domingo, 14 de junho de 2009

Ler nas rochas

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 14/06/09.
DE HÁ MUITO que buscamos utilidade nas rochas e em muitos dos minerais que as formam ou nelas ganham existência. Do sílex dos nossos mais primitivos avós ao quartzo piezoeléctrico dos relógios de pulso dos dias de hoje, ou do breu explorado e usado como combustível, há milhares de anos, na Mesopotâmia ao crude, ao gás natural e ao urânio consumido nas centrais nucleares da modernidade, sempre o homem as utilizou como bens que a Natureza colocou ao seu dispor. Mas as rochas não podem deixar de ser vistas também como documentos valiosos de uma história só através delas passível de ser desvendada.
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Todos aceitamos naturalmente um velho pergaminho, uma catedral, uma ruína ou qualquer vestígio pré-histórico como documentos de um passado mais ou menos antigo. Do mesmo modo, as rochas, na sua diversidade e modos de ocorrência, podem e devem ser entendidas como documentos de uma outra história bem mais remota que, em vez de séculos e milénios, se desenrolou ao longo de milhões e até de milhares de milhão de anos.
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As rochas testemunham uma evolução planetária profundamente antiga, feita de lavas incandescentes, de dilúvios intermináveis, de longos Invernos gelados, de desertos abrasadores e de catastróficas colisões com outros corpos seus irmãos no Sistema Solar. Falam-nos de continentes à deriva e revelam-nos oceanos que se abriram e fecharam, deixando como testemunhos sucessivas cadeias de montanha, umas já desaparecidas, outras mais recentes, de relevo vigoroso e em plena ascensão. Durante essa evolução a vida surgiu e progrediu, sofreu extinções mais ou menos generalizadas e profundas e recompôs-se sempre, até chegar aos milhões de espécies que caracterizam a actual biodiversidade. De tudo isto ficaram-nos testemunhos arquivados nas rochas que, assim, nos permitem investigar também a história da Vida a que deram berço e suportam. As rochas são, pois, a memória da Terra, memória que pode ser lida e contada, bastando para tal que se conheçam os caracteres dessa escrita.
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Como documentos da evolução do nosso planeta, desde a sua origem até os nossos dias, podemos ler nas rochas, à semelhança do que faz o paleógrafo ao descodificar velhos pergaminhos, do que todos fazemos nos livros ou do que faz o músico ao trautear uma partitura. Decifrar a história da Terra passa, pois, por saber ler nas rochas através dos seus minerais, dos seus fósseis e de outros elementos nelas conservados.
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Publicado no «DN» de 6 de Junho de 2009

Memória de 13 de Junho de 1974

via Do Mirante de ajoaosoares@gmail.com (A. João Soares) em 12/06/09
À hora marcada, estava no aeroporto da Portela para me juntar a um pequeno grupo que ia partir para Londres onde iria ter lugar um encontro entre representantes do poder Português com o PAIGC (Partido Africano Para a Independência da Guiné e Cabo Verde). Fazia-me acompanhar de uma volumosa pasta com dossiês relativos ao dispositivo militar na Guiné que foi preparado meticulosamente a fim de poder ajudar os futuros elementos armados da Guiné a substituírem os nossos militares nos diversos pontos do território, por forma a manterem a ordem sem sobressaltos e prepararem um futuro promissor para as diversas etnias que iam passar a ter uma autonomia responsável.

Fui nomeado pelo governador Carlos Fabião depois de ter ouvido o meu chefe directo que me consideraram o elemento do Comando Chefe com mais informação para o efeito desejado.
No aeroporto encontrei-me com o Manuel Monge, hoje general, e pouco depois chegaram Mário Soares, Almeida Santos e Jorge Campinos. Já todos conheciam o Monge. No entanto, Mário Soares, perguntou quem era o João Soares (por exclusão de partes não lhe era difícil saber que era eu) e disse que o filho também se chama João Soares. Foi uma forma simpática de me introduzir no grupo. E informou que a reunião não seria em Londres porque o PAIGC tinha dito que não se sentia à vontade para discutir o assunto em casa de um nosso aliado e tinha proposto a Argélia, o que Portugal aceitara. De maneira que íamos tomar um avião para a Argélia via Paris.

Chegados lá instalámo-nos numa moradia e foi-nos oferecido chá de menta e tâmaras à discrição, além de comodidades muito aceitáveis. Tínhamos sido alertados para a hipóteses de as conversas serem escutadas e gravadas, pelo que ou falávamos no jardim relvado distantes dos canteiros ou à volta de uma mesa em cujo centro colocávamos um rádio que empastelava as nossas vozes em eventual gravação.

No dia seguinte tivemos o encontro e as conversas bilaterais em que o PAIGC era representado por um grupo do tamanho do nosso, sob a chefia de Pedro Pires.

Estou agora a recordar isto e a escrever pela primeira vez, porque é o aniversário desse evento e porque as notícias recentes mostraram, mais uma vez, que a Guiné não soube ou não conseguiu aproveitar da melhor forma a oportunidade de ser um País independente capaz de se governar para bem-estar do seu povo e desenvolvimento das suas potencialidades que, diga-se a verdade, não eram muito promissoras. Mas houve um pormenor que na altura me impressionou e agora recordo com vontade de não o manter no sufoco.

Nas conversações quem falava era Pedro Pires de um lado e Mário Soares do outro (nosso) com pequeníssimas intervenções de Almeida Santos e Jorge Campinos. A dada altura, Pedro Pires na sua arenga contra a repressão dos militares portugueses (o que não podia surpreender, porque era esse o papel que ali estava a representar) falou nos campos de concentração em que tinha sido colocada grande parte da população guineense. O Monge deu-me um toque de joelho e trocámos um olhar de espanto por não ter havido reacção de Mário Soares e, de forma discreta, dissemos que no intervalo íamos chamar-lhe a atenção por ele não ter reagido.

Chegados ao intervalo e após o primeiro gole de chá de menta, mostrámos-lhe o nosso espanto por ele ter deixado sem esclarecimento essa alusão, feita de forma despropositada e hostil, aos aldeamentos construídos quase no estilo de aldeias turísticas dos nossos tempos, com água, proximidade dos campos de cultivo em locais escolhidos pelas pessoas importantes da aldeia (homens grandes) e que muito nos impressionava que os soldados que as construíam, que viviam nas suas aldeias do interior do País com a família em péssimas condições em comparação com aquelas, trabalhavam sem refilarem nem exigirem nada de semelhante para as suas aldeias. Aceitavam o seu espírito de missão sem qualquer sombra de ressentimento, tal fora a sua preparação militar.

Mas Mário Soares que conhecia a Guiné apenas através dos programas que a oposição fazia publicar na Rádio Moscovo, na Rádio Argel, na Rádio Praga e outras, não conhecia minimamente o produto que estava a «vender» ou a dar e não podia dialogar com o «comprador» ou aceitador. E argumentou, como motivo para não ter reagido à alusão a «campos de concentração», a existência do arame farpado que cercava os aldeamentos. Foi-lhe explicado que a única razão era dar alguma protecção aos habitantes contra os roubos dos seus haveres pelos combatentes africanos ocultos no mato na região e que fora pedido pelos «homens grandes» do aldeamento. Limitou-se a dizer «porque não me disseram isso antes?». Para o que não podia haver resposta, pois o desejado «briefing» prévio devia ter sido determinado por ele.

Regressado, a Lisboa voltei a Bissau com a pasta pesada com os dossiês intactos sem terem sido sequer referidos, frustrado pela inutilidade do esforço e pelo amadorismo das «conversações», fiz o relatório ao Governador Carlos Fabião e sugeri que nomeasse outro seu delegado para as novas rondas das conversações, pois não estava interessado em continuar. Veio a ser nomeado Hugo dos Santos, agora general. Pouco depois terminava os dois anos de serviço ali e, apesar disso e de ter regressado definitivamente a Lisboa, ainda lá fui algumas vezes a pedido do governador que depositava em mim confiança para alguns contactos com as altas esferas militares.

Concordo que a descolonização foi feita sob pressões anormais e irracionais, mas devia haver coragem para parar e pensar na melhor forma de garantir o futuro das populações locais, de maneira a não perderem os efeitos positivos do bom que existia e poderem desenvolver todas as hipóteses de melhorar. Não houve a serenidade e o bom senso necessários, não tinha havido preparação de pessoas válidas para o enquadramento da vida social e económica, nem segurança para agirem da forma mais correcta, e depois foi o que se tem visto, até aos nossos dias, passados 35 anos.

A República da Guiné Bissau não começou com os melhores augúrios e tropeçou ao dar os primeiros passos. Oxalá, agora após 35 anos, haja sensatez para recuperarem o bom rumo e superarem da melhor maneira os sofrimentos de todo este tempo.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

La envidia de Goebbels

via Fidel Alejandro Castro Ruz de samehellas@gmail.com (Same) em 12/06/09
Escuchaba ayer la Mesa Redonda. Se analizaba, entre otros temas, la Operación Peter Pan, uno de los más repugnantes actos de agresión moral llevados a cabo contra nuestro país. El tema de la patria potestad es sumamente sensible. Fue un golpe bajo y repugnante. En una de las novelas de Mijaíl Shólojov que leí años más tarde, se menciona esa calumnia que ya había sido usada contra la Revolución de Octubre de 1917.

El artífice de la operación contra Cuba fue Monseñor Walsh, un cura católico norteamericano que respondía al obispo de Miami.

Transcurría el año 1960 cuando se inició la operación. Como se conoce, nuestra Revolución no había puesto obstáculo alguno a las salidas del país. Debía ser la obra voluntaria de un pueblo libre. La respuesta imperialista, entre otras muchas agresiones graves, fue Peter Pan.

Cuando Taladrid comentaba aquel hecho, mencionó el nombre de un profesor de Economía, Ángel Fernández Varela. Recordé que cuando yo estudiaba el último curso del Bachillerato en el Colegio de Belén, un profesor seglar nos daba clases de una de las asignaturas, Economía Política. No se trataba, por supuesto, de un curso de marxismo-leninismo, que fue el tema ideológico invocado 18 años más tarde para expulsarnos de la OEA. Eran clases sencillas y bastante elementales sobre economía política burguesa. ¿Qué otra cosa éramos los alumnos blancos que allí estudiábamos? El profesor que las impartía dos o tres veces a la semana era puntual y nunca dejó de asistir a las clases.

Me sorprendió lo que escuché en la Mesa Redonda. ¿Será acaso aquel profesor?, me preguntaba. Llamé a Taladrid en busca de datos. Lo comprobé con él, pues sabía que fue profesor del Colegio de Belén. Luis Báez asegura igualmente que yo me encontré con ese profesor en algún lugar de La Habana en el año 1959 y le había criticado su actitud, pero no recordaba aquel detalle.

Walsh fue condecorado post mortem hace unos días por su "proeza" con la Operación Peter Pan. Había declarado hace años que recibió llamadas telefónicas para el inicio de la operación y coordinó con la CIA.

A fines de mayo, Álvaro F. Fernández, hijo de Fernández Varela, contó en la revista digital Progreso Semanal que " unos años antes de su muerte en Miami, mi padre nos reunió en presencia de mi madre, mi hermana María, su esposo y yo, nos dijo que él había sido una de las personas responsables de redactar la falsa Ley que provocó la histeria de la 'eliminación de la patria potestad'. Por eso es que sé, sin la sombra de una duda, que la Operación Pedro Pan fue una siniestra jugada de inmoralidad diseñada y soñada por la CIA antes de la invasión de Bahía de Cochinos "

Un agente de la CIA trasladó el falso proyecto de Ley a La Habana desde Miami. El propio Ángel Fernández Varela contó a la revista Contrapunto que él había trabajado para la CIA entre 1959 y 1968.

Cada uno de los 14 mil niños involucrados en el drama siguieron su traumático camino. Procedían fundamentalmente de las capas medias de la población. No eran hijos de terratenientes ni de grandes burgueses, no había por qué arrastrarlos a ese drama. En aquel entonces existía una embajada yanki, que otorgaba los permisos para entrar en Estados Unidos. Los correspondientes a los niños de Peter Pan, los enviaban en paquetes que después se llenaban en Cuba con los nombres de los pequeños. Ninguno de los niños necesitaba ser salvado. A lo largo de muchos años la Revolución ha facilitado la salida a alrededor de un millón de personas que en su mayoría se dirigieron a Estados Unidos, el país más rico, que estimula el robo de cerebros y el despojo de personas instruidas y fuerza de trabajo calificada.

Estados Unidos no estaría en condiciones de hacer eso con ningún otro país de América Latina. ¿A quién podía favorecer la diabólica operación clandestina?

La profesora asociada de Ciencias Políticas de la Universidad DePaul, en Chicago, María de los Ángeles Torres, quien fue Peter Pan, aunque no es revolucionaria demandó a la CIA para que desclasificara cerca de 1 500 documentos sobre la Operación Peter Pan. La CIA se niega a desclasificarlos con el pretexto de la seguridad nacional. Huele tan mal el asunto que no quieren destaparlo.

A pesar de esa negativa, la profesora Torres pidió y logró que la Biblioteca Presidencial Lyndon B. Johnson, le diera acceso a un documento del gobierno de Estados Unidos que rechazaba una propuesta del Alto Comisionado de la ONU para Refugiados consistente en que la ONU pagaría la transportación de los padres de los niños que habían sido enviados a Estados Unidos. Ese material se publicó en la prensa de ese país hace más de 15 años.

Peter Pan fue una maniobra de publicidad cínica que habría sido envidiada por el propio Goebbels, el ministro de propaganda nazi.

Fidel Castro Ruz
Junio 11 de 2009
4 y 40 p.m.

o único valor

via portugal contemporâneo de noreply@blogger.com (Pedro Arroja) em 11/06/09

"Em todo o Novo Testamento só aparece uma figura digna de homenagem: Pilatos, o governador romano ... O nobre desprezo de um romano, diante do qual a palavra "verdade" era vergonhosamente manipulada, enriquece o Novo Testamento com o único valor que nele existe: a pergunta - Que é a verdade?"
Nietzsche

quinta-feira, 11 de junho de 2009

ortodoxia

via portugal contemporâneo de noreply@blogger.com (Pedro Arroja) em 11/06/09

Sobre a questão levantada pelo Joaquim recentemente acerca de os portugueses serem ou não intolerantes:

"Nossa formação social, tanto quanto a portuguesa, fez-se pela solidariedade de ideal ou de fé religiosa, que nos supriu a lassidão política ou de mística ou consciência de raça ... Na falta de sentimento ou da consciência da superioridade da raça, tão salientes nos colonizadores ingleses, o colonizador do Brasil [i.e., o português] apoiou-se no critério da pureza da fé. Em vez de ser o sangue foi a fé que se defendeu a todo o transe da infecção ou contaminação com os hereges. Fez-se da ortodoxia uma condição de unidade política".
(Gilberto Freyre, Casa Grande & Senzala, Lisboa: Livros do Brasil, 2003, pp. 196-97)

De fato

via Caminhos da Memória de João Tunes em 10/06/09
  Sou do tempo em que o pronto-a-vestir ainda não tinha aparecido e estava, portanto, longe de se ter apoderado do mercado das fatiotas. Quando se queria um fato, recorria-se a um dos alfaiates que eram, então, artesãos numerosos e respeitados. E a concorrência permitia uma escolha amadurecida. Quando se encontrava, por mestria ou simpatia, um [...]

terça-feira, 9 de junho de 2009

Benoist em entrevista

via jantar das quartas de DB em 27/05/09
Alain de Benoist em entrevista no inconformista.info, a não perder. Em três partes: 1, 2 e 3.

Tarrafal – Discurso de José Maria Neves, Primeiro-Ministro de Cabo Verde

via Caminhos da Memória de Caminhos da Memória em 08/06/09
   Simpósio Internacional sobe o Campo de Concentração do Tarrafal, 28 de Abril de 2009  Em Agosto de 2006, sob meu impulso, o Conselho de Ministros aprovou a Resolução nº 32/2006, que reconhece o ex-Campo de Concentração do Tarrafal e suas respectivas dependências como Património Nacional da Republica de Cabo Verde. A mesma Resolução consagra o dia [...]

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Clive Granger: matemático, estatístico, Nobel

via Textos longos, passatempos, etc & tal... de Carlos Medina Ribeiro em 08/06/09
Por Nuno Crato

FALECEU a semana passada em San Diego, na Califórnia, uma das pessoas mais brilhantes mas também mais tranquilas e simples que tive o privilégio de conhecer. Nascera no País de Gales em 1934 e começara por estudar matemática em Nottingham, onde se veio a doutorar na área de séries temporais. Tinha então 25 anos e logo partiu para Princeton, onde trabalhou com o matemático John Tukey e com o economista Oskar Morgenstern, co-fundador da teoria matemática dos jogos.

Em Princeton, Granger aplicou a séries económicas a chamada análise espectral, originada em matemática pura e em física-matemática pelo francês Jean Baptiste Fourier. Desenvolveu uma abordagem diferente para dados económicos, fazendo a sua decomposição em ciclos sobrepostos. Pela mesma altura, notando a dificuldade em tirar conclusões sobre as influências recíprocas de variáveis em evolução, definiu um teste simples para o que veio a ser chamado "causalidade à Granger". Imagine-se, por exemplo, uma empresa com vendas que crescem ao longo dos anos e com despesas em publicidade também crescentes. Será que é a publicidade que causa o aumento das vendas ou que são as receitas que incrementam a publicidade?

O teste de Granger é de uma simplicidade desarmante. Como diria em 1997 numa entrevista ao Expresso, «A minha definição é operacional. Não falo em termos de causa e efeito absolutos, mas baseio-me em dois postulados muito fortes. Primeiro, a causa aparece antes do efeito; segundo, a causa contém uma informação prévia sobre o efeito que nenhuma outra variável possui. Quer isto dizer que a definição de causalidade que perfilho é passível de teste, através da comparação de previsões.»

Não seria essa a única entrevista deste investigador ao Expresso. A segunda correu em Janeiro deste ano, quando esteve em Portugal pela segunda vez, de novo a convite do centro de investigação Cemapre, do ISEG. Nessa altura, já Clive Granger tinha recebido o Nobel de Economia de 2003 [na imagem], em conjunto com o norte-americano Rob Engle. Para trás tinha décadas de descobertas criativas que marcaram a estatística, a econometria e a análise dos mercados financeiros. Clive Granger foi um dos dois ou três matemáticos aplicados que mais influenciaram o estudo quantitativo da economia. Como gostava de dizer, como que a desculpar-se, «sempre quis utilizar a matemática para ser útil».
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«Passeio aleatório» - «Expresso» de 5 de Junho de 2009
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

Petra

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 07/06/09
A PALAVRA PEDRA chegou-nos, do grego, através do latim, petra, que traduz a ideia de uma entidade natural, rígida, coesa e dura, a que também chamamos rocha. Petra é a antiga cidade da Jordânia repleta de monumentais ruínas escavadas na rocha e Petróleo é o óleo saído do chão, de dentro das pedras, assim como o carvão-de-pedra é o que se extrai das entranhas da Terra, como se de pedra se tratasse. Petrologia é a ciência que estuda as rochas e petrólogos os seus cultores. Petrificados ficamos quando uma notícia nos gela o sangue e nos imobiliza. Petrificados estão os fósseis, ou seja, os restos dos seres vivos do passado que chegaram até nós. Pedra de moinho, pedra de afiar ou de amolar, pedra preciosa, pedra lascada e pedra polida, Idade da Pedra, pedra-mármore, pedra-pomes, pedra-ume, pedra-sabão, chuva de pedra, pedrinha de sal, pedrada, pedra no sapato são expressões que caracterizam o conceito empírico que todos temos de pedra como rocha. De pedra eram a ardósia e o lápis em que esboçámos as primeiras letras, sendo curioso assinalar que lápis, do latim lápis, também quer dizer pedra.

Empedernido diz-se daquele que é insensível como a pedra e pedernal ou pederneira é o sílex, que os nossos avós usavam nos bacamartes, ou que os tetravós destes lascavam, fazendo machados, facas e pontas de seta.

Pedra angular quer dizer fundamento, base ou suporte. Pedro, nome de gente, vem de pedra. «Tu és Pedro e sobre ti levantarei a minha Igreja» disse Jesus ao discípulo. São Petersburgo é o nome da antiga Petrogrado, na Rússia, em homenagem a Pedro, o Grande, e Petrópolis é a cidade brasileira assim chamada em memória do seu primeiro imperador, D. Pedro II de Portugal.

Pedra filosofal ou da sabedoria, que em árabe se diz, al kimia, foi o lema de um saber notável durante a Idade Média, nem sempre devidamente valorizado, onde radicam ciências como a Química e a Mineralogia.

Pedrógão, Alter Pedroso, Pedrouços e Pedrulha são topónimos relacionados com pedras. Aumentativo de pedra, pedrão deu padrão, o marco que os nossos navegadores deixaram na rota dos descobrimentos. Pêro é o nome arcaico de Pedro e Peres são os seus descendentes. Pêro Vaz de Caminha e Pêro da Covilhã são nomes conhecidos da nossa história e Pêro Botelho é o Diabo que não pára de rugir na caldeira que tem o seu nome, no sítio das Furnas, na ilha açoriana de S. Miguel. Peroliva, Peramanca e Perafita são nomes de sítios do Alentejo que evocam grandes marcos de pedra, através do prefixo pera, que traduz a mesma ideia. Tais pedras ou eram verdes (oliva) ou estavam mancas, isto é, tombadas, ou ainda se mantinham fitas, maneira antiga de dizer erguidas, na postura fálica em que as colocavam os nossos antepassados do período megalítico e que os pré-historiadores franceses divulgaram sob o nome de menhires, mantendo a expressão original bretã, men hir, que significa pedra comprida.
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Ampliação do texto publicado no «DN» em 6 de Junho de 2009

OS FASCÍNIOS DO MIGUEL CASTELO BRANCO EM BANGUECOQUE

Leiam-se os comentários trocados entre o Miguel Castelo-Branco e o José Martins
Rui Moio

via DA TAILÂNDIA COM AMOR E HUMOR de Jose Martins em 07/06/09
Certo que todos os dias vou ao blogue do Miguel Castelo Branco http://combustoes.blogspot.com e ver como vai seguindo nas "verduras", na área dos seus desenvolvimentos dentro da historiografia, de suas investigações.
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Fico, algumas vezes, confuso como é possível o Miguel conseguir ter na "pinha" imensa matéria. Não vou aqui escrever que descuro o seu perfil literário e ânsia de pretender descobrir mais um mundo, entre os tantos, que em diversos mares tem navegado.
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Mas porém não deixo de aqui teclar que graças à Internet têm surgido no quotidiano os valores, imaginários, "abichando" neste meio, espantoso, de comunicação que por vezes deixa os incautos, maravilhados, por um valor que na realidade não existe.
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Já li e não me lembro aonde umas frases da escritora Augustina Bessa Luis que os tais valores, para impor aos outros, para impressionar aquilo que não são, entregam-se ao "copismo", uma forma de "plágio", sofisticado, mais ou menos como um cozinheiro dá o mesmo sabor a um prato com outros ingredientes culinários.
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Evidentemente que no tempo de Camilo Castelo Branco, do Eça de Queirós e outros grandes vulgos da literatura portuguesa não existia a Internet, pois se ela já circulasse publicaram o dobro ou mais das obras que escreveram.

O Miguel Castelo Branco já chegou demasiadamente tarde a Banguecoque para dar a entender, a quem lê o seu blogue, que chegou à capital tailandesa para descobrir coisas novas relacionadas com as relações, históricas, entre Portugal e o Sião.
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Já outros, antes do Miguel, descobriram tudo e mais que tudo, pedra por pedra e colocam-nos no anonimato como espécie de conveniência.
Mas eu sei, que os novos historiadores (do colarinho branco) portugueses, que ultimamente, surgiram na Tailândia, vão "abichando", para se elevarem ou atingirem a glória vã, nas dezenas de "peças" que ao longo de anos e anos escrevi por amor e nunca em procura de "mordomias" ou "bronzes" no peito colocados pelos "maiorais" e donos da história, no "Dia de Portugal" que pomposamente lhe deram o nome de Camões e hoje (me parece) das Comunidades Portuguesas.
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A fonte de agua cristalina onde mergulham e saciam suas sedes tem sido no que tenho desenvolvido, (sem valor ortográfico que mereça e bem o sei) no website www.aquimaria.com e nos blogues http://portugalnatailandia.blogspot.com , http://maquiavelices.blogspot.com http://aquitailandia.blogspot.com , cujas pestanas tenho queimado desenvolvendo-os.

Para levar a cabo este meu longo trabalho, nunca me arrastei ou beijei os pés do Poder para "abichar" migalha de pão que fosse, caida de suas mesas, como recompensa.

O orgulho e a puresa do meu ser não me permite lidar com com a hipocresia. Construiu o meu mundo sem "golpes" de machado.

O pequeno texto do Miguel, publicado, a seguir bem nos diz até que ponto vão as suas ambições. Informo (bem ele o sabe) que toda a informação em cima das relações de Portugal e o Reino do Sião, felizmente, estão comigo e não em bibliotecas ou arquivos de Portugal e foi um trabalho de amor e árduo durante 26 anos.

"Quanto mais vou abrindo caminhos na investigação que aqui desenvolvo sobre as relações entre Portugal e o Sião nos séculos XIX e XX, as certezas com que vim armado vão-se desvanecendo perante bibliografia inacessível na Europa...."

Porém o propósito desta pequena croniqueta é relacionada com um artigo que o Miguel publicou, no seu Combustões, com a data de ontem (6.6.09) "Lembrando 6 de Junho de 1944: o estranho contrário" http://combustoes.blogspot.com/2009/06/lembrando-6-de-junho-de-1944-o-estranho.html , que me deixou confuso, como o Miguel Castelo Branco tem conhecimento de tanto!!!

Chegando à conclusão que o Miguel escreve coisas "lindas" inspirado naquilo que outros já escreveram e publicado na Internet.

Uma das fontes, entre outras, onde o Miguel foi beber, para escrever o artigo acima referido, teria sido a do endereço da internet a seguir http://www.angkor.com/2bangkok/2bangkok/forum/showthread.php?t=1250. José Martins

P.S. Não deixa de ser curioso (sem necessitar de tal), que um blogue meu que em tempo esteve lincado ao seu Combustões, o tenha retirado... Porque teria sido? eu sei e regulo-me pelo ditado: "Quem é o teu inimigo? O oficial do teu ofício!"


domingo, 7 de junho de 2009

a força legítima - 1

via portugal contemporâneo de noreply@blogger.com (rui a.) em 25/05/09
«Das actividades dos grupos de intervenção política, ou supondo que a exerciam, não tive notícias directas, mas sim oportunidade de, na vida profissional, encontrar alguns dos envolvidos. Lembro sempre o Dr. Teófilo Carvalho dos Santos, do círculo do escritório do Dr. Abranches Ferrão, e que foi um dos meus amigos mais queridos e mais íntimos.

Num dos sobressaltos da Polícia Política, que em relação ao Teófilo só não acertava nas ocasiões, por 1947 este acordou na sua casa de Alenquer com os agentes a tomar conta do automóvel e a mandar-lhe que os acompanhasse. Pediu breve tempo necessário para se arranjar, foi para a casa de banho, saiu pela janela, calcorreou os caminhos que bem conhecia, e è noite apareceu-me na casa onde vivia com os meus pais (...).

À noite deambulávamos pela cidade tomando necessárias cautelas, mas no fim de alguns meses, com a intervenção ponderada do seu irmão Dr. José Carvalho dos Santos, que fora um brilhante jovem político antes do 28 de Maio, e passara a maior parte da vida em Angola, concluímos que era necessário esclarecer a situação porque tal regime de vida era intolerável para o Teófilo. (...)

Em poucos dias comunicou-me» (o Dr. Augusto Paes de Almeida e Silva, juiz e antigo Governador Civil de Lisboa) «que se tratava apenas de o Teófilo ser testemunha num processo, que a Polícia estava um pouco humilhada pelo fiasco da diligência em Alenquer, e que o deteria por dois ou três dias, mas de´pois de ouvido seria remetido à liberdade. Trazia fixado o dia da apresentação.

Nesse dia o Teófilo rapou o bigode que deixara crescer, deixou em cima de uma estante de livros de minha casa os óculos escuros que por ali ficaram anos, fomos almoçar aos Irmãos Unidos, leivei-o no meu carro à porta da PIDE, e despedimo-nos para dali aos anunciados três dias.

À noite, quando estávamos à mesa para jantar, apareceu o Teófilo, com a boa disposição que raramente perdia, louvando a intervenção do juiz, contando que passara horas de espera para que um Inspector delicadíssimo lhe viesse pedir desculpa do incómodo, mas adiando a conversa para a semana seguintes.

Esses dias decorreram alegres, na data aprazada repetimos o cerimonial, lá ficou à porta, e só voltou dentro de um ano depois, sem inculpação nem desculpas»

Adriano Moreira, A Espuma do Tempo, Almedina, 2009, pp 132 a 134.

sábado, 6 de junho de 2009

O inventor de Monte Carlo

via Textos longos, passatempos, etc & tal... de Carlos Medina Ribeiro em 02/06/09
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Por Nuno Crato
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IMAGINE O LEITOR que tem uma folha de papel com um recorte estranho. Em vez de ser rectangular, como costume, a folha tem uns contornos sinuosos, de forma que é difícil saber qual a sua área. Se a pretender calcular terá dificuldades — mesmo que seja um bom matemático, mesmo que consiga desenhar bem o contorno da folha e exprimi-lo rigorosamente como uma função matemática, pode estar metido em grandes trabalhos.
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Pode tentar um meio de cálculo aproximado, um pouco tosco, um pouco à engenheiro, como diriam alguns matemáticos puros. Comece por colocar a folha de papel no chão. Coloque ao lado uma folha de papel A4, que tem como área 1/16 do metro quadrado. Salpique agora com tinta, ao acaso, mas tão uniformemente quanto possível, as folhas e o chão em redor. Conte depois o número de pingos que caíram em cada uma das folhas e faça uma proporção. Se, por exemplo, a folha de recorte estranho tiver metade do número de pingos dos da folha A4 isso quererá dizer que ela deve ter, aproximadamente, metade da sua área.
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Pois este método de cálculo de áreas (ou, em matemática, cálculo de integrais) não foi desenvolvido por nenhum engenheiro, mas sim por um dos matemáticos de alma mais abstracta do século XX. Chamava-se Stanislaw Ulam, tinha nascido na Polónia, e emigrara para os Estados Unidos, onde trabalhara no projecto Manhattan, que construíra a bomba atómica. Em 1946, quando convalescia de uma doença grave, teve a ideia de recorrer ao acaso para fazer cálculos que, de outra maneira, seriam muito complexos ou mesmo impossíveis. Aos métodos que inventou veio a chamar-se «métodos de Monte Carlo», em óbvia referência à capital da sorte.
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Na sua autobiografia, Ulam explica como tudo aconteceu. «A ideia para o que mais tarde se chamou método de Monte Carlo ocorreu-me quando estava a jogar solitária durante a minha doença. Reparei que podia ser muito mais prático deitar as cartas, para avaliar a probabilidade de sucesso num jogo de solitária (…), ou fazer experiências do processo e simplesmente tomar nota do número de sucessos, em vez de tentar calcular todas as probabilidades combinatórias». Dias depois, Stan Ulam conversou com o seu amigo John von Neumann, o matemático mais versátil da época, e os dois pensaram em formas de desenvolver este método de cálculo aproximado. Adaptaram-no a um problema muito complexo, que era a difusão de neutrões numa reacção de fissão nuclear. Os computadores digitais, que tinham acabado de estar disponíveis para a investigação, tornaram possíveis os cálculos. «Uma característica do método de Monte Carlo é que nunca fornece uma solução exacta», explicou Ulam, «mas fornece estimativas dos valores procurados».
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São palavras curiosas na boca de um matemático puro, um homem que, quando se juntou ao esforço de guerra, se ria de si próprio dizendo que «agora, até faço cálculos com números».
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Ao longo de uma vida dedicada à matemática, Ulam deixou um legado extenso em áreas puras, como a topologia e a análise funcional. As suas criações mais conhecidas, contudo, são eminentemente práticas. Uma é o método de Monte Carlo. Outra é a formulação matemática que obteve para a fissão nuclear e que permitiu a construção da chamada «bomba H».
Stanislaw Ulam nasceu há cem anos, em 1909, em Lwow, na Polónia.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 30 de Maio de 2009
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

Histórias que se cruzam

via Ciberescritas de admin em 26/05/09

Cabeça a Prémio
Autor: Marçal Aquino
Editor: Quetzal, €14, 40
quatro estrelas e meia

Um retrato do Brasil profundo sem "paninhos quentes"

Embora a epígrafe escolhida pelo escritor brasileiro Marçal Aquino para "Cabeça a Prémio" seja do realizador e argumentista Sam Peckinpah ("I wanna be able to make westerns like Kurosawa did"), este romance lê-se como se estivéssemos dentro de um filme de Quentin Tarantino.

Em "Cabeça a Prémio" entramos para dentro de um fantástico "faroeste brasileiro", onde todos têm "a cabeça a prémio" e as personagens se movem pelo dinheiro e códigos de honra particulares. Mas a história não nos é contada de uma forma linear. O narrador - omnisciente, omnipresente e que conhece todos os personagens - puxa o leitor para a frente e para trás, obriga-o a estar atento e no final encaixa-se tudo perfeitamente.

Há um "desarranjo temporal", um ritmo e uma linguagem muito próximos do cinema. Embora Marçal Aquino seja considerado um escritor policial, a sua literatura anda por outros territórios.

"Eu não consigo ficar muito tempo com a mesma mulher. Por quê? Ah, não sei. Acho que mulher desconcentra a gente. Eu não fico sem, mas acabo cansando rápido", afirma a determinada altura uma das personagens de "Cabeça a Prémio", que nos conta uma história de dois pistoleiros e de uma quadrilha de traficantes de droga no Brasil profundo.

Mas não se deixem enganar. Este é um romance que se passa num mundo de homens mas em que afinal as mulheres são aquelas que fazem mover a acção. Negócios escuros, contrabando, droga, prostituição, armas, corrupção, violência juntam-se a duas histórias de amor. A de Brito, o matador, e Marlene, a dona de um bordel que se cruza com a história do piloto, Dênis, que trabalha para um traficante e se apaixona pela filha deste, Elaine.

"Brito lembrou que Mirão nunca falava em 'matar'. Preferia pedir que você 'cuidasse' de uma pessoa. Ou que 'desse um jeito' em alguém. Sutilezas de um homem que até o tamanho impedia de ser sutil. Na boate em Campo Grande, quando se conheceram, Brito demorou um pouco para compreender o que ele estava pedindo", lê-se na pág. 75. E tal como Brito demorou algum tempo a perceber o que ele estava pedindo em "Cabeça a Prémio" também o leitor é mantido na ignorância (até certo ponto) acerca das motivações das personagens. Marçal Aquino faz isto primorosamente bem e as suas personagens são de carne e osso.

O realizador Beto Brand, com quem o escritor costuma trabalhar no cinema, diz que quando os dois olham para a mesma mulher só Marçal Aquino nota que "o esmalte do dedão do pé está descascando". Ele é "o cara do detalhe". E é por essa atenção ao detalhe que "Cabeça a Prémio" nos conta uma história que não nos larga mesmo depois de termos pousado o livro. É um retrato do Brasil profundo sem "paninhos quentes".

Este é o terceiro livro de Marçal Aquino publicado em Portugal. Os romances "O Invasor" e "Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios" foram publicados em Portugal pela editora Palavra (em 2005 e 2006) embora o autor seja mais conhecido como contista. Recebeu o Prémio Jabuti em 2000 pelo livro de contos "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos".

(crítica publicada no suplemento Ípsilon de 22 de Maio de 2009)

sexta-feira, 5 de junho de 2009

A libertação do ensino

via António Quadros de aquadrosferro@gmail.com (António Quadros Ferro) em 03/06/09
"À exactidão das ciências matemáticas, aplicada ao saber da alma e do espírito, opuseram-se directamente as doutrinas existenciais, que libertaram assim o sujeito do conhecimento da total abstracção a que os seus atributos humanos estavam subordinados. Com efeito, pode considerar-se que esta libertação despertada no plano cultural e no especulativo, trouxe para a razão prática dos estudantes, a consciência da sua humanidade e da autonomia do verbo aprender, que os justifica como sujeitos do conhecimento."

· Afonso Botelho, "O existencialismo e a libertação do ensino", 57 – actualidade, filosofia, arte e ciência, literatura

Henry Ford - A guerra é a maior fonte de lucro. Para os banqueiros internaci...

via Um Homem das Cidades de Diogo em 04/06/09

[Tradução minha]

Chegando hoje aqui com Thomas A. Edison para uma inspecção de três dias às fábricas de nitratos e à barragem hidroeléctrica de Muscle Shoals, Henry Ford explicou pela primeira vez a razão do seu desejo da concessão e a exploração destas grandes instalações.


Palavras de Henry Ford:

Da actividade destas instalações muitas coisas grandiosas são possíveis, mais produção de energia eléctrica do que este país jamais conheceu, mais produção de motores, produção de alumínio e nitratos em quantidades que provocarão alterações inimagináveis em muitos sectores da indústria e na agricultura americanas. Mas pela parte que me diz respeito, tudo isto são coisas secundárias. A coisa mais importante que eu vejo em Muscle Shoals é uma oportunidade para acabar com a guerra no mundo.

Foi perguntado ao Sr. Ford como é que isso era possível [acabar com a guerra no mundo].

Da seguinte maneira, é de facto muito simples quando se pensa nisso. A causa de todas as guerras é o ouro. Temos de demonstrar ao mundo através de Muscle Shoals, primeiro a praticabilidade e depois a vantagem de desalojar o ouro como base da moeda, substituindo-o pela perene riqueza natural do mundo.

Você não deseja a guerra, pois não? Se perguntar ao seu vizinho vai descobrir que ele também não quer guerra, e que o vizinho dele e a família dele pensam da mesma maneira. E se percorrer o mundo e bater a todas as portas verá que qualquer adulto, homem ou mulher, lhe vai dar a mesma resposta: 'não, não. Deus nos livre da guerra.' Então, se todas as famílias do mundo se opõem à guerra, porque é que nós temos guerras? Já alguma vez vos ocorreu colocar essa questão?

Bem, há uma razão. A guerra dá lucro. Não estou a dizer lucro moral, ou interesses religiosos ou rebelião espiritual através da violência, nem qualquer outro tipo de palermices.


Então, porque é que destruiria todo o ouro do mundo e proibia a sua mineração? - Perguntaram-lhe.

De forma nenhuma. Ainda não me perceberam. O ouro como metal está certo. Não é tão útil como muitos outros metais, mas existem artes e outras finalidades nas quais pode ser útil. Não destruam uma onça [de ouro], guardem-na para as artes e usos industriais. Mas não existe muito ouro no mundo. Através da sua escassez o ouro adquiriu um valor fictício muito para além do seu valor como um metal útil.

Quero ser claro nisto. Os povos do mundo cometeram um erro que lhes custou gerações de escravatura financeira quando consentiram em fazer do ouro a base para a emissão da moeda. Não conseguiram ver que, por o ouro ser escasso – só existe cerca de 10.000.000.000 de dólares em ouro em todo o mudo – a sua oferta total pode ser controlada, pode ficar sob o domínio de um interesse ou grupo de interesses, e portanto a moeda e o capital de todo o mundo podem ser controlados.

E isso precisamente que aconteceu. Existe um grupo de banqueiros internacionais, que hoje controlam a maior parte da oferta de ouro do mundo. Esse grupo tem os seus membros e os seus agentes em todos os países. Não interessa a que país, eles, como indivíduos, aleguem lealdade. Fazem todos o mesmo jogo, guardar o ouro que têm nas mãos e ir buscar o máximo possível.

Mas, tendo obtido o controlo do ouro do mundo, tal tornou-se uma maldição para eles. Ouro acumulado não dá lucro. Têm de o manter a girar, lucrando ou perdendo o seu controlo. Os tempos de paz com condições estáveis não o fazem girar com suficiente rapidez. A forma de colocar o ouro a dar mais lucro, de forma mais frequente, é criar uma grande procura [de ouro] sob a forma de empréstimos, mas sempre em moeda em lugar do ouro. E a maneira de provocar uma enorme procura de empréstimos, à taxa de juro que os comerciantes de dinheiro ditarem, é criar uma guerra.

Para eles, instigar, iniciar e enviar as pessoas para a guerra, nada mais é que um mercado activo para o dinheiro, uma questão de negócios. Se os diferentes países dos grupos de banqueiros internacionais estiveram em guerra, isso não faz diferença nenhuma. Não interessa quem perca a guerra, o importante é a quantidade de vultuosos empréstimos feitos. O sistema do ouro ganha sempre. Os jovens dos 18 aos 30 combatem na guerra e são mutilados ou mortos. Os banqueiros internacionais estão a salvo e prósperos.

[«War Is a Racket» - A Guerra é uma Fraude é o título de um livro do reformado Major General dos marines americanos. Smedley Darlington Butler, uma das 19 pessoas a ser agraciado duas vezes com a Medalha de Honra, discute de forma aberta como os interesses empresariais beneficiaram comercialmente com a guerra. Em «War Is a Racket», Butler aponta vários exemplos, principalmente da Primeira Guerra Mundial, onde os industriais, cujas operações eram subsidiadas pelo erário público, eram capazes de gerar lucros substanciais do sofrimento humano massivo.]


Há dez anos afirmei que tencionava usar todas as minhas capacidades e energia para acabar com a guerra. Nunca disse nada tão seriamente, e é por isso que quero a concessão de Muscle Shoals. Vejo uma forma que, se puder ser colocada em prática, fará mais para acabar com a guerra do que mil anos de agitação.

A principal perversidade do ouro, na sua relação com a guerra, é o facto de que pode ser controlado. Quebrem esse controlo e acaba-se com a guerra. A única forma de quebrar o controlo dos banqueiros internacionais, a forma de acabar a sua exploração para sempre, é acabar com o ouro como base da moeda do mundo.

O que é que fizeram há cem anos atrás sem um padrão ouro? A ideia de utilizar ouro como base monetária não é mais nem menos do que uma concepção dos banqueiros. Eles sabiam que se conseguissem estabelecer, por lei, o ouro como base da moeda, então poderiam controlar o capital do mundo combinando os juros para controlar o ouro mundial.

É aqui que Muscle Schoals entra. Vejam que coisa espectacular temos aqui. Engenheiros do exército dizem que são necessários 40 milhões de dólares para terminar a grande barragem. Mas o Congresso está em fase de poupanças e não deseja arranjar esse dinheiro com impostos. A alternativa habitual é lançar Obrigações a trinta anos a 4 por cento [ao ano]. Os Estados Unidos, o maior Governo à face da terra, precisando de 40 milhões de dólares para terminar um grande benefício público é forçado a ir ter com os comerciantes de dinheiro para comprar o seu próprio dinheiro. Ao fim de trinta anos o Governo tem de pagar não apenas os 40 milhões de dólares, mas tem também de pagar 120 por cento de juros, literalmente tem de pagar 88 milhões de dólares pela utilização de 40 milhões de dólares durante trinta anos.

E durante todo esse tempo é o próprio dinheiro do Governo. Os comerciantes de dinheiro nunca o criaram. Obtiveram-no originalmente do Governo. O Governo primeiro deu crédito e agora tem de pagar por aquilo que deu. Pensem nisso. Poderia alguma coisa ser mais infantil, mais contrária à lógica do negócio!


Agora, vejo uma maneira pela qual o Governo pode completar esta grande obra sem pagar um tostão aos comerciantes de dinheiro. A ideia é tão sólida como uma rocha e não tem senão um problema. A ideia é tão simples e fácil que, talvez, as pessoas não sejam capazes de a apreender.

O Governo precisa de 40 milhões de dólares. São duas mil notas de vinte dólares. O Governo que proceda a uma emissão dessas notas e pague com elas todas as despesas ligadas à conclusão da barragem. Logo que a barragem esteja terminada veremos tudo a funcionar e, em menos tempo do que se pensa, todos os 40 milhões de dólares podem ser retirados dos rendimentos da barragem.


Mas imagine que o empreiteiro se recusa a aceitar esse tipo de moeda como pagamento? - Perguntaram-lhe.

Não há nenhuma forma de isso acontecer. O empreiteiro iria aceitar Obrigações do Governo para pagamento, não era? Certamente! Vejam, - disse Henry Ford tirando uma nota de vinte dólares do bolso – ele não hesitaria em aceitar este tipo de dinheiro, pois não? Claro que não. Bom, o que é que está por trás de uma Obrigação ou desta nota que as tornam aceitáveis? Simplesmente isto: a boa-fé e o crédito do povo americano. E notas de vinte dólares emitidas pelo Governo para concluir este grande melhoramento público teriam tanta boa-fé e crédito do povo americano por trás como qualquer Obrigação ou outra moeda qualquer americana já alguma vez emitida. Como vêem, é apenas uma questão de fé no povo americano.


Mas o seu plano desordenaria o sistema monetário do mundo e poderia trazer males incalculáveis – disseram-lhe.

Não necessariamente, de forma nenhuma. Não temos de abolir nada. Nem sequer temos de abolir o padrão ouro. Esqueçam simplesmente que existe um padrão ouro e, sempre que o Governo precisar de dinheiro para uma grande obra pública, em vez de pensarem em Obrigações com juros pesados, pensem em moeda redimível sem juros. Vocês têm consciência da quantia em juros que o nosso Governo paga? Vocês compreendem que 80 cêntimos de cada dólar arrecadado em impostos é gasto no pagamento de juros? A dívida nacional não é mais nem menos do que o montante da dívida em juros da nação. Qualquer obra pública neste país significa um aumento da dívida nacional. O montante de juros está a destruir todo o nosso sistema financeiro. Temos de parar algures.


Mas, num certo sentido, não haveria segurança por trás deste tipo de dinheiro – alguém sugeriu.

Haveria a melhor segurança do mundo. Têm aqui um rio capaz de fornecer um milhão de cavalos-vapor [aproximadamente 760 watt]. Está aqui há, digamos, 100 milhões de anos. Estará aqui enquanto houver chuva e montanhas a despejar a água da chuva para os rios. Esta energia é riqueza numa forma produtiva. Bem, o que é que é mais resistente, mais seguro, este lugar de energia e o seu desenvolvimento, ou os vários barris de ouro necessário para fazer 40 milhões de dólares. Este sítio, com todas as suas possibilidades energéticas, estará aqui muito depois do edifício das finanças ficar em ruínas. Mas vocês fizeram alguma estimativa?

Nós fizemos. Vamos tê-la pronta quando o Congresso quiser ouvir este plano. O dólar americano padrão vale aproximadamente uma vigésima parte de uma onça de ouro. Sob o novo sistema monetário, uma certa quantidade de energia exercida durante uma hora seria igual a um dólar. É simplesmente uma forma de pensar e calcular em termos diferentes do que aqueles que nos são fornecidos pelo grupo de banqueiros internacionais, nos quais crescemos tão habituados a pensar que julgamos que não existe outro padrão desejável. Temos de mudar as nossas mentalidades em relação a esta questão. A única diferença entre o plano da moeda e o plano das Obrigações é que no primeiro não existe juro a pagar e os comerciantes de dinheiro de Wall Street, que não fazem nada para construir a barragem e não merecem nada, não recebem um tostão.


Mas como é que tudo isto vai acabar com as guerras?

Simplesmente porque se for experimentado aqui em Muscle Shoals, este plano será um sucesso tão esmagador e extraordinário que o povo americano nunca mais consentirá na emissão de uma Obrigação a pagar juros para uma obra nacional. Quando o Governo precisar de dinheiro vai emitir moeda suportada pela riqueza natural perene. Os outros países ao observarem o nosso sucesso actuarão da mesma forma. A função do comerciante de dinheiro terá desaparecido.


Qual seria a atitude dos outros países ao aceitarem este dinheiro baseado em Muscle Schoals? Perguntaram-lhe.

Não haveria nenhuma dificuldade nisso. Alguma da nossa moeda, mesmo hoje, não é aceite por países estrangeiros no pagamento de dívidas; o ouro é a base internacional. Muscle Schoals é um assunto nacional e não internacional. Este dinheiro só seria usado no país.


Pensa que o Congresso responderá favoravelmente à sua sugestão?

Bem, sobre isso não sei. Talvez não, mas aposto que o americano médio se vai aperceber da rectidão, da solidez e do bom sendo disto. Mas, qualquer que seja o resultado desta sugestão, agirei no sentido de que nenhum especulador ganhe dinheiro de Muscle Schoals. Mesmo que tenha eu de ficar com toda a emissão de Obrigações, farei com que o juro vá no sentido de baixar o custo da obra. Compreendam que estou a sugerir uma forma melhor de financiar este projecto, mas se não acontecer assim, estaremos prontos para fazer o nosso melhor para poupar o povo da enorme carga de juros, suportando-o nós e devolvendo-o.

A minha ambição não é ser dono de Muscle Schoals, mas terminá-lo, desenvolvê-lo, colocá-lo em funcionamento, e prepará-lo para que nunca possa vir a ser explorado para fins privados, e que fique sempre ao serviço de todo o povo, que seja sua propriedade e operado em seu benefício.



Thomas Edison - É o controlo do dinheiro pelos banqueiros privados que const...

via Um Homem das Cidades de Diogo em 03/06/09
Em 1921, Henry Ford mostrou-se interessado em terminar a construção e obter a concessão da barragem Wilson Dam, iniciada pelo Governo em Muscle Shoals, no rio Tennessee, durante a guerra. Ford poderia tornar toda essa zona do Sul mais próspera, agricola e industrialmente, do que ela já alguma vez fora.

[Tradução minha]

Henry Ford afirmou o seguinte:

"Se vamos ficar ou não com a concessão de Muscle Shoals, essa será uma decisão do Congresso. Fizemos a nossa oferta - a única oferta construtiva feita para este empreendimento. Não pretendemos ganhar dinheiro com ele. Tiraremos um pequeno lucro, certamente, digamos 8 por cento, mas não pedimos 20 ou 30 por cento como outros fariam. Gostaríamos de construir aqui um bem grande e duradouro para o povo, que será propriedade dele e colocado ao seu serviço. Tudo o que peço ao Congresso é que me dê a oportunidade. E vou deixar isso nas vossas mãos, se me quiserem aqui, para ver o que é que o Congresso decide."


Thomas A. Edison apoiou os pontos de vista do Sr. Ford. Não só acredita que a grande central hidroeléctrica deveria ser construída e que a concessão devia ser entregue a Ford, como defende ardentemente a sugestão de Ford na qual o Governo pode avançar com a obra e tornar a operação possível sem custos, emitindo moeda com base no valor dos bens em vez de obrigações a pagar juros.

[Esclarecimento: uma Obrigação é o título de uma dívida, emitido por um Governo nacional ou empresa com o objectivo de obter fundos directamente dos mercados financeiros. O emissor compromete-se a devolver o valor nominal da Obrigação mais os juros.]


Apoio de Thomas Edison ao Plano Monetário de Henry Ford

Sobre o ponto de vista da sugestão do Sr. Ford para o Governo financiar a conclusão da barragem, o Sr. Edison reiterou a sua convicção, expressa ontem, de que era um bom plano e que, se por uma vez, o sistema de moeda fosse experimentado para arranjar dinheiro para obras públicas, este país não regressaria ao método clássico.

"Que fique perfeitamente claro que não estou a defender nenhumas mudanças nos bancos e no sistema bancário," disse o Sr. Edison. "Os bancos são um bem poderoso. São essenciais para o comércio do país. É ao comerciante de dinheiro, ao que tem lucros com o dinheiro, ao banqueiro privado, que eu me oponho. Eles obtêm o seu poder através do valor fictício e falso que é dado ao ouro."

"O ouro é uma relíquia dos tempos de Júlio César e o juro é uma invenção de Satanás." O Sr. Edison continuou. "O ouro é intrinsecamente de menor utilidade que a maior parte dos metais. A razão provável para ser mantido como a base do dinheiro é que é fácil de controlar. E é o controlo do dinheiro que constitui a questão do dinheiro. É o controlo do dinheiro que é a raiz de todos os males."

"Como é que este sistema pode ser melhorado ou alterado?" Perguntaram ao Sr. Edison.

"Pode ser feito de várias maneiras. Uma das formas seria produzir tanto ouro que a vantagem psicológica da sua posse seria desfeita. Se todos tivéssemos minas nos nossos quintais ou se ouro sintético pudesse ser feito e vendido a 10 cêntimos o quilo, o ouro desapareceria rapidamente como base do dinheiro. E estamos próximos disso; Há apenas alguns dias um cientista descobriu que o chumbo, um dos metais básicos, e até agora um elemento, é na realidade um composto. Não sabemos quão próximo estamos de descobrir que o ouro é, também, um composto. Toda a riqueza do mundo, segundo os nossos padrões actuais, pode ficar sem valor se for descoberto que o ouro pode ser produzido sinteticamente."


"Se isso acontecesse as pessoas já não teriam confiança nele. O dinheiro tem de ser abundante e o ouro não é abundante. Seria abundante se fosse extraído das minas em grandes quantidades como é possível, mas uma escassez artificial é mantida por aqueles que utilizam o ouro para monopolizar o dinheiro."

"Essa seria uma forma de o fazer – tornar o ouro tão abundante que se afundava o seu valor fictício e a superstição das pessoas com ele."


Tem de se esquecer o ouro

"Há também outra maneira – o método que o meu amigo Ford propôs no outro dia. Ele propôs seguir em frente e esquecer o ouro. Ele disse que o Governo pode financiar Muscle Shoals sem pedir licença aos comerciantes de dinheiro, e penso que ele tem toda a razão sobre isso."

"Evidentemente, enquanto o mundo tiver o ouro como base, temos de reconhecê-lo como um elemento no comércio internacional, mas não é necessário para o comércio dentro das nossas fronteiras. Nos negócios internos podemos esquecê-lo. E nós esquecemo-lo. Se toda a gente nos Estados Unidos subitamente exigisse ouro em troca do seu dinheiro, não haveria ouro suficiente."

"O ouro e o dinheiro são coisas distintas. O ouro é um mecanismo fraudulento pelo qual se pode controlar o dinheiro."

"O ouro não é dinheiro até que o povo dos Estados Unidos e de outras nações lhe coloque o seu selo. Não é o ouro que faz o dólar. É o dólar que faz o ouro. Tirem o dólar do ouro, e deixem-no apenas como um metal amarelo e o seu valor afunda-se. O ouro foi estabelecido por lei, tal como a prata o foi, e o ouro podia ser desestabilizado, retirado de circulação por lei, tal como a prata o foi. Quando a prata foi retirada de circulação o antigo dólar ficou a valer cerca de 50 cêntimos."


"Mas não levantaria nenhuma objecção a sugestão do Sr. Ford para que Muscle Shoals fosse financiada por uma emissão de dinheiro?" Perguntaram ao Sr. Edison.

"Certamente. Existe um conjunto completo de slogans enganadores para que não surja este tipo de senso comum entre as pessoas. As pessoas são tão ignorantes sobre aquilo que pensam que são as complicações do sistema monetário que são facilmente impressionadas pelas palavras pomposas. Haveria nova gritaria sobre dinheiro decretado pelo governo (fiat money) e papel-moeda e regresso ao greenback (antigo papel-moeda dos EUA), e tudo o mais – os mesmos velhos clamores com os quais as pessoas foram reduzidas ao silêncio desde o princípio."


"Mas talvez tenhamos passado o tempo em que só dois por cento das pessoas é que pensam no assunto. Cheguei à conclusão por um questionário que fiz que só dois por cento das pessoas é que pensam." E o Sr. Edison sorriu abertamente. "Talvez já não consigam silenciar durante mais tempo os pensadores americanos. A única dinamite que funciona neste país é a dinamite de uma ideia sólida. Penso que estamos a atingir uma ideia sólida na questão do dinheiro. As pessoas têm um instinto que lhes diz que alguma coisa está errada, e que o erro está de alguma maneira centrado no dinheiro. As pessoas têm também um instinto que lhes diz quando uma proposta é feita no seu interesse ou contra ele."


Baseado no solo e na energia

"Agora, quanto ao chamado papel-moeda, todos sabem que o papel-moeda é o dinheiro dos povos civilizados. Quanto mais avançada é a civilização menos moedas se vêem. É tudo notas e cheques. O que são notas e cheques? Meras promessas e ordens de pagamento. Em que é que estão baseados? Principalmente em duas fontes – na energia humana e na terra produtiva. A humanidade e o solo – são a única base real do dinheiro."

"Não deixem que os confundam com o clamor do 'papel-moeda.' O perigo do papel-moeda é precisamente o perigo do ouro – se temos muito perde o valor. Dizem que temos todo o ouro do mundo agora. Bem, em que é que isso nos beneficia? Quando a América fica com todas as fichas de um jogo esse jogo acaba. Estaríamos numa situação melhor se tivéssemos menos ouro. Na realidade, estamos a tentar vermo-nos livres do nosso ouro para pôr as coisas a andar. Mas a máquina do comércio está emperrada. Demasiado papel-moeda funciona da mesma forma. Só há uma regra para o dinheiro, que é, ter o suficiente para levar a cabo todo o comércio legítimo que está à espera de entrar em funcionamento. Muito pouco ou em excesso é igualmente mau. Mas o suficiente para impulsionar o comércio, o suficiente para evitar a estagnação por um lado e não demasiado para permitir a especulação por outro, é a proporção correcta."


"Então não vê nenhuma diferença entre a moeda e as obrigações do Governo?" Perguntaram ao Sr. Edison.

"Sim, há uma diferença, mas nem é a semelhança nem a diferença que é determinante para a questão; a estratégia está direccionada para evitar que as pessoas pensem em moeda e obrigações em conjunto e as possam comparar. Se as pessoas chegarem a pensar em obrigações e em notas ao mesmo tempo, o jogo acabou."


"Portanto, aqui está o Sr. Ford a propor financiar Muscle Shoals com uma emissão de moeda. Muito bem, vamos supor por um momento que o Congresso segue a proposta. Pessoalmente, acho que o Congresso não tem imaginação suficiente para o fazer, mas vamos supor que o faz. A soma pedida é autorizada – digamos 30 milhões de dólares. As notas são emitidas directamente pelo Governo, como todo o dinheiro deveria ser. Quando os trabalhadores são pagos recebem estas notas dos Estados Unidos. Quando o material é comprado, é pago nestas notas dos Estados Unidos. Talvez as notas tenham impressa uma barragem, em vez de uma linha de comboio ou de um navio, como têm algumas das notas da Reserva Federal. Serão iguais a qualquer outra moeda emitida pelo Governo: ou seja, serão dinheiro. Serão baseadas na riqueza pública que já existe em Muscle Shoals, e a sua circulação aumentaria a riqueza pública, não apenas o dinheiro público mas a riqueza pública – riqueza verdadeira."

"Quando estas notas tiverem cumprido o propósito de construir e concluir Muscle Shoals, seriam retiradas de circulação em virtude dos ganhos da barragem eléctrica. Quero dizer, o povo dos Estados Unidos recuperaria tudo o que gastaram em Muscle Shoals e tudo o que esta lhes dará no futuro – a criação de riqueza sem fim da força da água do grande Rio Tennessee – sem impostos nem aumento da dívida nacional."

"Mas suponham que o Congresso não percebe isto, então o que é que acontece?" Perguntou o Sr. Edison.

"Bom, o Congresso cairá na maneira clássica de fazer negócio. Tem de autorizar uma emissão de obrigações. Ou seja, terá de ir ter com os comerciantes de dinheiro e pedir emprestado o suficiente da nossa própria moeda nacional para aproveitar os grandes recursos naturais, e então temos de pagar juros aos comerciantes de dinheiro pelo uso do nosso próprio dinheiro."

Uma Obrigação (Bond) no valor de 25 dólares


Os métodos clássicos aumentam a Dívida Pública

"O que significa que, segundo o método clássico, de cada vez que queremos aumentar a riqueza nacional somos obrigados a aumentar a dívida nacional."

"Ora, É isto que Henry Ford quer evitar. Ele acha estúpido, e eu também, que pelo empréstimo de 30 milhões de dólares do seu próprio dinheiro, o povo dos Estados Unidos vá ter de pagar 66 milhões de dólares – que é o capital inicial mais o juro. Pessoas que não mexerão uma palha nem contribuirão com um grama de material vão receber mais dinheiro dos Estados Unidos do que os que contribuíram com os materiais e fizeram o trabalho. É este o grande mal do juro. Em todas as nossas grandes emissões de obrigações, o juro é sempre maior que o capital em dívida. Todas as grandes obras públicas custam mais do dobro por causa disso. No sistema actual de fazer negócios acrescentamos simplesmente 120 a 150 por cento ao custo inicial."

"Mas pensem nisto: se a nossa nação pode emitir uma obrigação no valor de um dólar, então pode emitir uma nota de um dólar. O que faz a obrigação aceitável faz a nota também aceitável. A diferença entre a obrigação e a nota é que a obrigação possibilita aos comerciantes de dinheiro receberem o dobro do valor da obrigação e um adicional de 20 por cento, enquanto a moeda não paga a ninguém, excepto àqueles que contribuíram directamente para a Muscle Shoals de uma forma útil."

"Se o Governo emite obrigações, simplesmente induz os comerciantes de dinheiro a retirar 30 milhões de outros canais comerciais e a entregá-los ao Muscle Shoals; se o Governo emitir moeda, abastece-se a si próprio com dinheiro suficiente para aumentar a riqueza nacional em Muscle Shoals sem perturbar o comércio do resto do país. E ao fazê-lo aumenta o seu rendimento sem acrescentar um tostão à sua dívida."

"É absurdo afirmar que o nosso país pode emitir 30 milhões em obrigações e não pode emitir 30 milhões em moeda. Ambas são promessas de pagamento; mas uma promete engordar o usurário e a outra ajuda o povo. Se a moeda emitida pelo Governo não fosse boa, então as obrigações emitidas também não prestariam. É uma situação terrível quando o Governo para aumentar a riqueza nacional tem de se endividar e submeter-se à cobrança de juros ruinosos às mãos de homens que controlam os valores fictícios do ouro."

"Vejam a coisa da seguinte forma: se o Governo emite obrigações, os correctores de títulos vão vendê-las. As obrigações serão negociáveis; serão consideradas papéis negociáveis. Porquê? Porque o Governo está por trás delas, mas quem está por trás do Governo? O povo. Portanto é o povo que constitui a base do crédito do Governo. Portanto porque é que então o povo não pode usufruir do benefício de seu próprio crédito em papel negociável não tendo de pagar juros para o Muscle Shoals, em vez dos banqueiros receberem o benefício do crédito do povo em obrigações com juros?"


As pessoas têm de pagar de qualquer maneira

"As pessoas têm de pagar de qualquer maneira; porque é que são obrigadas a pagar o dobro, que o sistema de obrigações as força a pagar? O povo dos Estados Unidos sempre aceitou a moeda do seu Governo. Se o Governo dos Estados Unidos adoptarem esta política de aumentar a riqueza nacional sem contribuir para os receptores de juros – já que toda a dívida nacional é onerada por juros – então veríamos uma era de progresso e de prosperidade neste país que não poderia ser obtida de outra forma."


"Vai ter algum papel no esboço da política aqui proposta?" Perguntaram ao Sr. Edison.

"Estou só a expressar a minha opinião como cidadão." Disse. "A ideia de Ford não tem falhas. Eles não vão gostar. Vão combatê-la, mas o povo deste país deve levá-la em conta e pensar sobre ela. Acredito que aponta o caminho para muitas reformas e realizações que não podem ser feitas sob o antigo sistema."


As mulheres nas crises académicas de Coimbra (2)

via Caminhos da Memória de Maria Manuela Cruzeiro em 04/06/09
  O Conselho Feminino, um case study da problemática feminista dos anos 60 O essencial das minhas reflexões anteriores, basicamente concordantes com um trabalho mais exaustivo e completo de Miguel Cardina, publicado neste blogue, parece-me amplamente apoiado nos documentos estudantis da época – comunicados, programas eleitorais, textos de reflexão e divulgação, etc. – não esquecendo os testemunhos [...]

quarta-feira, 3 de junho de 2009

O Pirolito

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 31/05/09
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ENTRE GEÓLOGOS com menos de cinquenta anos de idade, quando se fala de pirolito (ou pirólito, como alguns preferem acentuar) apenas vem ao pensamento uma hipotética rocha do manto terrestre a partir da qual se segrega o basalto, de que temos boa representação nos Açores, e muito afim do que abundantemente se derramou na região entre Lisboa e Mafra, há pouco mais de 70 milhões de anos.
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Mas para mim, que vivi as minhas infância e adolescência nos anos 30 e 40 do século que passou, e para os homens e mulheres da minha geração, pirolito era um popular refrigerante, uma gasosa do tipo Seven-Up, contida numa garrafa de vidro muito especial. Especial, em primeiro lugar, porque não tinha rótulo nem a tradicional carica das gasosas e cervejas desse tempo e dos dias de hoje. Em sua substituição tinha um berlinde. Empurrado de baixo para cima, sob a pressão do gás, esta perfeita esfera de vidro colava-se a uma anilha de borracha junto ao gargalo, vedando eficazmente a dita garrafa. Especial era, ainda, a forma deste vasilhame, fabricado num vidro transparente esverdeado, testemunhando um certo grau de impureza da areia usada como matéria-prima. Impureza que os industriais vidreiros sabem ser devida a um certo teor de ferro que caracteriza alguns minerais habitualmente associados ao quartzo, o mineral francamente dominante das nossas areias. Essa forma distinguia-se por um estrangulamento abaixo do gargalo que impedia o berlinde de cair para o fundo, ficando ali a badalar, numa sonoridade vítrea, inesquecível, sempre que a bandeávamos, num gesto que nunca deixávamos de repetir.
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Ainda na vidreira, com o vidro quente e ainda deformável, o artífice fazia-lhe o dito estrangulamento e introduzindo sobre ele o berlinde. Só depois afunilava o gargalo, deixando prisioneira aquela bolinha tilintante. Depois, na fábrica do refrigerante, a gasosa era introduzida na garrafa virada de boca para baixo e, uma vez concluído o enchimento, o berlinde caía, colando-se à anilha, por efeito da pressão do gás. Podia-se, finalmente, endireitar a garrafa, metê-la numa das doze células das muitas grades de madeira, em que viajavam a caminho dos estabelecimentos onde eram servidas a rapazes, raparigas e mulheres. Os homens bebiam cerveja.
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Sempre que uma destas garrafas se quebrava, aproveitava-se o berlinde para jogar um jogo praticado no chão, em terra batida. Um jogo que vinha de gerações anteriores, hoje quase esquecido e que entreteve, horas e horas, anos a fio, os rapazes da minha geração.

Por falar em berlinde, ocorre-me um episódio protagonizado por um dos mais ilustres geógrafos portugueses. Foi na Reitoria da Universidade de Lisboa, por volta dos anos 60 do século que virou. Corriam as provas de doutoramento de um jovem assistente da Universidade de Coimbra. Fazendo uso de um discurso correcto e, até, brilhante, este doutorando não dispensava, a propósito de tudo e de nada, de aludir às suas proezas como desportista em diversas modalidades. Terminada a exposição e iniciada a argumentação, o meu saudoso mestre Orlando Ribeiro, no seu reconhecido bom humor e na sua verbal eloquência, disse, a certa altura da sua intervenção, dirigindo-se ao candidato a doutor, algo que procuro transcrever de memória, mas que respeita o essencial: «Não posso também deixar de o felicitar pelas suas qualidades desportivas. Felicito-o tanto mais porque, devo confessar, o único desporto que pratiquei foi o berlinde mas, mesmo assim, perdia sempre!»