra nesta região, mas com pouca permanência e sem ter procurado impor-se pelas armas.
Segue para Nhampaio (baixo Casamansa) e ali bateu um núcleo soninké, matando Mansa Uai, seu chefe. Não contente com isso, Alfa Ibrahima estendeu a sua penetração até à Gâmbia em cobrança de tributação imposta aos povos vassalos de Timbó, deixando, contudo, parte das tropas e a família em Nhampaio. Durante a viagem para a Gâmbia as tropas foram atacadas por uma epidemia de varíola que dizimou a sua maior parte, obrigando-o a regressar para Labé, directamente, por outro itinerário.
Os soninkés vizinhos, conhecedores destes acontecimentos, dirigiram-se a Nhampaio onde massacraram as tropas, aprisionam as mulheres e conduzem-nas a Tabá-Djan (Maná).
Este desastre, considerado em Labé como o produto da imperícia de Alfa Ibrahima, causou profunda consternação. Em sinal de sentimento o "Almami" decreta a suspensão, por 7 anos, de quaisquer expedições a terras de "kafirós" (kafires, do árabe). Nesse intervalo dá-se o falecimento de Alfa Ibrahima, bastante desgostoso e desmoralizado.
O seu sucessor, Braima Maúdó, régulo de Labé, organizou um corpo de tropas destinado à libertação das mulheres fulas aprisionadas em Nhampaio. Mas receando um revés dirigiu-se à Gâmbia onde estabeleceu um acordo com o régulo Bacar Sahàda, a fim deste lhe prestar auxílio. Aceites as condições, vêem os dois sobre Tabá-Djan, centro de actividade de Farani, guerreiro soninké, tido como grande estratega. Depois de algumas horas de combate os soninkés renderam-se, entregando as mulheres e prestando vassalagem. Bacar Maúdó estabeleceu-se pelo espaço de dois anos em Tabá-djan em companhia do régulo gambiense Bacar Sahàda, porque, teve medo de novas investidas dos soninkés, com as consequências das de Nhampaio.
Durante a estada em Tabádjan, coadjuvado pelo referido Bacar Sahàda, fez uma incursão a Patchisse, território governado pelo soninké Mussá Baman, com um recontro na povoação de Kutan (Guiné Francesa). As baixas foram maiores no exército fula, porquanto, numa defesa heróica, os soninkés não chegaram a ser desalojados da paliçada.
Pouco tempo depois do combate de Kutan, o régulo da Gâmbia retirou-se, o mesmo acontecendo a Braima Maúdó.
Os "fulas pretos" animados pelos bons resultados das operações dos de Futa, solicitaram novamente o auxílio de "Almami" Humarú para tentar a batida definitiva dos soninkés.
Reunidos 32.000 homens, dos quais 12.000 cavaleiros, aquele régulo de Timbó fez a concentração de tropas em Kitchar (imediações de Kadé), acompanhado pelo citado Braima Maúdó e por Tcherno Nhamadjo, homens de sua confiança. De Kitchar mandou três emissários a Cam-Salá, também conhecida por Durubâle (Gabú), a fim de se entenderem com o chefe de guerra Djanké Ulli, desde que este quisesse prestar vassalagem a Timbó e a população se convertesse ao islamismo.
Djanké Uáli, alcoólico inveterado, de temperamento sujeito a frequentes cóleras, recebeu mal os parlamentares e afirmou peremptoriamente a sua recusa perante quaisquer tentativas de submissão ao Futa ou de conversão.
Daí em diante dispôs-se a receber o ataque do régulo de Timbó, e, por isso, tratou de concentrar todas as forças possíveis em Cam-Salâ, chamando para tanto todos os chefes da mesma raça, mesmo os mais distantes; veio gente do baixo Casamansa e de toda a restante área de Gabú.
Da resposta levada pelos parlamentares a "Almami" Húmaru, resultou o levantamento das tropas de Kitchar para o Gabú, onde entraram pela região de Patchisse. Depois de longa marcha acamparam próximo a Cam-Salá (a dois quilómetros, dizem os árabes). Daqui, novos parlamentares foram enviados a Djanké, mas estes ainda com maiores poderes para aceitar as condições da paz, desde que não ofendessem os princípios estabelecidos pelo "Almami". Como era de esperar foram mal recebidos.
Então, os soninkés, desejando conhecer as forças que acompanhavam o chefe fula, enviam um sobrinho de Djanké de nome Turá Sàni, ao acampamento, sob o disfarce de impor condições em que poderiam capitular. Turá regressou com os cavaleiros que o acompanhavam e, no caminho, fez um embrulho de areia, utilizando para esse fim um pano indígena; na presença dos "homens grandes" entregou o pano a seu tio, dizendo-lhe: "conte os grãos de areia e pelo seu número saberá os dos soldados do régulo fula". Insultado, por isso, pelo tio e pelos "homens grandes" e apodado de cobarde, Turá saiu sem nada responder. Impassível a tudo, apenas fez sentir que não desejava assistir ao massacre dos seus irmãos de raça, uma vez verificada a inferioridade numérica dos soninkés. Fugiu nessa mesma noite, com alguns companheiros e mulheres, em direcção a Caniço (Farim), onde fundou a povoação de Bissari.
Depois das habituais cerimónias religiosas, levadas a efeito depois do sol declinar no zénite (no dia 19 de Maio de 1864, segundo os escritos árabes), os fulas do Futa começaram a tocar o "Tabuléu" (grande tambor de guerra), dando o sinal de prevenção para o ataque. A gritaria dos cantores e o barulho dos tambores indicavam os grandes preparativos para o combate.
Os corpos de exército divididos sob os comandos de "Almami" Humarú, Tcherno Nhamadjo e Braima Maüdó, encaminharam-se em direcção à paliçada de Cam-Salã, na respectiva ordem de combate. A infantaria acometeu a paliçada com tiros de espingarda (de pederneira e de espoleta) e azagaias, respondendo os soninkés com um ataque impetuoso a ponto dos fulas recuarem. Neste momento estabeleceu-se certo pânico nas linhas fulas. No entretanto, "Almami" Flumarú assume uma atitude de heroicidade, correndo perfeitamente a descoberto de espada desembainhada até às proximidades do cercado. Os fulas então, recobraram o ânimo e caíram sobre o inimigo com uma verdadeira chuva de azagaias e tiros. Iniciaram mesmo a escalada do entrincheiramento, mas a posição em que se encontravam, em relação à dos soninkés, fê-los desistir.
Ao pôr-do-sol tudo mostrava que a vitória seria dos fulas do Futa, pois que, encerrados os inimigos no recinto da paliçada, estes já nem respondiam aos tiros. O movimento dentro do cercado sofreu, de repente, uma brusca paralisação. Perante o espanto de todos, os soninkés entoam um canto de guerra com acompanhamento de tambores, sentindo-se, no meio de tudo, o crepitar do fogo e as detonações da pólvora. Tinham resolvido o suicídio em massa, uma vez perdida a batalha, para não sofrerem o domínio dos fulas. Régulos e chefes pereceram quase todos no incêndio, incluindo Djanké Uali, todos embriagados. Renitentes em aceitar a religião imposta, preferiram a morte.
As perdas resultantes do combate e do incêndio, atingiram, por parte dos soninkés, cerca de 1000 indivíduos e dos fulas 750, os prisioneiros foram em grande número, mas uma parte avultada fugiu para o mato.
O medo que se apossou dos fugitivos, devido principalmente às atrocidades dos fulas, foi de tal ordem que esta batalha ficou conhecida na história por "guerra de Turu-Bân", palavras estas que significam, em mandinga, "acabou a sementeira". "Turu-Bân" passou a ser a expressão mais corrente para dar a entender que neste memorável combate foram exterminados quase todos os mandingas, e que, por isso, muito dificilmente se reconstituiriam como povo independente.
"Turu-Bân", também conhecido pelo nome da povoação em que se deu, Cam-Salá, pôs termo ao poder mandinga em todo o Gabú e deu início á dinastia fula, com a nomeação de Alfa Bacar Demba Marun (Marun era o nome da mãe), fula procedente de Fôro-iá, onde reinava, feita por "Almami" Húmaru a pedido do régulo Braima Maúdo e sob a condição de ficar vassalo de Timbó. Alfa Bacar Demba nunca manteve um domínio efectivo no Gabú, porque residindo no Fôro-iá não podia prestar a sua atenção à política daquele território.
Data, pois, de 1864, à volta de 1284 da Hégira, o início da dominação dos mandingas e soninkés pelos fulas, sujeitando-os a um regime de grande opressão para os tentar converter.
Essa árdua tarefa de conversão de indivíduos de ideias religiosas diferentes, teve pequeno resultado a principio. Aferrados às suas crenças, os soninkés, apenas procuraram a adaptação ao ambiente em que passaram a viver, conservando, no entanto, espiritualmente aquilo que a consciência lhes apontava.
O embate produzido por estas duas forças, os sectários de Maomé e os feiticistas, reveste-se de um carácter interessante, olhada a dualidade de aspectos: o da dominação pelo poder temporal e o da dominação pelo poder espiritual. Sobre o primeiro, os fulas conservaram o regime político que existia, substituindo apenas as autoridades e produzindo imediatamente o desarmamento da população dominada e um aumento de tributação.
Além dos impostos normais, chamemos-lhes assim, impuseram transitoriamente, pesados encargos destinados à indemnização de guerra, tudo satisfeito rapidamente.
No entanto, a dominação pelo poder espiritual tomou outro caminho, porque as imposições feitas pelas armas não lograram uma aceitação íntima, muito embora a obediência em tudo o que respeitasse à prática de actos religiosos fosse um facto. As entidades a quem competia o exercício do culto, constituíram uma novidade no meio feiticista. Porém a persistência dos dominadores foi muito além do que pensavam os dominados e, passados anos, muitos soninkés, por uma questão de lenta transformação operada no espírito ou por meras conveniências, converteram-se quase radicalmente.
Muitos, contudo, talvez os mais fortes de espírito ou os mais arredados da actividade fula, resistiram bravamente ao choque do islamismo e continuam inabaláveis na sua profissão de fé: uma parte de Patchisse e uma facção do Oio.
Convém no entanto acentuar que, por uma questão de pausada absorção ou porque se aperceberam de algumas das vantagens da conversão, os soninkés tendem a integrar-se numa grosseira modalidade religiosa, criada para as suas conveniências, num misto do islamismo e do feiticismo. Suprimiram o uso de bebidas alcoólicas, o consumo da carne de porco, puseram, talvez com reserva, de parte as peregrinações ao "Iram", embelezaram-se com os amuletos de couro e metal dos muçulmanos, mas entretanto, entre estes convertidos têm-se verificado actos de regressão às primitivas práticas religiosas em consequência de certos acontecimentos na sua vida que o espírito não apercebe com facilidade. Mesmo assim as idas ao "Iram" são revestidas de cautelas para que o vulgo não murmure.
Pouco ou nada se conhece acerca da acção desenvolvida pelos fulas após "Turu-Bân". No entanto sabe-se que chegaram à Guiné, ainda que ligeiramente, as consequências das pilhagens dos chefes Bubakar Sahàda, de Bundu e Alfa Mòló, de Firdú (1878-1881), em todo o Casamansa, isto a avaliar pela entrada nos territórios dos fugitivos, receando a condição de escravos.
Mais tarde, vem Mussá Môló, filho de Alfa Môló, que, de caçador e assassino de seu tio Bacar Demba e três sobrinhos, se proclamou rei de Firdú (1881-1882), fazendo-se pretendente aguerrido a um império tendo como limite sul o rio Corubal. Na memória de alguns indígenas ainda estão gravadas as atrocidades praticadas sobre as populações mandingas e fulas, durante as correrias em território da Guiné, vindo do Fulandu por Sediou até Gussará (Bafatá), visitar a sepultura de seu pai Alfa, onde deixou como sua autoridade o antigo chefe de seus escravos leró Biri, pai do régulo Mamadu Alfa (1894-1896), e que, talvez por posse pacífica e contínua, ali foi deixado. Por todo o alto e baixo Casamansa até à Gâmbia deixou vastamente assinalada a sua passagem por actos de terrorismo, incêndios e assaltos.
Submetido mais tarde pela força, Mussá Môló rendeu-se à evidência dos factos e, modesto e ignorado, vulgar chefe de família, foi residir para a Gâmbia sob as vistas do governo inglês.

Agora tratemos da segunda parte deste capítulo: a referente à "Oposição ao domínio da Civilização Europeia".
No final do século XIX, período da maior actividade dos portugueses no interior da colónia, foi necessário pôr cobro a determinados abusos praticados por soninkés, que insistentemente recusavam a intromissão no seu meio.
Assim, no Oio, em Janeiro de 1891, um corpo de Caçadores 1 destrói a povoação de Némanacó e mais seis. Em 1897, em Fevereiro, as forças militares, já então com destacamento permanente no Oio, infringiram um revés aos soninkés, depois de vários e encarniçados combates.
Em 1902 os soninkés obrigam a novas operações militares.
Em 1908, no Cuór, Infali Soncó, coadjuvado por seu sobrinho Boncó Sanha (régulo de Badora, mercê dos portugueses) subleva-se, tendo sido necessário desencadear várias operações militares para o submeter.
Mesmo perante os constantes fracassos, os soninkés não desistem de revoltas contra a ocupação e, por isso, em 1910, a seguir a uma outra tentativa, os portugueses tiveram necessidade de lhes aplicar um correctivo, muito embora, mais tarde, se verificasse a insuficiência deste, em face das atitudes assumidas.
Vem o ano de 1912 e com ele Teixeira Pinto, que imediatamente dirige a sua atenção para o Oio. Interna-se nesta região disfarçado de inspector comercial estudando as condições estratégicas e de defesa dos soninkés.
Conhecidas as povoações melhor defendidas e as condições económicas dos indígenas, iniciou a marcha sobre os soninkés em 14 de Maio de 1913, batendo as povoações de Cambajú, N'aron e Dandú (fim do mundo, em Mandinga), da área de Bissorã, seguiu pelo Oio dentro até Gendú e toda a margem esquerda do rio Farim.
Rapidamente batido o Oio, pois a 27 de Junho daquele ano foi dissolvida a coluna de operações, Teixeira Pinto dirigiu a sua actividade para outros pontos de rebelião.
Com a submissão daquele núcleo, o Oio, operou-se, imediatamente, uma transformação do espírito do indígena. Compenetrou-se do domínio português, uma vez verificada a insistência na ocupação dos territórios, entrou pelo caminho do desenvolvimento agrícola, mostrando-se, posteriormente, pacífico.
A ocupação do Oio, devido às medidas administrativas adoptadas, não satisfez inteiramente as necessidades da sua população. Antes do território ter sido batido pelos portugueses, já os indígenas tinham a sua organização política restringida a chefes de tabanca, cada um destes com limitada ingerência na vida dos habitantes. Os soninkés haviam conhecido em "Turu-Ban" até onde podia chegar a nefasta actuação dos grandes chefes de território e, assim, trataram de se integrar dentro daquelas modalidades, pondo-se a coberto de novos predomínios, mesmo dos da sua raça.
Cada aglomerado de população (tabanca) administrava independentemente os seus actos por intermédio de agente (talvez mais como poder moderador), sem atritos nem alterações que prejudicassem a sua vida.
O Governo português resolveu, a título de recompensa pelos serviços prestados, colocar à frente do regulado do Oio (então e propositadamente criado) o tão conhecido Abdul Indjai, djôlofo nascido na Gâmbia, de tribo diferente da que ia administrar.
Abdul, dotado de espírito aventureiro, foi-se insinuando, durante as operações militares em que tomou parte, no ânimo de Teixeira Pinto a ponto deste oficial promover junto do Governo a concessão de algumas prerrogativas, entre as quais a respectiva investidura como régulo do Oio.
Para tal lugar havia deitado as vistas em 1913, isto a avaliar pelo que ele mesmo chegou a afirmar.
Esperto e com fama de valentão, pouco tempo depois de assumir a direcção daquele povo, instituiu o grupo de célebres "ejauras" (nome dado à quadrilha de suruás, que compunha a sua corte) para poder pôr em prática o preconcebido plano de assassinatos e roubos, todos habilmente orientados do seu quartel-general em Mansabá.
Quatro anos passados à frente desse formidável bando de criminosos, bem armado e municiado, julgou-se com força para fazer imposições ao Governo que ali o colocara e que, num dado momento, em vista de tantas solicitações da autoridade administrativa, se preparou para pôr cobro aos desmandos.
O seu carácter de bandido e ladrão astucioso estava descoberto e, portanto, só restava jogar com o amo a ultima cartada: mostrar-se armado com grossos efectivos que acudiam do Senegal ao Oio - fonte inesgotável de gado e dinheiro - exibidos grotescamente em Farim, e fazer exigências atentatórias da autoridade colonial, pondo em causa os direitos de soberania.
Nada foi aceite e as tropas portuguesas marcharam para o Oio em socorro de uma coluna bastante dizimada e empobrecida por Abdul.
A breve trecho, a Calábria africana, o Oio, sentiu o peso das operações militares iniciadas em Julho de 1919 e terminadas com a prisão de Abdul e sequazes, levada a cabo a 4 de Agosto no meio da satisfação dos habitantes.
Nada justificava a atitude de Abdul. Nem aquelas hipotéticas "razões subterrâneas e inconfessáveis" que alguém pretendeu apresentar como causa de tão graves delitos.
Depois de tanto crime, tanta luta de autoridades administrativas e militares para os evitar, e tanta fanfarronada de Abdul que dizia "que desta vez morreria mas não se entregava", tudo acabou por uma prisão vulgar, miserável até, sem um gesto de revolta íntima contra tão ridícula aventura.
E com Abdul acabou a luta contra os portugueses.

* De Henry Labouret "Terre et La Vie".
"Geografia Antiga e Moderna", Botelho (Ed. 1878)
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Nota do editor: adaptação do texto da responsabilidade do editor.

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