quarta-feira, 30 de junho de 2010

Caminhos do Divino, um livro excepcional Eduardo Mayone Dias (2/2)

via Comunidades - RTP by Lélia Pereira Nunes on 6/27/10
Tanto nas ilhas como em Santa Catarina se encontram "impérios", estes assim descritos no livro: "Os antigos impérios eram construções quadrangulares, de uma só peça e de pequena dimensão, tendo por abertura uma porta fronteiriça e duas janelas laterais e um frontal triangular encimado por um dos símbolos do Espírito Santo - a pomba ou a coroa - e o registro da data da sua elevação." Uma comparação entre estes dois rituais dificulta-se sem embargo pelo facto de no primeiro caso diferirem de ilha para ilha e até de freguesia para freguesia, no segundo de município para município e em ambos de época para época. Algumas facetas gerais são no entanto factíveis de se determinar na base do exposto em Caminhos do Divino e de fontes insulares. Em Santa Catarina após a coroação realiza-se um bodo em frente do "império" e a arrematação de oferendas que podem ir de massa sovada ou do terceirense alfenim até gado. Ler mais

terça-feira, 29 de junho de 2010

António Quadros sobre António Manuel Couto Viana (1923-2010)

António Quadros sobre António Manuel Couto Viana (1923-2010)

via António Quadros by aquadrosferro@gmail.com (António Quadros Ferro) on 6/29/10
"[...] Sem ambiguidades, Couto Viana vê o 25 de Abril e o período subsequente como a época da catástrofe, que precipitou o país para a decadência e para a proximidade da morte. Sem ambiguidades, afirma-se nacionalista, sebastianista e monárquico. Mas é chegado o momento, cremos, de os adversários e os oponentes se ouvirem uns aos outros. Uma voz como a de António Manuel Couto Viana tem de contar para a força das coisas porque exprime, mais do que a sua própria emotividade pessoal, os ecos de uma profunda vivência nacional, silenciada ou reprimida que seja pelos ideais convencionais hoje dominantes, embora já não tão seguros de si e dos seus dogmas. [...] Em poucos líricos como em Couto Viana, é tão punjente a dor por algo que se perdeu, menos do nosso passado, do que do nosso futuro."

António Quadros,
"António Manuel Couto Viana Entre o desespero e a esperança apesar de tudo"
in A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos 100 anos, pp. 225-228

[António Manuel Couto Viana nasceu em Viana do Castelo em 1923 e morreu em Lisboa em 2010. Fez parte da redacção da revista Tempo Presente e dirigiu a revista Graal. Para além de poeta, foi também ensaísta, contista, dramaturgo e encenador. Autor de uma obra extensa e diversificada, Couto Viana publicou, entre outras obras, O Coração e a Espada (1951), Marcha Solar (1959), A Rosa Sibilina (1960), Pátria Exausta (1971), Raiz da Lágrima (1973) Nado Nada (1977) Ponto de Não Regresso (1982), etc.]

Palavras de António Telmo

via António Quadros by aquadrosferro@gmail.com (António Quadros Ferro) on 6/29/10
"António Quadros era um espírito superior. No horóscopo que dele fez Vasco da Gama Rodrigues, o signo de Câncer na segunda casa está povoado de estrelas todas juntas olhando o recém-nascido. A Lua no seu domicílio domina o céu. António Quadros não gostou do horóscopo, viu com incómodo que ele o caracterizava como um espírito lunar. E não se libertou desse desgosto mesmo quando outros astrólogos lhe lembraram que a Lua é o espelho do Sol e lhe mostraram que a conjugação de tantos astros no mesmo lugar do horóscopo era o sinal de um destino superior. Morreu exactamente na hora em que teve início a Primavera de 1993, ali onde a roda do tempo recebe o impulso que o liberta do nocturno Inverno. [...]"
António Telmo
Sabatina de Estudos da Obra de António Quadros (Colóquio)
Fundação Lusíada, 1995

Mulheres degeneradas?

Mulheres degeneradas?

via HISTÓRIA VIVA by Eduardo Marculino on 6/26/10
Mestre em compor personagens femininas, José de Alencar escandalizou os moralistas da época com suas heroínas sensuais e independentes
Valdeci Rezende Borges

O romancista e dramaturgo José de Alencar (1829-1877), que até hoje desfruta de boa popularidade, foi visto como imoral em sua época e em parte do século XX, irritando conservadores e moralistas pelas cenas, inclusive de erotismo, que produziu, especialmente em perfis de mulheres, como Lucíola, Diva e Senhora.

Logo em seu romance de estréia, Cinco Minutos (1856), e em A Viuvinha, de 1860, ele trata dos costumes urbanos e já esboça os traços femininos predominantes de sua obra com um propósito educativo. Para alguns críticos, esses livros possuem um lirismo suave. Mas para outros, como frei Pedro Sinzig (1876-1952), em seu "guia para as consciências", Através dos romances (1915), manual de leitura de ficção, o primeiro é "bastante exaltado", com "descrições de paixões um tanto vivas e voluptuosas", e o segundo tem "algumas descrições muito ousadas". Portanto, desaconselhava tais leituras.



Soldados esquecidos

Soldados esquecidos

via HISTÓRIA VIVA by Eduardo Marculino on 6/26/10
Recrutados pelo exército, indígenas ajudaram o Brasil a ganhar a Guerra do Paraguai, mas nunca foram justamente recompensados pela bravura que exibiram nos campos de batalha
Rosely Batista Miranda de Almeida

Não foram só as forças armadas do Império que deram ao Brasil a vitória no maior conflito bélico jamais ocorrido na América do Sul. Pesquisas já mostraram que gente do povo, mulheres, escravos e ex-escravos também tiveram atuação marcante na Guerra do Paraguai (1864-1870). De todas essas minorias combatentes, a participação dos índios era menos conhecida. Hoje se sabe que eles atuaram no conflito como verdadeiros soldados, e foram considerados "bravos auxiliares" por oficiais do nosso exército. Existem muitos relatos sobre gestos heróicos de soldados indígenas que fazem jus aos elogios, como, por exemplo, o de grupos avançando de peito nu, numa demonstração de extrema coragem, para desalojar soldados paraguaios escondidos nas matas que eles tão bem conheciam. Ou de pelotões indígenas realizando com êxito a missão de observar os movimentos do inimigo ou de trazerem de volta aos seus destacamentos soldados desertores e escravos fugidos.



Vida e Morte no Cristianismo Primitivo (parte1)

Vida e Morte no Cristianismo Primitivo (parte1)

via HISTÓRIA VIVA by Eduardo Marculino on 6/26/10
Vida e Morte no Cristianismo Primitivo
Marcos Caldas
Professor de História Antiga da Universidade Federal Fluminense
INTRODUÇÃO:
A denominação 'cristianismo primitivo' compreende o período que vai da morte de Jesus em 33[1] A.D[2] até a chamada "conversão de Constantino" (306-337)[3], ocorrida ao que parece no ano de 337 d.C. Este período pode ser dividido em três fases: a) a primeira fase está situada entre época da vida de Jesus até o ano 100, data em que a maioria dos contemporâneos de Jesus já havia falecido; b) a segunda fase vai do ano 100 ao ano de 250, no momento em que o Cristianismo se propagava fora da Palestina, principalmente nas províncias romanas mais antigas (Síria, Ásia Menor, Egito e, é claro, pela Itália, especialmente em Roma), sem, no entanto, constituir uma religião universal; e c) o terceiro momento abrange a época em que o Cristianismo foi mais intensamente perseguido pelo Estado romano (entre 250 e 311) até sua aceitação como religião do Estado imperial romano a partir de 391[4]. Ler mais

Vida e Morte no Cristianismo Primitivo (parte 2)

Vida e Morte no Cristianismo Primitivo (parte 2)

via HISTÓRIA VIVA by Eduardo Marculino on 6/26/10
Vida e Morte no Cristianismo Primitivo
Marcos Caldas*

À medida que se fechava o cerco em relação à religião cristã, o rigorismo moral (ortopraxia) e a preocupação social aumentaram. Em termos práticos, isto significava que a leitura semanal dos profetas e da Lei[33] fazia-se tendo em vista o cotidiano mais imediato. Idéias contidas na Bíblia
acerca, por exemplo, do desrespeito por viúvas e órfãos - como em Timóteo[34] - aparecem com toda força e não se restringem apenas às camadas sociais mais desprivilegiadas, mas também a alguns setores da elite imperial. Alguns aspectos sociais de época são também ressaltados nos textos do NT, como é o caso da Escravidão. Os escravos lhes são naturais e não há qualquer tentativa de impedir a escravidão[35], pois a vida econômica dependia, ao menos no ocidente, de sua permanência[36]. No plano político, a mensagem do evangelho alcançava vagarosamente os estratos sociais mais elevados, tornando-se aos poucos uma real ameaça à política imperial[37]. Entre as personalidades de grande prestígio que abraçam a mensagem cristã nessa época podemos citar a figura singular Quintus Septimus Florens Tertullianus (160-220 d.C.). Nascido em Cartago, cidade do norte da África, Tertuliano filho de oficial romano, impressionado e entusiasmado com movimento cristão, passa a defender vigorosamente o novo credo em face à opressão religiosa estatal. Em suas obras, a ressurreição dos mortos abre caminho ao desenvolvimento das visões do além-mundo.
Nelas, o reino dos mortos ganha uma sistematização ainda não vista, de modo a assegurar aos post mortes a justa recompensa ou a severa punição. Ler mais

segunda-feira, 28 de junho de 2010

António Manuel Couto Viana – Breve evocação de António José de Brito

via nonas by nonas on 6/27/10
António Manuel Couto Viana – Breve evocação

A 8 de Junho do presente mês, a nossa socrática e admirável televisão noticiou secamente "faleceu o poeta António Manuel Couto Viana". Há mais de dez dias que não conseguia comunicar com ele, sabendo-o internado no eficiente (em especial, em oftalmologia) Hospital de Santa Maria. Claro que a esperança é sempre a última coisa a desaparecer, mas temia imenso um desenlace fatal. Que infelizmente se verificou. O meu coração e a minha mente tombaram numa imensa tristeza. A memória recuou dezenas de anos, recordando os tempos alegres em que o conheci. Chamado a prestar serviço militar em Mafra, no começo de Agosto, todos os fins de semana corria até Lisboa, que ia aprendendo a conhecer e a amar. Ler mais

sábado, 26 de junho de 2010

Contos do Rei Preto


via Itinerarium XIV - Ribeira de Muge by Manuel Evangelista on 6/16/10
Para quem não pode ler n"O Almeirinense".

O Rei Preto e o Moinho dos Frades
bronzes do Benim

Em meados do século XVI, os frades de Nª Sª da Serra de Almeirim vinham à Capela do Paço da ribeira de Muge rezar missa. Pelo seu zelo em cuidar das almas, o rei veio a dar-lhes em esmola o assento de uns moinhos na Ribeira de Muge.
O Rei Preto, homem preto da capela, já entradote nos anos, mas que mestre era em artes várias, logo que soube da real mercê aos frades, ofereceu-se para os ensinar na arte da moagem. Em troca, os frades prometeram levá-lo ao convento e o ensinariam a bem rezar o latim. Ler mais

Nações terrestres e nações marítimas

Nações terrestres e nações marítimas

via António Quadros by aquadrosferro@gmail.com (António Quadros Ferro) on 6/23/10
"[...] Neste passo do nosso caminho parece adquirir grande pertinência a destrinça, por António Quadros operada no primeiro livro de Portugal, Razão e Mistério, entre nações terrestres e nações marítimas, num quadro elementar, simbólico de determinações ideais, que admite matizes e abarca igualmente as nações voláteis e as nações ígneas.

Na visão de Quadros – que, em certa medida, se revela tributária dos ensinamentos de Gaston Bachelard –, a predominância do elemento terra relaciona-se com "a radicação telúrica do homem, com os mitos e rituais de fertilidade nas civilizações agrárias, com a poética da paisagem e das raízes" [...]"
Pedro Martins, aqui

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Homenagem a Carlos Pato (2)


via As Causas da Júlia by juliacoutinho@gmail.com (Júlia Coutinho) on 6/24/10
A FORÇA IGNORADA DAS COMPANHEIRAS QUE FICARAM NA SOMBRA, foi uma série de testemunhos recolhidos por Gina de Freitas para o jornal Diário de Lisboa logo após o 25 de Abril e que vieram a ser reunidos mais tarde em livro.

A 25 de Setembro publicaram a entrevista com Maria Rodrigues Pato, a mãe de Carlos Pato, que faria 74 anos em Outubro desse ano.
A jornalista traça-lhe o perfil: «tem o olhar apagado, a voz sumida, cansada, que de vez em quando se parte num soluço mal contido. Foram trinta anos de sofrimento, de luta e de sobressaltos.»
Transcrevemos: «Isto começou tudo mais ou menos há 30 anos, minha senhora. O meu primeiro filho a ser preso foi o Carlos [Carlos Alberto Rodrigues Pato]. De uma vez esteve lá 90 dias e a seguir mais 13 meses e nunca foi julgado. O advogado dizia-me que não tinha matéria para ser julgado. Mas conservavam-no. Sofreu muito, muito, muito. Teve muitas torturas. A primeira vez que o vi contou-me que o tinham torturado muito, mas havia coisas que só me queria dizer quando saisse. Mas como nunca mais saíu... Morreu lá em Caxias, na Sala 7 do rés-do-chão, onde estavam mais 14 presos com ele. Foi das torturas que ele morreu. Torturas que incluiram mais de 130 horas de "estátua" (...) Aliás, a violência começou logo no momento em que tentaram pela primeira vez prender Carlos Pato: de madrugada, como é costume, invadiram a casa, entraram nos quartos e destaparam as pessoas que se encontravam na cama, incluindo a mulher grávida de cinco meses. O chefe da façanha foi o inspector Jorge Ferreira.» Ler mais

Homenagem a Carlos Pato (1)

Homenagem a Carlos Pato (1)

via As Causas da Júlia by juliacoutinho@gmail.com (Júlia Coutinho) on 6/22/10
Há dois anos evocámos aqui Carlos Pato, esse jovem de 29 anos que morreu cruelmente nos calabouços de Caxias, pelas 6,30 da madrugada do dia 26 de Junho de 1950, depois de brutalmente torturado pela PIDE e sem que lhe fosse prestada qualquer assistência médica.

A partir daí muitos desenvolvimentos se deram e eu pude ter noticias e contactar os filhos e netos de CP a quem muito agradeço o carinho manifestado e as informações fornecidas.

Quando perfazem 60 anos sobre esta tragédia que deixou orfãos de pai uma bébé de meses e outro prestes a nascer, Carlos Pato vai ser finalmente homenageado pelo PCP, partido de que foi activo militante.

A homenagem terá lugar no próximo sábado, dia 26 de Junho, pelas 15h, no Clube Vilafranquense, colectividade em VF Xira a cuja direcção pertencia quando o prenderam em 28 de Maio de 1949. Haverá romangem ao cemitério local pelas 16 h.

Toda a Família Pato foi perseguida por Salazar. O irmão Octávio estava na clandestinidade quando Carlos morreu. Antes, haviam passado pelas prisões um outro irmão, o Abel, e um primo, o Carlos, que de tão maltratado viria a falecer pouco depois. Maria Rodrigues Pato, sua mãe, foi uma vítima daqueles tempos sombrios: criou os netos (filhos do Octávio e de Carlos) e passou a vida a brigar com a polícia política para poder prestar apoio aos filhos, netos e nora, presos.

Publicada em Agosto de 74 no Diário de Lisboa, a Carta Aberta a Octávio Pato foi escrita por António Guerra, um velho resistente Tarrafalista e activo interveniente do 18 de Janeiro de 1934 na Marinha Grande.

Porque a consideramos um documento de extrema importância para clarificação desses tempos sombrios, aqui a deixamos para Memória Futura.

Memória de António Manuel Couto Viana por Manuel Poppe

Memória de António Manuel Couto Viana por Manuel Poppe

via nonas by nonas on 6/15/10
"Memória de António Manuel Couto Viana

A morte de um poeta admirável passou quase despercebida. Certo que algumas vozes a assinalaram, discretamente. A verdade é não andar ele nas bocas do mundo – no palratório da feira das vaidades: há muito o tinham arquivado. O canibalismo, em versão silêncio, afastara-o da ribalta. Essa prática cuja justificação é a ânsia de monopolizar as atenções vinha reforçada por um argumento mesquinho: a ideologia de Couto Viana ligava-o ao antigo regime. Mas qual "ideologia"? Qual é a ideologia de um poeta? Em Veneza, Aldo Zari mostrou-me a casa onde, homiziado, habitou e morreu Ezra Pound, mudo voluntário, em carne viva. Conhecendo os motivos do isolamento - aproximação à Itália fascista - e conhecendo a grandeza da sua obra, indignei-me. A ideologia dos poetas está na poesia. É ela, são os versos, os escritos, que no-la dão. Sei lá eu das escolhas políticas de Homero, de Ésquilo! Melhor, sei – li-lhes as obras. Tal qual sei do "conservadorismo" de Dostoievski, do "miguelismo" de Tomaz de Figueiredo e tal qual sei da força revolucionária -da força que nos revolveu dentro - de ambos. O homizio e dor de Pound escandalizaram-me – e a verdade é que me aproximaram dele: fui lê-lo e relê-lo, entusiasmado. E o mesmo acontece agora: reabro e aprecio os livros de Couto Viana – um grande poeta, talvez o maior da sua geração, como sublinhava David Mourão-Ferreira, outro esquecido. Consciência dos ossos do ofício de viver, domínio da forma, até ela se apagar, coincidente com o fundo. "Vai buscar a pátria/ onde ela estiver", escreveu Couto Viana. Não o esqueceu a pátria – esqueceram-no os ignorantes voluntários e involuntários."

Manuel Poppe
In Jornal de Notícias, p. 51. 13.06.2010

No adeus a Couto Viana de Cláudio Lima

No adeus a Couto Viana de Cláudio Lima

via nonas by nonas on 6/24/10
Revista "As Artes entre as Letras",
n.º 28, pág. 20, 16.06.2010.
(Clicar na imagem para aumentar)

António M. Couto Viana (1923-2010) (E)vocação literária, de António Carlos C...

As minhas memórias de Couto Viana por Alberto de Araújo Lima

As minhas memórias de Couto Viana por Alberto de Araújo Lima

via nonas by nonas on 6/23/10
As minhas memórias de Couto Viana

António Manuel Couto Viana chegou ao meu conhecimento pela leitura do jornal A Rua, que o meu pai comprava todas as quintas-feiras.
Conheci-o pessoalmente num dos jantares anuais comemorativos do 28 de Maio e mais tarde, revi-o no centenário de Salazar (1989), no Porto. Onze anos depois revia-o novamente por ocasião do 50.º aniversário da morte de Alfredo Pimenta, onde palestrou, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, levada a cabo a 29 de Novembro de 2000, em Lisboa.
A minha aproximação a Couto Viana dá-se pela boa mão de Rodrigo Emílio, a quem Couto Viana perguntou se sabia de alguém que o pudesse ajudar na recolha dos poemas publicados n`A Rua sobre o Ano Internacional da Criança e Rodrigo disse-lhe que sim, falando no meu nome como detentor da colecção quase completa desse magnífico semanário.
Concluída, então, a pesquisa e recolha dos poemas bem como das imagens que os ilustravam, fiz chegar ao António Manuel com impressões a laser. Couto Viana ficou radiante ao conseguir reconstituir essa selecta de poemas e ver assim dar à luz mais um livro da poesia "Criança é Rima de Esperança" (2001), com o que me brindou numa exagerada e "extraordinária gentileza" dedicatória. Ler mais

O nosso muito caro Amândio César

O nosso muito caro Amândio César

via MANLIUS by José Carlos on 8/21/07

Vou-vos falar hoje um pouco do nosso Amândio César e refutar (por ser testemunha directa) uma das acusações que lhe é feita pela nossa esquerda catita. A saber: Amândio César é o responsável do assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores. Assim, tal e qual.

Mas eu conto:


Em 21 de Maio de 1965 a Sociedade Portuguesa de Escritores, presidida por Jacinto Prado Coelho, atribui um prémio literário a Luandino Vieira, nome literário do português de origem e independentista angolano, José Vieira Mateus Graça, pelo seu livro Luuanda.

A atribuição do prémio (de cariz nitidamente política - que não literária) gerou uma forte comoção em Lisboa. Luandino era um militante comunista, filiado no MPLA. O júri de que faziam parte elevado número de escritores do aparelho "intelectual" do PCP (os pequenos e médios intelectuais, como na altura se dizia) decidiu, por maioria, atribuir o prémio - um dos mais prestigiados em Portugal e, até à data, sempre entregue a personalidades de esquerda ou de direita, mas com méritos artísticos firmados, ao escritor (e preso político) do MPLA. Estávamos em guerra e o MPLA continuava a chacinar portugueses de todas as etnias.

Amândio César - o primeiro a ensinar-me que não há escritores de direita ou de esquerda, há sim bons e maus escritores de todos os lados da barricada, reage publicando um artigo em que condena veementemente a atribuição do referido prémio. Também de imediato lança uma campanha entre os confrades escritores para a realização de uma Assembleia Geral que destituísse os corpos sociais da SPE. Os escritores Joaquim Paço d'Arcos e Luís Forjaz Trigueiros, em protesto, chegaram a pedir a demissão da sociedade. Jacinto Prado Coelho (Presidente da Sociedade) demarca-se da atribuição do prémio...

É então que um grupo de algumas centenas de jovens resolve assaltar e destruir a SPE. Eram jovens e não pides conforme anos mais tarde Urbano Tavares Rodrigues (do sector intelectual do PCP) diria. Toda a SPE foi destruída com excepção da Biblioteca e dos quadros dos escritores nela expostos. Dias depois Galvão Teles assina o despacho a extinguir a SPE.

Bem e agora voltando à história. No dia seguinte quando entro no Aviz vejo o nosso Amândio com cara de caso. De chofre perguntou-me: fizeste parte daquele grupo de vândalos que destruiu a Sociedade? Não lhe respondi, porque ele me não deu tempo. Começou com uma catilinária sobre os excessos dos jovens, que o que eles tinham feito era um disparate. O que os salvava era não terem destruído a biblioteca, etc... etc...

Durante uns bons tempos e sempre que o assunto se propiciava lá vinha ele falar dos energúmenos que tinham destruído a SPE que ele estivera a ponto de assumir (para o nosso lado) a sua direcção. Que os jovens tinham de pensar em vez de fazer disparates, que o PC e os católicos progressistas franceses só falavam do ataque o que muito prejudicava Portugal, etc.

Um dia disse-me mesmo. Se eu sei que participaste no assalto nunca mais te falo!

Pois foi a este Homem que a esquerda acusou de ser o instigador do assalto à SPE. É falso. Eu ouvi dele coisas horrendas. E como me custaram!

SARAMAGO FELIZ

SARAMAGO FELIZ

via MMC | Contingências by mmc on 6/23/10

Nenhum escritor representa um país. De resto, quanto maior ele for, menos o representa, porque a grandeza criativa vai sempre a par com a singularidade, a dissensão, a controvérsia, a solidão. Sempre, sem excepção. Um escritor representa-se a si próprio, à língua e à literatura que o fez ser. Pode projectar o seu país, como pode ser um ícone de causas ou uma bandeira de convicções. Mas só se representa a si e à sua obra – o único mundo que ele verdadeiramente representa, é o que foi capaz de criar.

A atribuição de prémios, nomeadamente internacionais, e sobretudo em países com grandes carências de reconhecimento, pode criar os maiores equívocos nesta matéria. José Saramago teve uma clara percepção disto. Lembro-me bem de, quando em 1998 lhe foi atribuído o prémio Nobel, ter falado com ele ao telefone quando já se encontrava em Lanzarote, regressado de Frankfurt, onde recebera a notícia. Preparava-se então para seguir para Lisboa, mas estava preocupado com as notícias que tinha sobre o tipo de recepção que lhe estavam a preparar, "como se fosse uma coisa de futebóis". E acrescentou, em palavras que recordo como se fosse hoje: "eu sou escritor, o que se fizer tem que ser uma homenagem à literatura". Informei-me, e soube que estava de facto a ser preparada uma "chegada triunfal" que poderia fazer o gáudio de algumas televisões e de alguns animadores de multidões, mas que ele teria, com toda a certeza, detestado.

Fez-se então o que José Saramago desejava: sem nenhum jornalista ou media a acompanhá-lo, ele veio para Lisboa onde, no CCB, lhe seria prestado um inesquecível tributo, simultaneamente oficial e popular, que abriu com uma interminável e emocionada "standing ovation" e prosseguiu com a evocação da obra e a jubilação do prémio, sempre com o pensamento no essencial – a literatura. Era à literatura que os portugueses deviam - numa imagem que José Saramago repetiria muitas vezes – poder sentir-se então com mais um ou dois centímetros…

Para mim, o momento Nobel fechou um período e abriu outro. Fechou o período da normalização das relações de José Saramago com o Estado português, muito abaladas com o episódio censório de 1992. Eu tinha assumido, quando em 1995 iniciei funções no ministério da Cultura, o imperativo de ultrapassar esse problema. A ocasião propiciou-se, por mero acaso rapidamente, com a atribuição por essa altura a José Saramago do Prémio Camões desse ano, a que o governo se associou com naturalidade. Depois, com o tempo, criou-se uma relação institucional de reconhecimento e de respeito mútuo, que José Saramago valorizava. Lembro, por exemplo, a sua presença e palavras no anúncio de uma intervenção de requalificação no "seu" Convento de Mafra, a empatia filosófica num lançamento muito especial, em Madrid, do «Ensaio sobre a Cegueira», o seu empenho na Feira de Frankfurt dedicada a Portugal, a cumplicidade lusófona na Bienal do Livro no Rio de Janeiro ou o apoio que fez questão de dar ao Comboio da Literatura Lisboa/Moscovo…

O período que se abriu, foi o de um conhecimento mais próximo de José Saramago. Das diversas ocasiões de conversa e de troca de ideias que fomos tendo, nasceu não só uma autêntica estima pessoal, mas também a descoberta de uma outra face, que a imagem pública de José Saramago ocultava: uma tranquila modéstia, um imprevisível humor, uma generosa capacidade de admiração por tantos escritores. Longe da imagem muito comum de um José Saramago amargo, conheci então um José Saramago feliz. Céptico quanto à evolução do mundo, inquieto com os impasses do país, cáustico na sua visão da natureza humana, é certo. Mas feliz, de uma felicidade que decorria fundamentalmente do seu sucesso literário mundial, dos leitores que tinha conseguido conquistar para o seu mundo, em todo o mundo.

Nos últimos anos fomos vizinhos, ele e a Pilar descobriram os encantos de um pequeno bairro de Lisboa, onde hoje a Blimunda também vive. Foi lá que conversámos sobre literatura, sobre o mundo, sobre os seus últimos projectos: a exposição «A consistência dos Sonhos», a «Viagem do Elefante», o «Caim». E também sobre as apreensões e as ambições da sua Fundação, cujo destino em boa medida fica agora – em coerência com tudo o que se disse nos últimos dias – nas mãos da Câmara de Lisboa e do Ministério da Cultura.

Eu atrever-me-ia, de resto, a ver no último texto publicado, no dia da sua morte, no blog «Outros Cadernos de Saramago», o programa que poderá dar à Fundação José Saramago um sentido tão estratégico como perene: «Falta-nos reflexão, pensamento, necessitamos do trabalho de pensar, parece-me que sem ideias não vamos a lado algum». O trabalho de pensar – é isso!
(Diário de Notícias,24.06.2010)

José Adelino Maltez – Discurso faccioso e tribal, proferido ontem, por mim p...

José Adelino Maltez – Discurso faccioso e tribal, proferido ontem, por mim próprio, sem heterónimo,em Viseu

via BLOGUE REAL ASSOCIAÇÃO DE LISBOA by João Mattos e Silva on 6/24/10

Estive em Viseu, no sábado e no domingo, no Congresso da Causa Real. Confirmei as minhas crenças políticas na metapolítica do poder real e das Cortes, desde menino e moço, como aqui e em todo o lugar tenho proclamado e como aqui e em todo o lado sou conhecido. Ah! No Congresso prestei homenagem a Saramago e fui aplaudido por isso. Aqui vão notas que serviram de base à intervenção…
Claro que, como tradicionalista, sou contra os reaccionários e, como conservador, sou contra os revolucionários e os contra-revolucionários, seus irmãos-inimgos, os que querem uma revolução ao contrário, mesmo que seja o que dizem ser, ou ter sido, uma revolução nacional…
De mal com certa esquerda por ser monárquico e de mal com certa direita por ser liberal, sou, como sempre fui, por amor de el-rei e da pátria, disposto a restaurar a república, para, em cortes, poder reeleger um rei…
De mal com o situacionismo, por ser do contra, também sou contra as oposições que se iludem com a febre das revoluções, porque sou mesmo contra as revoluções que não sejam revoluções evitadas…
Aliás, sou tão tradicionalista que certos membros da ortodoxia ultramontana, a ala dos ditos catolaicos, me diabolizam como herético, panteísta e relativista.
Confesso ser um homem religioso (Régio dixit) e que não faço parte dos ateus estúpidos e das cliques libertinas (ainda sigo Anderson). Isto é, continuo tão tradicionalista que reinvindica uma tradição mais antiga do que a do ano um…a que não tem o privilégio de uma religião revelada pelos povos ditos do Livro.
Liberal à antiga, assumo o vintismo e o cartismo, desembarcaria no Mindelo, defenderia o setembrismo e entraria na patuleia como histórico, embora prefira o Pacto da Granja com os reformistas…
Continuo disposto a militar no partido do Passos, de Sá da Bandeira, de José Estêvão, de Anselmo e Luís Magalhães. Por outras palavras, mantenho orgulhosamente a fidelidade azul e branca, dos liberdadeiros e da liberdade que, sem ser por acaso, também foi a bandeira da Europa e do projecto de Quinto Império do Padre Vieira…
Menino e moço, me assumi como tal, seguindo o exemplo cívico de um Henrique Barrilaro Ruas, de um Rolão Preto, de um João Camossa, que me ensinaram a detestar o despotismo ministerialista da salazarquia. E com tais exemplos, continuámos contra outros despotismos, mesmo os iluminados pela desculpa da ideologia, sempre em nome de pretensos amanhãs que cantam.
Aliás, salazarquia sempre foi aquilo que um dia disse Almada: "foi substituído Portugal pelo nacionalismo que apenas foi uma maneira de acabar com os partidos…"
E com tipos como o Luís Almeida Braga fui bebendo aquela profunda tradição regeneradora que nos deu o consensualismo anti-absolutista, coisa que em inglês se diz pluralismo e guildismo e que é o cimento fundamental das revoluções evitadas daquela revolução atlântica que nos deu o presente demoliberalismo…
E comungando no estoicismo de Herculano, era capaz de voltar a subscrever o Manifesto de Dezembro de 1820, da autoria de D. Francisco, o futuro Cardeal Saraiva, seguidor de Cádiz e Martínez Marina, dessa bela aliança peninsular contra o usurpador, como praticámos na Restauração de 1808…
Procuro retomar as teses expressas no Código de Direito Público de António Ribeiro dos Santos, seguido por Palmela, por Silvestre Pinheiro Ferreira e pelas tentativas constitucionais históricas e cartistas do governo de D. João VI…
Assumo a herança de Francisco Velasco Gouveia e de João Pinto Ribeiro e detesto as tentativas absolutistas de Pascoal e de Penalva. Prefiro as chamadas Alegações de Direito de 1579, em favor Dona Catarina e, naturalmente, prefiro a síntese das Actas das Cortes de Lamego, positivadas pelas Cortes de 1641
Porque na base está a Constituição política das Cortes de Coimbra de 1385, expressas por João das Regras e desenvolvidas pelas teorias da Casa de Aviz, principalmente na Virtuosa Benfeitoria do Infante Dom Pedro, duque de Coimbra
Claro que me entusiasmam os exemplos cívicos de Sá da Bandeira contra os devoristas e os esclavagistas, ou Herculano, pela regeneração e pela descentralização, contra os cabrais. E iria para a Patuleia não deixando morrer em vão Luís da Silva Mousinho de Albuquerque…
Tal como resistiria por D. Manuel II, como Paiva Couceiro, o mesmo que foi um dos primeiros desterrados por Salazar, por denunciar a estúpida política do Acto Colonial, no que se irmanou com Norton de Matos…
Até estaria com Rolão Preto, Almeida Braga e Vieira de Almeida ao lado de Delgado, como estive com Barrilaro, Gonçalo, Camossa e Rolão Preto, em defesa da democracia de Abril…
Mas não esqueceria a armilar mesmo depois da descolonização, como tem feito o duque de Bragança, até por Timor, na senda das perspectivas de um Luís Filipe Reis Tomás…
A fé na bandeira azul e branca, sem recusa da que é hoje o símbolo nacional e daquela armilar que esteve na base simbólica do Reino Unido de 1816, nessa herança de D. João II, da esfera, da espera, da esperança, para que o abraço armilar possa semear futuro…
Daí não poder ser anti-republicano, porque sou, além de republicano, monárquico, querendo como o título de um livro dos finais do século XV, de Diogo Lopes Rebeleo: "De Republica Gubernanda per Regem"…
Importa restaurar a república para que se refaça a comunidade política, esse concelho em ponto grande, como disse o Infante Dom Pedro, onde o príncipe deve aliar-se à comunidade da sua terra, para que a política possa regenerar-se em coisa pública, com bem comum e saudades de futuro…
O caminho da restauração da república pode reforçar-se com a eleição do rei por consenso nacional, nomeadamente como bandeira contra a desertificação do país das realidades contra o país nominal (Herculano dixit), até para podermos voltar ao mar-oceano com os pés na terra, contra o centralismo capitaleiro de Pombal, Fontes, Afonso Costa, Salazar, Soares e Cavaco Silva…
em blogue "Sobre o tempo que passa"

Herculano e os Açores - Eduíno de Jesus

via Comunidades - RTP by Irene Maria F. blayer on 6/25/10



EU JÁ VI NUMA ILHA
(Excerto do poema "Tristezas do Desterro")

Eu já vi numa ilha arremessada
às solidões do mar , entre os dous mundos,
vestígios de vulcões que hão sido extintos
em não sabidos séculos. Cintilam,
aqui e ali, nos areientos plainos,
onde espinhosas sarças só vegetam,
restos informes de metais fundidos
pelas chamas do abismo, entre afumadas
pedras que em parte amarelece o enxofre,
que a lava em rios dispersou, deixando
só dele a cor em lascas arrancadas
das entranhas dos montes penhascosos.
A natureza é morta em todo o espaço
que ela correu no dia em que, rugindo,
da cratera fervente, à voz do Eterno,
desceu ao mar turbado, e ele, escumando,
a engoliu e passou, qual sumiria
de sossobrada nau celeuma inútil.
Tal é meu coração. [...]

ALEXANDRE HERCULANO


HERCULANO E OS AÇORES
Eduíno de Jesus


Herculano desembarcou na ilha Terceira no dia 18 de Março de 1832, de onde depois embarcou para S. Miguel no dia 6 de Abril seguinte e desta ilha para o Continente a 27 de Junho do mesmo ano. Feitas as contas, dá para a assistência do futuro escritor nos Açores um total de 100 dias á justa, dos quais 18 na Terceira e 82 em S. Miguel.
Isto é quase tudo o que se pode dizer sobre Herculano e os Açores. De facto, ele nunca mais voltou às ilhas depois daqueles 100 dias e nunca se ocupou delas na sua obra literária nem nos seus trabalhos políticos ou históricos.
Nunca se ocupou delas propriamente como tema literário nem como assunto político ou histórico, mas, em todo o caso, nomeou-as ou fez-lhes alusão ocasionalmente, em abstracto. Há, com efeito, breves referências suas, de circunstância - pouquíssimas, aliás -, uma à Terceira, mencionando-a por "rochedo da salvação"; outra genericamente ao Arquipélago, recordando as "tristes saudades" que curtiu assentado "sobre os outeiros vulcânicos dos Açores" (teria em mente talvez S. Miguel, em que a vulcanidade é mais patente); e ainda, um pouco mais extensamente, a "uma ilha arremessada / às solidões do mar", que (se dos Açores se trata, como parece) tanto pode ser a Terceira como S. Miguel, com mais probabilidade, porém, esta segunda, onde os "vestígios de vulcões" a que se refere lhe terão chamado mais a atenção.
Ainda assim, vejamos um pouco mais de perto aqueles 100 dias açorianos do futuro escritor; ou melhor: vejamo-lo a ele mesmo mais de perto nessa altura...
Quem era,. afinal, esse moço Herculano que desembarcou na Terra Chã, ilha Terceira, no dia 18 de Março de 1832?
De onde e ao que vinha? O que fez e o que lhe fizeram por lá?
Seu nome, por extenso, era Alexandre Herculano de Carvalho e Araújo.
De uma família pequeno-burguesa com antecedentes batante humildes.
Tinha, de idade, apenas 21 para 22 anos (completaria os 22 dez dias após o desembarque na Terceira, em 28 de Março). e vinha de Belle-Isle-en-Mer integrado numa divisão de emigrados políticos portugueses com destino à Ilha Terceira. Esta ilha, na altura - mais propriamente a cidade de Angra --, era a sede do Conselho de Regência Liberal do Reino, nomeado em 1830 pelo príncipe D. Pedro de Bragança, ex-Rei D. Pedro IV, agora Regente do Reino em nome de sua filha D. Maria II. O Rei de França Luis Filipe I tinha-lhe disponibilizado Belle-Isle para ali se poderem concentrar os portugueses emigrados por causa da sua oposição ao regime absolutista implatado em Portugal por D. Miguel I, aclamado Rei em Cortes em 1828 contra os direitos. da jovem rainha D. Maria II, sua sobrinha, apoiada pelos liberais. Estes emigrados, procedentes todos, ou na sua maioria, da Inglaterra e de outros pontos de França, destinar-se-iam a integrar uma projectada expedição liberal a partir dos Açores com o objectivo de libertar Portugal daquele regime.
Herculano vinha, pois, de Belle-Isle, para onde tinha ido de Rennes, aonde chegara procedente de Plymouth, Inglaterra, e se demorara algum tempo. A Plymouth tinha ido parar em 1831, fugido à forca, pode-se dizer, por, em Lisboa, em que nascera e vivia , se ter envolvido, moço de 20 anos, na conspiração que preparara a revolta do regimento de Infantaria 4 contra o regime absolutista imposto por.D. Miguel.
Chegara à Terceira antes da Primavera três dias, depois de uma longa viagem começada dezassete dias antes, em 29 de Fevereiro. Vinha mal enjorcado num capote da tropa por cima do seu traje civil (os uniformes comprados em França e distribuídos a bordo não chegaram para todos; a alguns voluntários coube apenas uma parte, pelo que vinham, muitos deles, Herculano inclusive, grotescamente trajados. Não seria, pois , boa a.aparência do futuro escritor, assim vestido meio à civil, meio à militar, e talvez mal encarado, como parece que era, de resto, o seu natural. Ninguém deve ter dado por ele.
Não aconteceu o mesmo com outro emigrado - já então personalidade emérita - que também vinha de Belle-Isle incorporado na mesma divisão com destino à Terceira. Essoutro rejeitara simplesmente tal "vestimenta" - aqueles "trajos de palhaço", como chamara à farda que lhe tinham distribuído a bordo -, e podeis imaginar com que repugnância o fizera, quando vos disserque se tratava de Almeida Garrett. Exactamente esse, o dândi e já então famoso poeta, tão presumido da sua elegância como da sua obra. Ao tempo, era já autor de alguns dos marcos da nova ordem poética -- o Romantismo - de que foi fundador: os poemas Camões, Dona Branca e Adozinda, todos publicado na segunda metade da décade da 20.
Os dois, Garrett e Herculano, tinham travado relações em Belle-Isle, como emigrados políticos e intelectuais que eram ambos. Garrett tinha mais cerca de 11 anos do que Herculano e uma formatura em Direito por Coimbra que Hrculano não conseguira por falta de meios; além disso, aspirava a uma nobilitação (que veio a conseguir mais tarde, de visconde, como se sabe) e, claro, vivia na alta-roda social e literária. Como se havia relacionado com aquele pobre moço, ainda anónimo, mal chegado à maioridade civil?
Bem, aquele pobre moço, não obstante não possuir fortuna nem estudos superiores oficiais, nem ter ainda obra publicada, já era alguém.. Estudos tinha apenas feito as Humanidades na Congregação do Oratório, onde também estudara Lógica e a Bíblia, e frequentara a Aula do Comércio , e estudara Diplomática na Torre do Tombo, e aprendera inglês e alemão, e se iniciara na leitura de Schiller, que tentara traduzir, Klopstock, Chateaubriand, etc.. Andava ainda pelos 18 anos e já se tornara aceito em círculos literários selectos, como a tertúlia do Morgado de Assentis e o salão da Marquesa de Alorna, um e outro ainda acentuadamente arcádicos mas em que já se pressentia a sensibilidade romântica que andava no ar.
Em Rennes, na França, tinha frequentado assidua e avidamente a respectiva Biblioteca pública e se municiado da grande literatura francesa do momento (Hugo, etc.) que algo o enriquecera, abrindo-lhe vistas para o Romantismo, que era o horizonte da nova Literatura, de que ele ia ficar sendo, com Garrett e Castilho, um dos pilares em Portugal.

EDUÍNO DE JESUS

(Texto inédito, Maio 2010)


Eduíno de Jesus nasceu nos Arrifes, S. Miguel, Açores (1928). Concluídos os estudos secundários deixou os Açores e instalou-se primeiramente em Coimbra e depois em Lisboa, onde reside actualmente. No continente, Eduíno foi professor do ensino primário e secundário, docente na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Eduíno faz parte do conselho de Directores da Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura Verbo e é colaborador da enciclopédia de literatura Biblos e do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses do Instituto Português do Livro e da Leitura, e do Grande Dicionário Enciclopédico Ediclube (na parte do Léxico). Publicou três livros de poesia: Caminho para o Desconhecido (1952); O Rei Lua (1955); A Cidade Destruída durante o Eclipse (1957) e em 2005 a Imprensa Naciona -Casa da Moeda, editou o livro Os Silos do Silêncio, reedição selecta e refundida destas três colectâneas poéticas. Também publicou a peça de teatro Cinco Minutos e o Destino (1959). Tem centenas de artigos dispersos em revistas e suplementos culturais. Diz-nos Onésimo Almeida (posfácio Os Silos do Silêncio) que " Se não existe uma história da Literatura açoriana, Eduíno de Jesus escreveu para ela alguns capítulos fundamentais em prefácios ou posfácios (verdadeiros estudos para livros dos poetas açoriano António Moreno, Pe José Jacinto Botelho), Armando Côrtes-Rodrigues, Virgílio de Oliveira e Madalena Férin" (p. 355).

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Paiva Couceiro exilado por Salazar !

Paiva Couceiro exilado por Salazar !

via Centenário da República by noreply@blogger.com (Rui Monteiro) on 6/23/10

Exilado pelo salazarismo a 16 de Setembro de 1935, por seis meses, por ter criticado publicamente a política colonial do regime.

Polícia de Vigilância e de Defesa do Estado (mais tarde P.I.D.E.) – "Certificado de viagem" com que Henrique Paiva Couceiro saíu de Portugal para o seu último exílio em Espanha. Ia fazer 77 anos! Mesmo assim foi tratado por Salazar como o pior dos criminosos…
A carta que escreveu a Salazar a 31/10/1937 e que lhe valeu esse derradeiro exílio pode ser lida no link seguinte:

http://www.angelfire.com/pq/unica/ultramar_1937_paiva_couceiro_ultramar.htm

Fonte : Miguel Paiva Couceiro

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Retornados, espoliados do Ultramar: Discurso do Prof. Dr. Adriano Moreira

via BRAVOS RETORNADOS, ESPOLIADOS, DESLOCADOS... by MARIANJARDIM on 5/30/10
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Meus Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores:

Começando por agradecer a honra que me deram de, mais uma vez, me convidarem para presidir ao vosso Congresso, queria corresponder ao convite dizendo algumas palavras de encerramento desta sessão tão importante para a vida portuguesa.

E o primeiro ponto que gostaria de abordar é o seguinte: constantemente, sempre que um período agudo da vida política portuguesa se declara, os problemas do que foi o Ultramar Português e os problemas dos deslocados, retornados e espoliados voltam ao debate público e a mim parece-me que são interesses excessivamente importantes para que sejam lembrados ou esquecidos ao sabor das conveniências dos debates eleitorais.

Os deslocados, os retornados, os espoliados, são êles próprios a expressão viva duma amputação dos interesses nacionais e são eles próprios que devem, como têm feito, manter a iniciativa e a autonomia da defesa da restauração de dignidades que foram ofendidas, de interesses que devem ser reparados, mantendo uma autoridade que lhes não pode ser negada em relação aos intervenientes nos pleitos eleitorais porque são eles que precisam do apoio, do julgamento, da adesão, dos que foram vitimas dum processo descontrolado, não são eles que podem trazer qualquer benefício ou conforto àqueles que aqui estão representados.

Queremos que essa dignidade seja respeitada, trata-se de uma situação de injustiça, trata-se da representação viva de um acontecimento fundamental na vida portuguesa, são os senhores que representam e assumem isso, é um valor permanente, não está dependente das contingências e interesses eleitorais.

O segundo ponto que gostava de sublinhar: constantemente, o julgamento do processo da chamada descolonização é trazido à consideração pública e certamente não é difícil atribuir às emoções de quem esteve envolvido no processo, porque não lhe foi dado participar nas decisões, os julgamentos tão frequentemente e fundamentalmente condenatórios dos caminhos que esse processo seguiu.

Simplesmente acontece que foi hoje aqui citado por um dos oradores o director geral da UNESCO, Sr. Federico Mayor. Esse director geral da UNESCO publicou um livro importante que se chama « Manhana siempre es tarde» (Amanhã é sempre tarde). Esse livro faz a síntese daquilo que é hoje a situação dos territórios onde vários países e nós, tiveram responsabilidades colonizadoras.

O inventário das carências é aterrador. Há regiões em que nós exercemos o poder onde morre uma criança de fome por minuto! Não somos nós que precisamos hoje de fazer a contabilidade dos resultados. A contabilidade está feita com autoridade, designadamente, por este citado director geral da UNESCO.

É necessário reconhecer que, à margem dos responsáveis pelo processo político, em que os senhores não participam, a retirada a que foram obrigados os colonos, significou a retirada das traves-mestras em que assentavam a regularidade da vida civil dos territórios.

Quando se lê o livro, este livro de Federico Mayor, nós sabemos que em relação a cada uma daquelas calamidades da vida civil que ali se encontram, a cada uma das carências enormes, inimagináveis, que afligem aquelas populações, na base disso está, indiscutivelmente, o vazio que foi deixado pela retirada de cada um dos senhores. E, por isso, me tem parecido que não é de mais dizer e sustentar: nós podemos fazer, e devemos fazer, um julgamento do processo político português; os aparelhos políticos têm de tomar as suas responsabilidades em relação a cada época; mas, a presença portuguesa nesses territórios, a organização da sociedade para enfrentar os desafios do mundo moderno em que esses territórios estavam a integrar-se, a criação da sociedade civil que estava em curso, isso não foi obra dos políticos, não foi, fundamentalmente, obra dos políticos, foi obra da gente que está aqui e que não tinha responsabilidades políticas.

E é por isso que, todos os que tivemos responsabilidades no aparelho político , eu também, julgo que devemos ser humildes perante os desafios a que nenhum de nós foi capaz de responder.

Cada um tem de Ter a atitude de assumir a incapacidade de ter enfrentado esse desafio, mas não pode somar ao facto de todos terem sido excedidos pelos desafios, a passividade perante a possibilidade de ainda reparar as injustiças que estão vivas, as injustiças de homens vivos que ainda está ao nosso alcance reparar, aqui e lá.

E é por isso que, embora não me reconheça nenhuma autoridade para o fazer, pela circunstância de me terem dado a honra de presidir a este Congresso, eu me atrevo a dizer que merece reconhecimento público o trabalho cívico que tem sido feito pelas vossas Associações e sobretudo o sentido de responsabilidade com que têm sempre actuado, porque a maior parte dos senhores, que viu ruir o trabalho de uma vida inteira, que viu desaparecerem as perspectivas e as esperanças de uma vida totalmente dedicada ao trabalho naqueles territórios, não se tem movimentado nunca ao sabor das paixões das conjunturas portuguesas --- tem continuado a dar aqui o exemplo da responsabilidade em função dos interesses nacionais e eu penso que este Congresso é mais um exemplo dessa capacidade serena de enfrentar o infortúnio e os tempos afortunados, mantendo o animo para todas as circunstâncias.

E, por isso, espero que o movimento seja recompensado, que os resultados venham corresponder aos esforços devotados com que todos contribuíram para a tarefa que os novos tempos, e o tempo que já passou e que nos permitiu esquecer algumas amarguras, ser mais benevolente para com algumas injustiças nos ajudem a reparar que, entretanto, alguns vão caindo e que acontece a este combate que quanto mais tempo dura, mais diminui a causa dele porque as pessoas vão desaparecendo.

Que se reconheça que, neste momento em que temos esperança de que venham a estabelecer-se outros padrões na nossa vida internacional, caminhemos para uma sociedade mais pacífica, mais cooperante, menos conflituosa, em que o regresso de Portugal a África se possa fazer em novos moldes, porque, o que ruiu foi um sistema político que tínhamos, não ruiu a área em que nós actuámos, e que nós criámos, e que nós identificámos. Que neste momento, em que um dos valores portugueses que são postos em evidência é o do nosso capital de experiência em relação a esses territórios, se reconheça que grande parte dessa experiência está viva, está aqui, e está disponível para servir o País.
Tirado Daqui

Cecília Meireles sobre Fernanda de Castro

Cecília Meireles sobre Fernanda de Castro

via Fernanda de Castro by António Quadros Ferro on 6/22/10
"Tenho uma amiga esperando-me no Estoril. É a poetisa Fernanda de Castro. [...] Uma criatura encantadora, [...] com o mesmo tóxico que eu tenho no sangue do espírito: deslumbramento pela selva e pelo oceano, loucura pelo sol [...], fome do infinito."

De uma carta de Cecília Meireles a Fernando de Azevedo, in Cecília em Portugal (Iluminuras, 2001) de Leila V.B. Gouvêa

terça-feira, 22 de junho de 2010

Memórias de um letrado

Memórias de um letrado

via António Quadros by aquadrosferro@gmail.com (António Quadros Ferro) on 6/22/10
"[...] Efectivamente, se a política está, ou deve estar, subordinada à filosofia, conforme ficou para sempre estabelecido por Aristóteles, ser-me-ia lícito e fácil inferir que a política portuguesa pressupõe, ou deve pressupor, uma filosofia portuguesa. [...] Ciente dos meus limites, nunca respondi à crítica infalível dos opositores malévolos. Respeito e defendo a liberdade de opinião; não gosto de dizer palavras desagradáveis às pessoas; espero a hora da justiça pela distinção entre o Mal e o Bem. [...] Tudo o que é português - o pensamento, o conhecimento, o procedimento - passou a ser aferido e pautado pelos lineamentos internacionais que os estados mais fortes propunham ou impunham aos povos subdesenvolvidos. [...] O homem português deixara de pensar por si próprio, e descera àquela menoridade mental que convém à influência dos jornais, das revistas e dos livros que propagam e divulgam as certezas instantâneas da conservação social."

Álvaro Ribeiro,
Memórias de Um Letrado (1980) vol. 3.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pergunta sobre a cegueira- Onésimo Teotónio de Almeida

via Comunidades - RTP by Irene Maria F. Blayer, Lélia Pereira Nunes on 6/20/10

Testemunho de Onésimo Teotónio Almeida sobre Ensaio sobre a Cegueira (filme)


Blindness é o título da edição americana de Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago. Andou pelas livrarias com visibilidade, motivo de gáudio para um lusitano como eu, pouco habituado a deparar com autores patrícios nas livrarias dos States. E foi bastante lido, a julgar pela nada rigorosa amostra de ecos que daqui e dali me foram chegando. Dos mais inesperados quadrantes. Uma delas, a minha filha Tatyana, que eu desconhecia interessada no nosso Nobel.
Numas férias em que se embrenhou também pela Odisseia. E depois por Fountainhead, de Ayn Rand, que Saramago desprezaria e, vá lá, eu mesmo desdenho. Perguntei-lhe se gostou.Não, nada. (Ainda bem, respirei fundo, em surdina). Mas leste tudo? -perguntei-lhe pensando nas 900 páginas do calhamaço.
Sim, porque sabes que nunca desisto de uma leitura mesmo que não goste. (Explicação ao leitor: Não foram os meus genes que lhe passaram semelhante espírito masoquista!) Perguntei-lhe se com Blindness acontecera o mesmo. Não, de modo nenhum -garantiu-me convincentemente. Tinha gostado de mais. Blindness anda agora até nas livrarias dos aeroportos. Como se sabe, a National Federation for the Blind protestou e os barulhos redundam sempre em excelente publicidade a ponto de haver quem acredite que as máquinas publicitárias não raro recorrem à invenção de descontentamento para colarem o título de um filme ou livro na mente do público. (Claro que é absolutamente injusto supor a gente que uma agência de publicidade seja capaz de inventar tão pouco ético estratagema!) Estão escarrapachadas pelos media as frases principais do documento que o director da Federação, Marc Maurer, alardeou, sendo a mais sensacional: "Blindness transformou pessoas decentes em monstros". E a seguir: "São apresentadas como criaturas incompetentes, sujas, viciadas e depravadas". Um naco de adjectivos que, convenhamos, não deixam o leitor na dúvida sobre a fúria que vai naquelas hostes de não poucos membros. (Na verdade, nos EUA há sempre um milhão de qualquer minoria e um simples congresso pode juntar 20 000. Até mesmo um congresso de bruxas consegue reunir duas mil sem problema, com a vantagem de em caso de greve de aviões não serem afectadas, já que podem sempre ir de vassoura). Mas nunca falta um grupo de descontentes a protestar contra seja o que for. Eu pertenci mais do que uma vez a alguns deles. Ainda muito recentemente fiz barulho por escrito quando George W. Bush, ignorante sobre a existência de portugueses nos EUA, mandou uma boca sobre a ridicularia de uns magros dólares no orçamento nacional para apoio de um Instituto de Português numa universidade aqui em Rhode Island. Agitou-se a opinião pública luso-americana e o orçamento não foi alterado. Mas no caso havia uma razão óbvia: visível a olho nu, só a cegueira de G. W. Bush explicava a gaffe.
Regressando a Blindness, ainda não vi o filme. Outras prioridades, como o W., de Oliver Stone. E hoje à noite será a vez de a Leonor escolher, por isso ignoro ainda o que na rifa me sairá. Mas hei-de ir.
Quero julgar pelos meus próprios olhos e ver que razões haverá para uma instituição respeitável fazer such a big deal sobre o filme de Fernando Meirelles, com o Gael García Bernal, gente à partida não merecedora de pancada.Não me assiste qualquer vontade de implicar. Desconheço se o senhor Maurer é cego. Sei, por exemplo, que num alto posto da Associação Nacional de Surdos-Mudos está um antigo aluno meu, o Eric Shapiro, oficialmente surdo-mudo, mas que consegue falar sem poder ouvir rigorosamente nada. Não imagino como seja lá pela NFB, mas seria bom se o senhor Maurer tivesse explicado ao público em nome de quem falou e se recolheu essas opiniões entre os membros da sua Federação porque, se assim for, seria de toda a conveniência informar-nos como conseguiram os membros da mesma ver o filme. Roberto Vecchi contou recentemente, no Congresso de Eduardo Lourenço, aquela do cego a perguntar ao paralítico: Como tem andado? E este a responder: Como vê. Como se vê, a lógica do non-sense afinal sempre tem paralelos.

(Jornal de Letras, Artes e Ideias JL, 18 de Junho de 2010)

terça-feira, 15 de junho de 2010

A FALHA GEOLÓGICA DE ALQUEVA

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 6/13/10
LI HÁ DIAS que a barragem de Alqueva estava cheia até mais não. Sempre me interessei por este empreendimento e, nessa medida, acompanhei, com toda a atenção, a polémica em torno da existência de uma falha geológica mesmo sob o paredão da represa. Na opinião de muito boa gente, esta obra imensa representa o mais recente e talvez o mais grandioso e esperançoso abraço entre o Alentejo e o grande rio. Esperemos que os inconfessáveis interesses de alguns não estraguem as esperanças dos que aqui vivem e dos que, por todo o Portugal, esperam que este empreendimento contribua para levantar a economia do País.

Segundo um estudo encomendado, em 1996, pela Empresa de Desenvolvimento da Infra-Estrutura de Alqueva (EDIA) e levado a efeito por investigadores do Instituto de Ciência Aplicada e Tecnologia, de Évora, a barragem do Alqueva assenta numa falha sísmica com indícios de actividade, correndo o risco de ser destruída se ocorrer um sismo de magnitude máxima, de 6,1 na escala de Richter, prevista para esta falha. O estudo admite, ainda, que, na ocorrência de um abalo desta magnitude, a rotura à superfície do terreno originaria um deslocamento na ordem dos 20 a 30 centímetros, ao longo de sete quilómetros de extensão, o que seria suficiente para destruir a barragem.

Reagindo à divulgação deste estudo, a EDIA insistia na segurança da barragem, reafirmando que a referida falha não tem actividade sísmica, no que era corroborada por outros dois estudos elaborados na mesma altura, um pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e outro por Lloyd Cluff, investigador norte-americano da Universidade da Califórnia. Nestes termos, a EDIA decidiu manter a construção da barragem no local para onde fora projectada. Como resposta a esta decisão, o Prof. Alexandre Araújo, da Universidade de Évora, defendia que a prudência aconselhava a deslocação da barragem, entre 100 a 200 metros para jusante do local onde estava e acabou por ser construída. Tal deslocação não aconteceu porque, na altura, as obras já tinham sido iniciadas. Segundo este investigador a referida deslocação seria suficiente porque, assim, a falha não passaria debaixo do respectivo paredão. Perante a eventualidade de um sismo da referida magnitude, a estrutura poderia abanar, mas não seria destruída. Alexandre Araújo lembrou, ainda, que o facto de se criar ali uma grande albufeira, esta poderá desencadear um efeito catalizador, uma vez que o peso da coluna de água irá aumentar a pressão sobre o terreno, e que a presença de tanta água poderá lubrificar as fracturas, provocando aquilo a que se dá o nome de sismicidade induzida.

Ao que indicam os estudos realizados, o intervalo de recorrência entre dois sismos máximos desencadeados por esta falha parece ser muito largo, na ordem dos 10 mil anos, mas a realidade é que se desconhece quando ocorreu o último abalo. O próximo, argumentava-se na altura, tanto pode ser amanhã, como daqui a mil anos.

A falha geológica do Alqueva foi descoberta na década de 70, no decorrer de um estudo geológico efectuado aquando do projecto inicial da barragem. Mas, ao que parece, não mereceu qualquer atenção por parte de quem tinha capacidade para decidir. Como resultado, houve uma significativa derrapagem nos custos da construção deste empreendimento - falava-se em 3 000 000 de contos, 15 000 000 de euros, na moeda actual - uma vez que foi necessário consolidar a referida falha com muito mais trabalho e muitos milhares de metros cúbicos de betão.

sábado, 12 de junho de 2010

Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades - [Discurso de António Barreto - cerimónias oficiais]

via Jacarandá by noreply@blogger.com (António Barreto) on 6/11/10
.
Senhor Presidente da República,
Senhor Presidente da Assembleia da República,
Senhor Primeiro-Ministro,
Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça,
Senhor Presidente do Tribunal Constitucional,
Senhores Ministros,
Senhores Deputados,
Senhores Embaixadores,
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Faro,

Senhoras e Senhores,

O DIA DOS PORTUGUESES ou, oficialmente, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, comemorado em 2010, tem um significado especial. Na verdade, assistimos esta manhã a um desfile das nossas Forças Armadas precedido de uma extensa delegação de Veteranos, de Antigos Combatentes, mais singelamente de combatentes dos exércitos em todas as guerras e conflitos em que Portugal esteve envolvido desde meados do século XX.

Ao ver desfilar umas dezenas de antigos combatentes, de todos os teatros de acção militar em que Portugal participou, não sentimos vontade nem necessidade de lhes perguntar pela guerra, pela crença ou pela época. Sentimos apenas obrigação de, pelo reconhecimento, pagar uma dívida. Sentimos orgulho por saber que é a primeira vez na história que tal acontece e que está aberta a via para a eliminação de uma divisão absurda entre Portugueses. Com efeito, é a primeira vez que, sem distinções políticas, se realiza esta homenagem de Portugal aos seus veteranos.

Centenas de milhares de soldados portugueses combateram em nome do seu país, do nosso país, desde os inícios do século XX até à actualidade. Já não há sobreviventes do Corpo Expedicionário Português enviado para Flandres, na 1ª Grande Guerra Mundial, nem das forças que, no mesmo conflito, lutaram em África. O último veterano dessa guerra, José Maria Baptista, morreu a 14 de Dezembro de 2002. Depois daquele conflito, as guerras foram, durante décadas, poupadas aos Portugueses. Só a partir de finais dos anos 1950 os soldados e outras forças militarizadas voltaram a encontrar-se em situações de combate aberto, primeiro no então Ultramar português, depois em múltiplos teatros de guerra, em associação com forças armadas dos nossos aliados da NATO e da União Europeia e em missões organizadas sob a égide das Nações Unidas. Independentemente das opiniões de cada um, para o Estado português todos estes soldados foram Combatentes, são hoje Antigos Combatentes ou Veteranos, mas, sobretudo, são iguais. Não há, entre eles, diferenças de género, de missão ou de função. São Veteranos e foram soldados de Portugal. É assim que deve ser.
Em Portugal ou no estrangeiro, no Continente ou no Ultramar, na Metrópole ou nas Colónias, as Forças Armadas portuguesas marcaram presença em vários teatros de guerra e em diversas circunstâncias. Militares portugueses lutaram em terra, no mar ou no ar, cumpriram os seus deveres e executaram as suas missões. Em Goa, em Angola, em Moçambique, na Guiné, no Kosovo, em Timor ou no Iraque. Todos fizeram o seu esforço e ofereceram o seu sacrifício, seguindo determinações políticas superiores. As decisões foram, como deve ser, as do Estado português e do poder político do dia. Mas há sempre algo que ultrapassa esse poder. O sacrifício da vida implica algo mais que essa circunstância: é, para além das vicissitudes históricas e dos ciclos de vida política, a permanência do Estado.

Os soldados cumprem as suas missões por diversos motivos. Por dever. Por convicção. Por obrigação inescapável. Por desempenho profissional. Por sentido patriótico, político ou moral. Só cada um, em sua consciência, conhece as razões verdadeiras. Mas há sempre um vínculo, invisível seja ele, que o liga aos outros, à comunidade local ou nacional, ao Estado. É sempre em nome dessa comunidade que o soldado combate.

Na verdade, em todos os episódios de guerra referidos e noutros mais, há fenómenos de natureza diversa. Houve decisões políticas de carácter exclusivamente nacional, mas também houve actos de colaboração em missões multinacionais, como houve decisões estratégicas colectivas das alianças de que Portugal é membro. Também conhecemos decisões políticas tomadas em vários quadros: com e sem legitimidade democráticas, com e sem referenda parlamentar. E até, finalmente, situações em que o Parlamento fica aquém daquela que deveria ser a sua função. Com efeito, a Constituição e as leis não obrigam, infelizmente, a que as missões no estrangeiro sejam aprovadas pelo Parlamento. Apenas admitem o "acompanhamento do envolvimento" militar no estrangeiro, o que nem sempre é rigorosamente cumprido.

A análise destas diferenças pode ser importante do ponto de vista político, histórico e intelectual. Mas, no plano do reconhecimento de um povo, do respeito devido e do esforço do soldado, essas distinções são secundárias ou inúteis. Foram, simplesmente, militares portugueses que tudo deram ou tudo arriscaram. É esse o reconhecimento devido.

Um antigo combatente não pode nem deve ser tratado de colonialista, fascista, democrata ou revolucionário de acordo com conveniências ou interesses menores. A sua origem, a sua classe social, a sua etnia, as suas crenças ou a sua forma de vínculo às Forças Armadas são, a este propósito, indiferentes: foram, simplesmente, soldados portugueses.

Pelo sacrifício, pela duração e pelas implicações políticas, as guerras do Ultramar foram evidentemente as que mais marcaram as gerações das últimas décadas. Mas, ao longo dos trinta anos de democracia e de compromissos internacionais, muitas centenas ou milhares de cidadãos portugueses estiveram presentes em teatros de guerra e em missões de protecção da paz ou de mediação. Novos sacrifícios foram feitos, vidas foram interrompidas, carreiras e famílias suspensas.

Todos esses militares, os de Luanda ou do Líbano, os da Guiné ou da Bósnia, merecem o nosso respeito. São antigos combatentes. São Veteranos. São soldados que cumpriram os seus deveres e que, com excepção dos que tenham moralmente abusado das suas funções, merecem a nossa homenagem. Não há lugar, não deve haver lugar para diferenças entre esses Veteranos. Não há Veteranos melhores ou piores do que outros. Não há Veteranos que mereçam aplauso e Veteranos a quem se reserve o esquecimento. Não há Veteranos ou Antigos Combatentes fascistas ou democráticos, socialistas ou comunistas, reaccionários ou revolucionários. Não há Veteranos de antes ou de depois do 25 de Abril. Não há Antigos Combatentes milicianos ou de carreira ou contratados. Há Veteranos e Antigos Combatentes, ponto final! É o que nós lhes devemos. Nós, todos, os que fizeram ou não, os que concordaram ou não com as guerras, sem distinção de época, de governo ou de cor política.

Portugal não trata bem os seus antigos combatentes, sobreviventes, feridos ou mortos. É certo que há, aqui e ali, expressão de gratidão ou respeito, numa unidade, numa autarquia, numa instituição, numa lei ou numa localidade. Mas, em termos gerais e permanentes, o esquecimento ou a indiferença são superiores. Sobretudo por omissão do Estado. Dos aspectos materiais aos familiares, passando pelos espirituais e políticos, o Estado cumpre mal o seu dever de respeito perante aqueles a quem tudo se exigiu.

Em cada momento, em cada conflito, houve quem tivesse ideias diferentes e se opusesse à intervenção militar. Uns, mesmo nessas condições, cumpriram as ordens oficiais, outros recusaram-se. Por oportunidade, por convicção política, por uma interpretação diferente do interesse nacional, houve refracção e objecção. Em certos casos, pensava-se que as operações militares não tinham sido referendadas pelo povo soberano ou eram contrárias à ética e ao interesse nacional. Noutros casos, faltava o assentimento parlamentar. Aliás, o acompanhamento parlamentar do envolvimento militar é deficiente, apesar de estatuído pela Constituição.

Houve soldados que combateram sob um regime autoritário, outros em regime democrático. Houve soldados que combateram integrados em forças nacionais, outros em forças aliadas ou internacionais. Como houve soldados que, de outras origens étnicas então e tendo hoje nacionalidade diferente, serviram nas Forças Armadas portuguesas.

Em 1974, jovens militares decidiram derrubar o regime autoritário e dar uma oportunidade à democracia. Outros tentaram estabelecer um novo regime político que eventualmente limitaria as liberdades. Outros ainda ficaram independentes e equidistantes. Enquanto outros, finalmente, teriam preferido continuar sob o regime anterior. Prefiro os primeiros, os que ajudaram a fundar o Estado democrático. Mas, pelo sacrifício das suas vidas e pelo cumprimento dos seus deveres, respeito-os todos.

Qualquer guerra ou envolvimento militar é controverso e suscita opiniões diversas e contraditórias. É assim no Afeganistão ou no Iraque. Foi assim no Ultramar. Como também na Flandres, nas Linhas de Torres ou em Aljubarrota. Essas divergências podem ser legítimas e compreensíveis. Traduzem ideias, interesses, convicções e doutrinas diferentes. Assim como versões diversas do interesse nacional. Mas isso não justifica a ausência de respeito por aqueles que combateram, que correram riscos, que ficaram feridos ou deram a sua vida.

As diferenças de opinião e de crença não devem impedir de respeitar todos os que fizeram a guerra, com convicção ou por obediência ao poder político, desde que, evidentemente, o tenham feito sem abuso. Merecem as pensões que lhes são devidas. Merecem atenção e cuidado. Merecem um Dia do Combatente oficialmente estabelecido. Merecem que as suas associações sejam consideradas de utilidade pública. Merecem estar presentes nas cerimónias públicas e oficiais. Mas sobretudo merecem respeito.

Os Portugueses são parcos em respeito pelos seus mortos e até o Estado não é muito explícito no cumprimento desse dever. Pois bem: está chegada a altura de eliminar as diferenças entre bons e maus soldados, entre Veteranos de nome e Veteranos anónimos, entre recordados e esquecidos. Pela Pátria ou pelo seu País, pelo Estado ou pela sua profissão, foi pela sua comunidade nacional que todos eles combateram e se sacrificaram.

É possível que o comportamento do Estado, a atitude de políticos e os sentimentos de cidadãos para com os militares sejam determinados, em parte, pela avaliação que se faz do modo como deram ou retiraram apoio a certos dirigentes e a certas formas de regime. Não se nega o facto. Mas, perante o antigo combatente, recusa-se o juízo de valor.

Aos Veteranos e antigos Combatentes que hoje estiveram connosco pela primeira vez, nada se lhes pede. Nada devem aos seus contemporâneos. Nós é que estamos em dívida para com eles. São o Estado e a sociedade que lhes devem algo. O que lhes pedimos hoje foi muito simples: aceitem a homenagem que o Estado e os Portugueses vos prestaram! Não estamos aqui a festejar a guerra, mas sim os soldados! E não há melhor dia, do que o Dia de Portugal, para o fazer.
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Faro, 10 de Junho de 2010