quinta-feira, 13 de maio de 2010

DINOSSAURO versus DINOSSÁURIO


via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 5/9/10
"Aramosaurus", na Pedreira do Galinha, Fátima
(escultura do Arqº. Martins Barata)
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SEM SER MEU PROPÓSITO, os dinossáurios entraram na minha vida, tarde, mas em força, potenciados por uma série de acasos ocorridos ao longo dos anos em que assumi a direcção do Museu Nacional de História Natural. As descobertas de importantes jazidas com pegadas de dinossáurios no território nacional e as lutas cívicas em que me envolvi pela sua salvaguarda e valorização foram as causas desta minha relação com os grandes bichos.

A partir dessa altura confrontei-me com duas expressões ou duas grafias para o mesmo tipo de animais, durante muito tempo tidos como seres do passado e hoje renascidos, na medida em que os zoológos e os palentólogos consideram as aves como a sua continuação no tempo presente. Os dinossáurios não desapareceram todos. A sua memória está hoje no nosso quotidiano, nos museus e no cinema, onde atraem multidões; estão na televisão, nos livros de divulgação e na banda desenhada; estão nos peluches e em muitos dos brinquedos; estão na nossa imaginação e, ainda, bem reais, voando no céu, cantando no galho de um jacarandá, correndo pelos campos ou vegetando aos milhões, prisioneiros dos desumanizados aviários da sociedade de consumo.

A utilização do seu nome é hoje, como nunca, uma presença no nosso dia a dia, umas vezes sob a forma dinossáurio, outras sob a forma dinossauro.

Têm razão os filólogos, como José Pedro Machado, no «Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa» ou Cândido de Figueiredo, no «Dicionário da Língua Portuguesa», quando usam a grafia dinossauro, retirando-a do grego deinos (terrível, medonho) e sauros (lagarto, réptil), pois que de filologia quem sabe são os estudiosos da dita. Têm igualmente razão os naturalistas, quando, na taxonomia e na nomenclatura zoológica e paleontológica dizem, e escrevem dinossáurio. Com efeito, quando em 1841, Richard Owen, professor de anatomia comparada e primeiro director do Museu de História Natural de Londres, criou o termo cientifico Dinosauria, pretendeu aludir ao facto de as grandes ossadas, então recém-descobertas, terem características reptilianas, como se de enormes e aterradores lagartos se tratassem e, daí, os elementos gregos de composição erudita, supracitados. Dinossáurio é a grafia usada na Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e no Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa do clássico António de Morais.

Insignes estudiosos na paleontologia destes animais nacionais e estrangeiros (escrevendo em português) usam desde sempre a grafia dinossáurio. Entre eles destacam-se Jacinto Pedro Gomes, em finais do século XIX, Georges Zbyszewski e Carlos Teixeira, a meados do século XX e, pelos seus continuadores. Dinossáurio é ainda a versão utilizada pelos nossos vizinhos espanhóis, tanto pelos cultores da ciência como pelos defensores da língua.

Se existem, como parecem existir, razões linguísticas para preferir o termo dinossauro, não é menos verdade que há regras da nomenclatura científica a respeitar e, então, prevalece o termo dinossáurio.

Entre muitos que dizem e escrevem dinossauro, são certamente muito poucos os que o fazem por razões de erudição filológica. A razão do uso desta versão está, sobretudo relacionada com a forma mais imediata da tradução do inglês ou do francês, em qualquer destas línguas dinosaur.

Além disso, quer escrevendo, quer falando, dinossáurio representa um esforço maior. A grafia que os naturalistas preferem tem mais um i e mais um acento agudo no a. A articulação da palavra exige um esforço maior ao colocarmos um i antes do o final. Não devemos esquecer que os dicionários não têm força de lei, até porque os delitos não constam do código penal, e quem faz a língua é quem a usa.

Atento a estas duas realidades, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, editado em 2001, aceita as duas versões. Assim, que cada um diga e escreva como quiser, mas que fique sabendo que o termo defendido pelos filólogos não é mais legítimo do que aquele que usam os naturalistas.
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(In "FORA DE PORTAS - Memórias e Reflexões", Âncora Editora, Lisboa, 2008)

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