quarta-feira, 2 de junho de 2010

TORCER SEM QUEBRAR

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 5/30/10
QUEM TENHA O HÁBITO de olhar as rochas no campo reparou, certamente, que muitas vezes os estratos das rochas sedimentares ou metamórficas se apresentam dobrados e enrugados, exibindo aspectos diversos, mais ou menos afastados do que foi o seu modo de jazida original, isto é, sobrepostos horizontalmente. Observou, ainda, que certas rochas se apresentam finamente laminadas segundo planos paralelos, assumindo xistosidade, um tipo particular de laminação independente da inclinação das camadas, mas que reflecte a direcção do esforço compressivo a que estiveram sujeitas.

Para quem não está preparado, estas ocorrências não deixam de ser intrigantes, sobretudo, habituados que estamos a considerar as rochas como materiais rígidos, quebradiços, e que, como tal, teríamos tendência a considerar indeformáveis, em termos de plasticidade e maleabilidade.

Numa série sedimentar, a forma, a disposição e as relações entre os estratos, isto é, as estruturas observáveis no terreno, resultam dos próprios processos que lhes deram origem e, ou são contemporâneas da formação de cada unidade, ou são consequência de acções posteriores que as deformaram. No caso particular das rochas sedimentares, a reconstituição da estrutura original é facilitada, pois a estratificação é, em princípio, inicialmente plana e horizontal. Além desta condição, estas rochas possuem, geralmente, fósseis e outros elementos, cuja forma original é conhecida, permitindo medir o valor de eventuais deformações sofridas. A deformação das rochas nas cadeias de montanhas resulta, sobretudo, das pressões e das temperaturas que se fazem sentir no interior da crosta onde são geradas, mas ainda, em parte, da natureza dessas rochas. Por exemplo, nos níveis mais superficiais da crosta, uma camada argilosa, relativamente plástica, reage a esses factores de modo diferente do de uma camada de calcário compacto ou de quartzito, dois tipos de rocha de acentuada rigidez. O aumento da pressão litostática e da temperatura com a profundidade, além de promoverem o metamorfismo, transformam os materiais rígidos em outros cada vez mais plásticos (dúcteis), a ponto de fluírem como um líquido muito viscoso, situação que antecede a sua transformação num magma. O tempo é ainda um factor determinante nestes processos extremamente lentos, que necessitam de dezenas e até de centenas de milhões de anos para se consumarem.

Nas rochas que, pela sua natureza e pelas pressões e temperaturas a que estiveram sujeitas, apresentam comportamento quebradiço, a deformação manifesta-se apenas pela existência de numerosos planos de ruptura, ou falhas. Pode, neste caso, falar-se de deformação descontínua, sendo o cisalhamento o principal mecanismo.

A partir de uma certa profundidade, as rochas começam a adquirir plasticidade (ductilidade), ou seja, passam a ter capacidade de se deformar sem sofrer fracturação, levando ao aparecimento de dobras. Nestas condições, os estratos adquirem curvaturas mais ou menos acentuadas, sem que haja variação sensível da sua espessura ao longo dos diferentes sectores da dobra. Num estádio mais evoluído da deformação, em condições termodinâmicas correspondentes a maiores profundidades, onde a ductilidade é já suficientemente grande, as rochas, de um modo geral, sofrem um achatamento generalizado, segundo uma direcção perpendicular à do esforço máximo a que são sujeitas. Deste modo, as rochas argilosas adquirem xistosidade e as dobras ficam com espessuras diferentes, mais delgadas nos flancos do que nas charneiras. Em condições extremas de pressão e temperatura, correspondentes a grandes profundidades, as rochas comportam-se como fluidos viscosos, originando um tipo de dobras bastante diferente das anteriores, designadas por dobras de fluência.

A deformação não é a mesma em todos os pontos de uma cadeia montanhosa, o que se comprova pelo facto de exibirem zonas intensamente deformadas passando, gradualmente, a outras, onde esse efeito não se faz sentir. As correspondentes estruturas são tão variadas quanto as pressões e temperaturas que as criaram e quantos os tipos de rocha ali representados. Assim, nas cadeias orogénicas é possível distinguir vários domínios ou níveis estruturais, escalonados consoante as profundidades a que se deram as respectivas deformações. No nível estrutural superior a deformação faz-se, essencialmente, por fracturação, que tem lugar nas zonas mais superficiais da crosta sob pressões litostáticas muito fracas ou, mesmo, nulas. Apenas as rochas muito plásticas (argilitos e evaporitos) chegam a dobrar. É o domínio das falhas ou das fracturas e de outros tipos menores de rupturas (fissuras). No nível estrutural médio predomina a flexão; os materiais apresentam comportamento dúctil. É o domínio ou zona das dobras concêntricas, frequentemente acompanhadas de fracturação e de fendas de expansão no bordo convexo das dobras. No nível estrutural inferior, muito vasto e podendo atingir espessuras de 20 a 30km, predomina o achatamento, evidenciado pela xistosidade, nas zonas mais elevadas. Abaixo destas faz-se sentir a fluência e, finalmente, a anatexia, isto é, a fusão dos materiais e consequente magmatismo que conduz à formação dos granitos e rochas afins.

(In "COMO BOLA COLORIDA – A Terra, Património da Humanidade", Âncora Editora, Lisboa, 2007).

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