domingo, 7 de junho de 2009

a força legítima - 1

via portugal contemporâneo de noreply@blogger.com (rui a.) em 25/05/09
«Das actividades dos grupos de intervenção política, ou supondo que a exerciam, não tive notícias directas, mas sim oportunidade de, na vida profissional, encontrar alguns dos envolvidos. Lembro sempre o Dr. Teófilo Carvalho dos Santos, do círculo do escritório do Dr. Abranches Ferrão, e que foi um dos meus amigos mais queridos e mais íntimos.

Num dos sobressaltos da Polícia Política, que em relação ao Teófilo só não acertava nas ocasiões, por 1947 este acordou na sua casa de Alenquer com os agentes a tomar conta do automóvel e a mandar-lhe que os acompanhasse. Pediu breve tempo necessário para se arranjar, foi para a casa de banho, saiu pela janela, calcorreou os caminhos que bem conhecia, e è noite apareceu-me na casa onde vivia com os meus pais (...).

À noite deambulávamos pela cidade tomando necessárias cautelas, mas no fim de alguns meses, com a intervenção ponderada do seu irmão Dr. José Carvalho dos Santos, que fora um brilhante jovem político antes do 28 de Maio, e passara a maior parte da vida em Angola, concluímos que era necessário esclarecer a situação porque tal regime de vida era intolerável para o Teófilo. (...)

Em poucos dias comunicou-me» (o Dr. Augusto Paes de Almeida e Silva, juiz e antigo Governador Civil de Lisboa) «que se tratava apenas de o Teófilo ser testemunha num processo, que a Polícia estava um pouco humilhada pelo fiasco da diligência em Alenquer, e que o deteria por dois ou três dias, mas de´pois de ouvido seria remetido à liberdade. Trazia fixado o dia da apresentação.

Nesse dia o Teófilo rapou o bigode que deixara crescer, deixou em cima de uma estante de livros de minha casa os óculos escuros que por ali ficaram anos, fomos almoçar aos Irmãos Unidos, leivei-o no meu carro à porta da PIDE, e despedimo-nos para dali aos anunciados três dias.

À noite, quando estávamos à mesa para jantar, apareceu o Teófilo, com a boa disposição que raramente perdia, louvando a intervenção do juiz, contando que passara horas de espera para que um Inspector delicadíssimo lhe viesse pedir desculpa do incómodo, mas adiando a conversa para a semana seguintes.

Esses dias decorreram alegres, na data aprazada repetimos o cerimonial, lá ficou à porta, e só voltou dentro de um ano depois, sem inculpação nem desculpas»

Adriano Moreira, A Espuma do Tempo, Almedina, 2009, pp 132 a 134.

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