sexta-feira, 25 de abril de 2008

o 25 de abril d’o saloio

via cinco dias de Fernanda Câncio em 25/04/08

o comentador 'o saloio' contou a sua experiência da manhã de abril no post 'a revolução na montra'. aqui fica.

Pelas 07H00m, ao ser acordado pela minha mãe esta disse-me que havia "qualquer coisa", pois ouvia-se no rádio músicas militares e apelos a que os civis ficassem em casa nessa manhã. A minha mãe concordava com os locutores e dizia-me para eu ficar na cama. Eu, com 19 anos, achei que não - queria ir ver o que era.

Nessa altura, estudante do Conservatório, aí vim eu no 46, entre Benfica e os Restauradores (ou Rossio, já não me recordo). Lembro-me que no autocarro (daqueles ingleses, de dois andares, que faziam muito fumo e onde eu tentava ocupar um dos lugares da frente no 1º andar), só se falava da derrota do Sporting na véspera - nem uma única pessoa falou nas notícias da rádio.
Seriam uma 08H00 quando desembarquei na baixa, e fui a pé até ao Terreiro do Paço. Um pouco antes, na zona da Rua do Comércio, vi então os soldados - tinham mais um ano ou dois que eu, e um ar de quem não sabiam porque é que estavam ali. Eram recrutas, estavam com um joelho por terra e G3 a tiracolo, encostados à parede do prédio da Rádio Marconni, e olhavam para os telhados.
Os poucos civis àquela hora iam passando e olhavam, como eu, com curiosidade. Perguntei o que é que estavam ali a fazer, e um dos soldados disse-me que o capitão lhes tinha dito para estarem atentos aos telhados. Disseram-me que eram recrutas com apenas três meses de quartel, e alguns mostraram as culatras das armas vazias - sem balas.

Deixei-me ficar por ali - para trás e para diante. Mas que raio se estava a passar? Tudo aquilo era inédito e a verdade, é que nada parecia perigoso, pois as espingardas estavam descarregadas. o único receio era quando a PIDE, ali próxima, soubesse do que se estava apassar, e viesse por aí abaixo. Logo no café, iria contar uma história diferente…

No quarteirão a seguir, era o Terreiro do Paço: havia jipes e chaimites dispostos na periferia da praça, não muitos - uns 15. A malta civil não percebia nada do que se estava a passar. Estaávamos todos atentos a um tipo mais mexido, de quico na cabeça, de G 3 ao ombro, e que parecia que era ali determinante, porque atrás dele corria sempre um outro tipo mais bem fardado (de blusão de cabedal, com um grande coldre à cintura em que segurava com a mão quando corria atrás do outro), e um magala de capacete com um grande rádio preto às costas, tipo mochila, com uma antena alta em fita larga.

O tipo do quico na tola andava para a frente e para trás, tinha um megafone branco pendurado, e os outros dois pareciam aqueles polícias dos filmes mudos antigos…iam também descrevendo o mesmo percurso.
O sol começou a despontar vindo do rio Tejo, dando alguma cor à manhã baça, e cada vez havia mais malta, vinda da outra banda nos barcos. Nas arcadas, todos compreendíamos que era um golpe militar, pois alguns recordaram em voz alta o movimento havido uns dias antes e que tinha "corrido mal".
Por volta das 09H00, apareceu entre os populares o jornalista Adelino Gomes, com a careca branca e os cabelos laterais compridos ao vento. Como sabia quem ele era, um jornalista "do contra", colei-me a ele para ver se percebia mais qq coisa. Mas ele estava muito nervoso e desesperava em contactos e deslocações, entre o desconfiado e a esperança.
Na opinião dele, podia tratar-se de um golpe militar de extrema-direita, para depor o Prof. Marcelo que era um "fraco". Os soldados que estávamos a ver seria tropa do Gen. Kaúlza (da Arriaga), e portanto a coisa não era boa.
Olhámos de soslaio o tipo do quico na cabeça, que soube mais tarde ser o Sr. Capitão Salgueiro Maia e o tipo que corria agarrado à pistola (o actual presidente da câmara de Grândula - Sr. Gen. …Pinto???). Com a dúvida instalada, assisti de longe à vinda dos carros de combate da 24 de Junho, junto ao rio - e que após algumas correrias, se vieram a juntar ao movimento. O jipe e os três carros de combate, após algumas manobras complicadas, ficaram enquadrados com os da EPC.

Mais tarde pela manhã, assisti também, mas de longe, a uns carros de combate que vieram pela Rua do Arsenal (a que refere o post). Eram mais que os primeiros e aqui a coisa foi mais demorada, e no meio da confusão gerada pela grande quantidade de populares, só via a antena do soldado do rádio de um lado para o outro. Os carros de combate de Santarém foram tomando posições de combate, e a malta anónima manteve-se, impávida, debaixo das arcadas, assistindo a tudo com curiosidade e dando, como sempre, as opiniões mais díspares e cómicas.

O Cap. Salgueiro Maia ia dando ordens à multidão civil para retirar, que a coisa podia ficar perigosa, mas a malta fazia-se mouca e não retirava. Acabou tudo em abraços, depois de nos termos apercebido de alguma tensão.
Eram já umas 11H30 quando os chaimites puseram os motores a trabalhar. O Sr. Cap. Salgueiro Maia, através do megafone, dizia para os seus que se iam dirigir para o Carmo. A malta, atenta, decidiu segui-los e aí fui eu…
Fiquei de pé horas, em cima da capota de um Datsun 1200 branco, estacionado à porta da sapataria na lateral. Éramos uns 20 em cima da capota que, devido ao peso, dobrou toda para o interior do veículo.

Só fui para casa a 27 de Abril…sorridente.

Digo eu…

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