sábado, 12 de janeiro de 2013

A Baía dos Tigres e Porto Alexandre

A Baía dos Tigres e Porto Alexandre:


A BAÍA DOS TIGRES
A Baía dos Tigres, a velha "Manga das Areias", nome pelo qual era conhecida a grande enseada quando descoberta por Diogo Cão na sua terceira viagem em 1485,  desde o dia 14 de Março de 1962 deixara de ser uma restinga para se tornar numa ilha...

Tudo aconteceu após uma forte calema, que, atirada de SW, bateu furiosamente a parte de fora do saco da restinga, com ondas de mais de dez metros de altura e cortou a língua de areia que unia o continente à Baía dos Tigres, rompendo com as condutas.

Algum tempo antes havia sido construído o sistema de captação de águas a partir da Foz do Cunene,  sendo que para alguns o acontecimento fora encarado como uma espécie de vingança do mar que deixara ainda mais isolada aquelas isoladas gentes, e ainda mais sofridos os já sofridos pescadores.

Contam os que da diminuta população viveram este acontecimento que foi  um espectáculo a que assistiram  impotentes e aterrorizados,  temerosos de que a própria ilha fosse tragada pelo Atlântico.

A verdade é que compusando a historia da Baía dos Tigres tudo leva a crer tratar-se de um fenómeno  periódico. Na verdade o Mapa-mundi de 1623 de António Sanches assinala uma restinga, a Carta Geográfica da Costa Ocidental desenhada em 1790 por Pinheiro Furtado, assinala uma ilha; e Pedro Alexandrino na sua visita à Baía dos Tigres, em 1839, a bordo da corveta Izabel Maria,  refere ter encontrado alí uma restinga, enquanto Lopes de Lima, em 1846, nos seus Ensaios Estatísticos refere de novo uma ilha. Quando em 1861, os primeiros pescadores Algarvios chegaram à Baía dos Tigres encontram  de facto uma restinga fechada, mas a verdade é que desde 1962 até hoje o que alí encontramos é uma ilha.

Na Baía dos Tigres foi completamente abandonada em 1975 quando a vida em Angola em vésperas da independência, se tornara para os brancos impossível, colocados que se encontravam entre o fogo cruzado dos movimentos de libertação em disputa pelo poder, em ambiente de total anarquia, com a administração portuguesa em retirada, e a internacionalização do conflito.

Hoje quem visita este local, um dos mais desoladores da terra, poderá confrontar-se com toda uma série de edificações abandonadas que alí existiram na época colonial, autênticos monumentos históricos, alguns dos quais em forma de palafita, assentes em pilares para deixarem que as fustigantes areias das dunas movidas  pelos ventos fortes que tudo cobriam à sua passagem pudessem prosseguir caminho, tornando a  fixação humana possível.  Eram o posto sanitário, a escola, a estação radio-telégrafo-postal, o hospital, a delegação marítima , a imponente Capela de São Martinho, alinhando-se de um lado e do outro da única rua cimentada que serve também de pista de aviação.

Nos primeiros tempos quando  os abnegados colonos alí se estabeleceram a partir dos anos 1860, o  abastecimento de água provinha de uma ou outra cacimba de água salobra na margem continental da baía. Na praia do lado da baía ficava o depósito de água que era reabastecido pelos  Save ou pelo 28 de Maio, a partir do Curoca ou de Moçâmedes. A água tinha sempre que ser fervida e filtrada em sangas como prevenção.

E se a vida era difícil para os homens também era para os cães. Os cães da Baía dos Tigres ficaram célebres, eles comiam e bebiam o impossível na luta pela sobrevivência. Nadavam e pescavam de cerco e em matilha, empurrando o peixe para terra. Tinham membranas interdigitais. E bebiam água, passando de manhã cedo a língua suavemente por sobre a água salgada, retirando assim a fina camada de água doce que o cacimbo deixava.

Para quem estivesse decidido a dalí continuar rumo ao sul, são mais 80 Km até à Foz do Cunene, o ideal era a utilização de dois jipes e de um certo número de pessoas de modo  a  que, no caso de  virem a surgir dificuldade,s se pudesse acudir.  O trajecto, fazendo conta às marés, fazia-se pela praia quer até à fronteira com a Namíbia quer avançando até à Costa dos Esqueletos. No regresso era a passagem pelo Iona,  pela Espinheira, e finalmente Tambor, S. João do Sul e Moçâmedes.  Reforçados de gasóleo e muita água. E já agora um farnel bem composto onde não falte peixe de escabeche.

Vamos a isso!

Deixamos para trás Porto Alexandre, onde perdura, no imaginário de algum mais velho que ainda não sofra de deslembranças, o caso de Maria da Cruz Rolão. Mulher Olhanense, viúva do pescador Tomé do Ó, conhecida como a Regedora. Figura lendária do final do século XIX, ficou célebre da forma como enfrentou os oficiais do navio de guerra Inglês HMS. De bandeira ainda monárquica azul e branca desfraldada, meteu-se num bote e intimou os britânicos a retirar das águas portuguesas.

São dunas e mar e um mar de dunas até à baía dos Tigres. Diz-se que quem ama o deserto ama o mar. E aqui estão os dois elementos em toda a sua grandeza e esplendor. É de matar ou então só cegar incautos esta prenhidão tamanha. Um mar imenso a bombordo que abalroa de frente com a vastidão do deserto a estibordo numa toada que parece de choro sofrido e repetido. Umas vezes vamos a patinhar na água e outras voamos na crista das dunas. Com os pneus meio vazios cavalgamos o tempo numa luta insistente e teimosa contra as vagas de areia solta. Como um veleiro no mar alto a cavar ondas sem parança. Não vemos vivalma. Apenas um garajau tonto e desorientado, perdido da sua costumeira rota. E restos de velhos navios que o mar piedosamente sepultou na praia. A espuma deste oceano, soprada pelas ondas, adormece e morre na areia. Esta terra não foi feita nem para gente nem para bichos. Só o vento consegue viver aqui. E mesmo assim o seu queixume é constante e bastas vezes violento. Há quem diga que a denominação Baía dos Tigres se deve ao ruído enervante de fera molestada que o redemoinhar da areia provoca no cone superior das dunas.

O sol sente desejos de beijar o dia. O cacimbo cerrado faz-lhe frente, mas o astro vence-o transbordando para além do horizonte o seu vermelho fogo de paixão. Deita então a cabeça no mar e espreguiça-se por sobre as dunas. Como que a querer reanimar este fim do mundo onde nem o mais triste e solitário dos tigres resistiria.


Porto Alexandre
Hoje vou a Porto Alexandre. Por aquela estrada que é uma recta só, com uma curva no meio, porém suave. E que é costume ser engolida pelas areias e asfaltada de miragens. Saio daqui bem amanhece, depois de um café bom de cafeteira. Sem borra. E vou andando até à Subida Grande. Devagar que nestas terras a pressa não tem pressa. Saio cinquenta metros da estrada, virando à esquerda, para pisar mais uma vez o tapete de ágatas de todas as cores. Retomo a estrada. Passo pela casa que já teve portas, janelas, tecto, paredes pintadas e até cantoneiro mesmo ele próprio.
Chego ao Buraco. Estamos a meio caminho dos noventa e três quilómetros que unem Moçâmedes a Porto Alexandre. Os mais velhos, no século antepassado, demoravam tanto tempo na viagem que paravam aqui para almoçar. Merendavam debaixo duma espinheira que ainda cá está de pé e a que ironicamente chamaram de Hotel do Buraco. Algumas vezes pernoitavam ou resguardavam-se, pois o vento era tanto que a estrada, ainda não asfaltada, simplesmente levava sumiço. Trilhavam nova porque a caminhar se faz o caminho.
Paro na direcção do Cabo Negro e vou até junto do mar revisitar o Padrão que Diogo Cão aqui deixou. Continua caído e abandonado. Ai Portugal, Portugal!

Regressado à estrada vejo a placa branca, escrita a negro. Estrada nº 11. Moçâmedes 73 Km. É difícil de ler porque mais parece um passevite. Não houve ninguém que tivesse arma e que por aqui passasse que não lhe mandasse uma fogachada. Não eram garantidamente caçadores. Esses não desperdiçam cartuchos em caça que não deve ser caçada, quanto mais…
Começa a fazer calor. A estrada é um sem fim de miragens. Ao olhar para Moçâmedes vejo os postes telefónicos todos alinhados, como se fossem soldados em sentido numa parada, no deserto, com a areia a subir-lhes pelas botas. Os cabos é que voaram ou estão caídos ao longo da formatura. Sigo viagem e passo pelo Curoca com os seus arimbos. Estão duas lavadeiras a bater roupa com sabão macaco azul, junto à ponte. E chego ao Pinda que já foi pescaria do Albino da Cunha. Parece-me meio abandonado. As palmeiras teimam em não morrer. Foi daqui que se iniciou a expedição de Angola à contra-costa de Capelo e Ivens. Ataco a subida para finalmente chegar à última cidade do deserto do Namibe. Depois e só lá longe a Baía dos Tigres. E, como é costume, o deserto invadiu completamente o asfalto. Há garruaço. Agora a estrada é toda areia com algumas poças de negro.

E vejo Porto Alexandre.

O cemitério branco como a cal povoado de cruzes, os depósitos de água preciosa, a central eléctrica, as barreiras de caçoarinas que fazem um semi-círculo. E no seu interior até ao mar o casario rasteiro.

Passeio o olhar pela praia. Vejo ao longe a língua de areia onde o Figueiras apanhava as amêijoas. Dou uma passagem pelas pescarias que continuam a escalar peixe em força. As traineiras ainda têm nomes Olhanenses ou de mulheres e de Santas. Um oceano de tarimbas de peixe seco. E passo pelo cinema, o campo do Independente e um ou outro café sempre com um homem encostado à porta, com o olhar perdido no anteontem. E a estátua ao pescador. Como eu admiro e respeito estes Homens do mar. Ainda mais aqui no cu de Judas com milhões de moscas. E muitos putos que vêm da escola e que parecem felizes.
E perguntei pelo Daniel Sangojo, um bailundo contratado, criado e depois amigo do menino Carlos Jorge.Prometeram-me dar notícias. E eu acredito.

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Este interessante texto foi-me enviado sem a identificação do seu autor
Resolvemos publicá-lo. Agradeçemos a quem vier visitar-nos e conheça o autor, entre em contacto. Pena seria perder-se! MariaNJardim

Fonte: Blogue "Gente do meu Tempo, post de 21Abr2012. posteriormente a proprietária retirou-o do Blogue.

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