domingo, 13 de dezembro de 2009

Caminhos da Mineralogia (1)

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 12/13/09
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Oficina de alquimistas

DESDE OS TEMPOS MAIS REMOTOS que o mundo dos minerais despertou a curiosidade e o interesse dos nossos antepassados. A utilização intensiva do sílex, do quartzo, da calcedónia, da obsidiana (vidro vulcânico), entre outros, na feitura de utensílios vários e de objectos de adorno e votivos, permitem-nos concluir que o homem pré-histórico os procurou sistematicamente e que, portanto, lhes dispensou tratamento racional, certamente rudimentar, que podemos aceitar como um esboço de actividade científica. A manufactura de objectos de ouro, cobre, bronze e ferro, mostra que as primeiras civilizações, prospectaram, exploraram e transformaram os correspondentes minérios. Os pigmentos minerais usados nas pinturas rupestres do Paleolítico superior, ou sobre os corpos dos seus protagonistas permitem conclusão idêntica. Fala-se, assim, de Idade da Pedra, Idade do Cobre, Idade do Bronze, e de Idade do Ferro.

Vinda da Antiguidade, com destaque para a chinesa, a babilónica, a hindu e a egípcia, através da tradição popular e dos textos eruditos dos clássicos gregos e latinos, a Mineralogia percorreu a Idade Média de mãos dadas com a Alquimia, uma prática e uma atitude trazidas pelos árabes, seus cultores, sob a designação de Al kimia, ou "pedra filosofal", expressão de um conceito carregado de sabedoria, nem sempre devidamente apreciado. Nesta escola floresceu a Polypharmacia, actividade onde se queimava, sublimava, dissolvia e precipitava. É no seio deste embrião do saber científico e de mãos dadas com ele que a Mineralogia surge cresce, deixando para trás muitas das concepções fantasistas e místicas dos escolásticos.

A partir da 2ª metade do século XVI e na sequência da obra de Agricola, os alquimistas começaram a dividir-se por duas correntes: a que preconizava explorar a natureza das coisas no sentido da química científica e a que cultivava uma atitude fantasista e extravagante, em busca da pedra filosofal, responsável pela imagem negativa que, injustamente, tem sido divulgada em torno da alquimia e dos alquimistas. Esta outra atitude teve como resultado retardar o avanço da química e, consequentemente, da mineralogia, disciplinas que só começaram a ganhar foros de ciência com o alvor do século XVIII.

Os velhos lapidários, manuais de medicina e magia da Idade Média, plenos de descrições de minerais e pedras, entre as quais muitas meramente fantasiosas, deram lugar a obras escritas com preocupações de rigor científico, ao nível do possível na época, entre as quais a do italiano Ulisse Aldrovandi (1648), da Universidade de Bolonha, que lhe valeu forte perseguição por parte do Santo Ofício.


Na mesma época, na Dinamarca, Nicolau Steno revelava, em 1669, sem qualquer oposição dos guardiões da fé e do saber antigo, haver constância nos valores dos ângulos entre faces homólogas nos cristais de quartzo, um pequeno mas decisivo passo que abriu portas ao estudo dos cristais e, portanto, dos minerais. Deve dizer-se que a Santa Inquisição mostrava alguma tolerância pelas investigações de pendor matemático e geométrico que não questionassem os princípios dogmáticos da Divina Génese. Tal não sucedeu com o químico inglês Robert Boyle (1627 – 1691), conhecido no mundo científico por ter inovado o conceito de elemento químico. Na visão do poder eclesiástico este trabalho punha em causa fundamentos tidos por intocáveis e, assim, este conceito teve de esperar cerca de um século para ser aceite.


É bem conhecido o papel da Igreja na história da ciência, em especial, a partir de Concílio de Trento (1545), cujos dogmas foram determinantes como travão ao avanço do saber científico. Mas diga-se também que foi no seio da Igreja que surgiu Inácio de Loiola e a Companhia de Jesus, contrariando uma postura tradicional do Vaticano, com a criação do que ficou célebre Colégio de Roma, considerado na época uma instituição científica de vanguarda.

A Mineralogia afirmou-se como disciplina científica, no decurso dos séculos XVIII e XIX, a par da Química Inorgânica (também conhecida por Química Mineral), fazendo-a progredir e tirando dela o essencial do seu próprio aprofundamento como ciência de acentuada organização sistemática. Por seu turno, fez nascer, deu corpo e desenvolveu intensamente uma nova disciplina de cariz geométrico e matemático – a Cristalografia Morfológica – que usou como via complementar de diagnóstico até às primeiras décadas do século XX. Alargou-se, depois e ainda mais, com o conhecimento da organização espacial das redes cristalinas em função da natureza dos elementos químicos que as integram, para, a partir daí, se irmanar com a Física do Estado Sólido, com recurso às modernas tecnologias de análise, dando nascimento a uma novíssima disciplina designada Cristalografia Estrutural.

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