quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Entre o tu e o vossemecê

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 04/12/08
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COMO QUASE TODA A GENTE, trato por tu os colegas, amigos e familiares, da minha faixa etária e, ainda, quase sempre, os mais novos, numa tradição cultural trazida do berço. E foi o que aconteceu com a maioria dos meus alunos. Sei, por experiência própria, que esse tratamento representa, para eles, uma aproximação recebida com agrado. No meu tempo de aluno, na Faculdade, só o saudoso Prof. Germano Sacarrão nos dava o tu, e isso derretia a barreira, grande ou pequena, que sempre existe entre o docente e o discente. É como que o professor a aceitar o aluno no seio da sua família, o que, em meu entender, é bom para ambos.
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Aos mais velhos dou sempre senhoria e aos da minha geração, trato-os pelos seus nomes. Não aprecio o você, sobretudo, quando me é dirigido por um desconhecido. Tolero-o sempre que é pronunciado por pessoas simples, vindas de regiões onde essa forma de relacionamento é tão legítima como o vossemecê da minha gente. Detesto-o e reajo mal se o você sai da boca de um estranho de posição socioprofissional elevada, como, por exemplo, um médico ou um juiz. Choca-me ver e ouvir, nas reportagens dos telejornais, o ou a jovem jornalista tratarem por você os entrevistados, sobretudo se estes são mais velhos. Competiria aos responsáveis das redacções, providenciar no sentido de corrigir uma tal deselegância.
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Cresci a tratar os mais velhos por senhor ou por vossemecê e aprecio ser tratado desta maneira. Dispenso o "senhor doutor" e o "senhor professor" que, mercê da profissão, carreguei anos e anos a fio, e rejeito liminarmente o "vossa excelência". No que foi o meu local de trabalho, alguns dos nossos funcionários de posição hierárquica mais simples, para quem o você dado aos mais velhos é cultural, usavam, muitas vezes, este mesmo você nas suas conversas comigo, tendo por suporte um sentimento de aproximação afectiva. Este você amistoso é muitíssimo diferente do que é dito pelo médico ao utente do Hospital ou do Centro de Saúde. Diminuído fisicamente e, naturalmente, também em termos psicológicos, o doente vê no clínico - tantas vezes um jovem acabado de se licenciar, deslumbrado pela bata branca que o distingue e pelo estetoscópio que traz ao pescoço - o remédio para os males que o afligem e quase se lhe submete como a uma divindade. Submissão que encoraja alguns destes "senhores doutores" a tratar por tu os pacientes que se lhe afiguram de condição mais humilde, o que, além de muito feio, é francamente lamentável.

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