terça-feira, 26 de outubro de 2010

VULCANISTAS E PLUTONISTAS (Continuação)

VULCANISTAS E PLUTONISTAS (Continuação)

via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 10/24/10

UM PIONEIRO DA ESCOLA vulcanista foi o francês Nicholas Desmarest (1725­-1815), a quem se deve trabalho inovador no referido Maciço Central. Coube a este geólogo o mérito de negar a combustão de carvões e betumes, no interior da crosta, como fonte de calor necessária às erupções vulcânicas, defendida pelos neptunistas, preferindo admitir que o basalto poderia resultar da fusão do granito, sem, contudo, explicar qual a fonte de calor para tal. Ao reconhecer no basalto uma lava antiga e ao afirmar que a erosão era, sobretudo, um trabalho dos rios ao nível das terras emersas e não uma acção do mar, como preconizavam os wernerianos, Desmarest dava um outro duro golpe na teoria neptunista. Leopold von Buch (1774-1853), discípulo de Werner que, com o seu mestre, foi um dos geólogos neptunistas mais ilustres do seu tempo, acabou também por se converter à origem vulcânica do basalto ao visitar os vulcões de Itália e ao observar, na Noruega e na Irlanda, um certo tipo de filões cortando e metamorfizando calcários fossilíferos. Ler mais
O francês Guy de Dolomieu (1750-1802) já havia notado, em 1779, a relação entre os granitos do Maciço Central francês e os vulcões ali existentes, afirmando que os basaltos vinham de câmaras magmáticas profundas, inferiores ao granito. Efectivamente, o que aquele professor da École des Mines de Paris via nesta ocorrência era a existência de algo (neste caso, basalto) situado inferiormente ao granito, rocha que, na concepção neptunista, deveria ser considerada mais antiga. Dolomieu, em consonância com outros geólogos do seu tempo, admitia ainda que as fontes de calor geradoras desses fundidos se encontravam em profundidade, abaixo da crosta consolidada. Esta concepção relaciona-se com o antigo conceito de pirosfera (do grego, pyrós, fogo), concebida como uma esfera contínua de material ígneo subjacente à litosfera. Por outras palavras, como hoje diríamos, por debaixo do "sial", sílico-aluminoso, essencialmente granítico e gnáissico, havia um "sima", sílico-magnesiano, maioritariamente basáltico, pelo menos em parte, fundido. D'Aubuisson de Voisins (1769-1819), que estudara em Freiberga e fora discípulo de Werner, começou por ser um neptunista convicto, como se deduz do tratado que escreveu sobre os basaltos da Saxónia à luz do neptunismo. Este ilustre geólogo francês, depois de ter percorrido e observado, de perto, os granitos de Auvergne e as ocorrências vulcânicas dos Puys de Dôme, pôde observar as mesmas evidências já descritas por Dolomieu, concluindo, como este, pela origem vulcânica do basalto, o que o levou a abandonar o neptunismo. Deve acentuar-se que na interpretação de Dolomieu estava implícita a intuição de plutonismo, uma então novíssima concepção petrogenética, protagonizada, em especial, pelo James Hutton (1726-1797), considerado por muitos o "pai da geologia".

Foi este geólogo escocês que pôs ponto final no neptunismo, ao demonstrar a origem magmática profunda não apenas do basalto, mas também do granito. Mais ou menos contemporâneo deste ilustre professor da Universidade de Edimburgo, o francês Georges Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788), defendia igualmente o calor interno do globo que, segundo ele, teria passado por um estado de fusão seguido de lento arrefecimento, tendo daí resultado os enrugamentos testemunhados pelas montanhas. Buffon admitia igualmente a origem ígnea do granito, o que o coloca entre os primeiros plutonistas. Na concepção deste ilustre naturalista, explanada em 1755, a Terra e os restantes planetas do Sistema Solar, nasceram de uma porção arrancada ao Sol, porção essa que teria arrefecido apenas numa capa, superficial, restando-lhe calor interno suficiente para justificar a origem ígnea do granito. Esta visão de Buffon, considerada um dos suportes da teoria plutonista, vinha na sequência do pensamento do seu conterrâneo René Descartes (1596-1650), o grande filósofo que olhava a Terra como um sol abortado, que arrefeceu e solidificou externamente, mas conservando o fogo central.

No livro «Mundus Subterraneus», publicado em 1644, o jesuíta alemão Athanasius Kircher (1602-1680) também defendia a existência de um fogo verdadeiro e natural localizado no centro da Terra, fogo esse que comunicava com reservatórios menos profundos que, por seu turno, alimentavam a actividade dos vulcões.

Muito mais tarde, o francês Pierre Laplace (1740-1827) tornava pública, em 1796, a sua hipótese nebular para a origem da Terra, de largo consenso durante todo o século XIX e parte do século XX. A hipótese laplaciana e uma outra defendida pelo alemão Emmanuel Kant (1724-1804) reforçavam a convicção de que a Terra, à semelhança dos outros planetas do Sistema Solar, teria sido formada no estado de fusão, por condensação de uma nébula primitiva, e, portanto, possuidora do calor interno tão necessário à defesa das teses plutonistas.

Esta concepção de um fogo central, já admitida por Empédocles, filósofo grego nascido em Agrigento, na Sicília, em 450 a. C., contrariava as ideias de Aristóteles, mantidas nos ensinamentos de Tomás de Aquino (1225-1274), de há muito arreigadas e defendidas pela Igreja, segundo as quais o fogo era o quarto e o mais periférico dos elementos aristotélicos, na sequência terra, água, ar e fogo. O fogo central e o plutonismo contrariavam assim o saber escolástico, em declínio, pelo que os seus seguidores não eram bem vistos pelas autoridades religiosas.

Não obstante alguns pensadores de vulto, como o epicurista P. Gassend (1592-1655), terem posto em dúvida, não só a existência de combustível no interior da crosta, como a possibilidade de o ar atmosférico descer até aí, a verdade é que, por exemplo, na célebre Enciclopédia de Diderot e d'Alembert (1756), no artigo sugestivamente intitulado «Fogo central e fogos subterrâneos» consta que, no centro da Terra ou em cavernas subterrâneas próximas da superfície, o fogo era mantido por substâncias combustíveis como betumes, carvões, enxofre ou matérias gordas. Assim, os vulcões eram vistos também como os respiradouros por onde entrava o ar necessário a esses fogos em profundidade e, também, como as «Bocas do Inferno», na concepção das crenças religiosas da época.

Só mais tarde, com o dominicano Patruzzi, no seu livro «De sede inferi in Terris quærenda», publicado em 1796, se consolidou a ideia de um fogo interior não produzindo chamas, como acontece na combustão, mas sim concebido como um fundido incandescente, à semelhança do ferro derretido. Contrariando este fogo central, Gottfried W Leibniz (1646­-1716), no seu livro "Protogea", publicado em 1680, tinha afirmado que esse fogo já se havia extinguido por arrefecimento total do planeta, cujo interior estaria preenchido por um material vítreo. Face ao grande prestígio do filósofo alemão, esta concepção de uma Terra fria dava força às tentações censórias do poder religioso, impondo-se contra os defensores do plutonismo.

Com a teoria plutonista, mais do que a água, o fogo passava, assim, a figurar como chave dos processos geológicos envolvidos na génese dos basaltos, dos granitos e de outras rochas afins (whinstones, na terminologia inglesa de então), no seu conjunto apelidadas de ígneas (igneous, pelo inglês R. Kirwan em 1794) ou magmáticas.

Entre muitos argumentos a favor das suas ideias, Hutton realçou o facto, por demais evidente, de alguns granitos intruírem outras rochas, ditas encaixantes, pelo que eram, necessariamente, mais jovens do que elas. Foi ele que reconheceu, pela primeira vez, que as rochas a que chamamos plutónicas, as que apelidamos de vulcânicas e as reconhecidas como sedimentares tinham géneses distintas, destronando, assim, o carácter primordial que os granitos ocupavam na concepção neptunista de Werner.

A teoria plutonista assenta num modelo cíclico e uniforme, resultante de um equilíbrio dinâmico entre levantamentos de terrenos por acção do calor interno da Terra, posto em evidência nas erupções vulcânicas, e a erosão que os ia nivelando. Os materiais resultantes da erosão eram de seguida acumulados e consolidados sob a forma de sucessões de camadas de sedimentos (conglomerados, arenitos, grauvaques, argilitos, calcários, etc.). Novamente o calor interno voltava a provocar o levantamento dos fundos marinhos, trazendo à superfície as rochas entretanto sedimentadas e consolidadas pelo mesmo calor interno e, daí, a ocorrência de fósseis, inclusive nas áreas montanhosas, repetindo-se o ciclo. Esta concepção huttoniana, que pouco difere da defendida por Estrabão, cerca de mil e setecentos anos antes, pressupõe uma dimensão temporal imensa, nunca antes admitida ou imaginada, tendo recebido oposição muito mais violenta por parte dos seguidores da cronologia bíblica, reduzida a escassos seis milhares de anos, do que por parte dos defensores do modelo werneriano, então ainda bem arreigado. As ideias de Hutton só começaram a ser entendidas e aceites quando um seu discípulo, John Playfair (1748-1819), reuniu as observações e conclusões do mestre numa obra mais bem organizada, intitulada "Illustrations of the Huttonian Theory" editada em Edimburgo, em 1820.

Vulcanismo e plutonismo são duas manifestações de uma realidade dinâmica do nosso e, certamente, de outros planetas telúricos, que dá pelo nome de magmatismo. A primeira é bem evidente e presenciável em muitíssimos lugares da Terra; a segunda, bem funda no interior da crosta, está fora da possibilidade de observação directa, mas está bem testemunhada nas rochas que a tectónica global acaba por trazer à superfície, dezenas e centenas de milhões de anos depois de terem sido formadas.

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