segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O ESTUDO DAS ROCHAS

1 - DA OBSERVAÇÃO À VISTA DESARMADA, AO USO DO MICROSCÓPIO POLARIZANTE

DESDE o mais primitivo dos nossos antepassados que as rochas estão presentes na vida e, consequentemente, nas preocupações da humanidade. Basta pensar no sílex e na chamada pedra lascada, na argila usada em cerâmica, no cobre, no estanho, no ferro. O seu estudo motivou os alquimistas da Idade Média, mas só começou a ser abordado em termos científicos a partir do século XVIII e a começar pelas rochas magmáticas ou ígneas. Ler mais

A década de 50 do século XIX marcou uma importante viragem no estudo das rochas. Tal foi possível porque o naturalista alemão Christian Gottfried Ehrenberg (1795-1876), em 1839, adaptou ao velho microscópio óptico (inventado em 1590 por Hans Janssen e seu filho Zacharias, dois holandeses fabricantes de óculos) um dispositivo de polarização da luz, concebido uma década antes pelo físico escocês, William Nicol (1768­-1857), dispositivo este que recebeu o seu nome. Alguns anos mais tarde, em 1858, o inglês Henry Clifton Sorby (1826-1908) introduziu o microscópio assim equipado no estudo das rochas, pelo que passou a ser adjectivado de polarizante ou petrográfico.

Anteriormente, as rochas eram estudadas e classificadas macroscopicamente, em amostras de mão, ou às vezes, com uma pequena lupa de bolso. Deve dizer­-se que, mesmo sem recurso à inovação da microscopia petrográfica, fizeram escola as classificações de Abraham Gottlob Werner (1749.1817), da prestigiada Academia de Minas de Freiberga, na Alemanha, ou a de Pierre Louis Antoine Cordier (1777-1860), professor do Museu de História Natural de Paris.

Depois de Sorby, as rochas começaram a ser estudadas em "lâmina delgada" ou "superfícies subtis" como se lhes chamou, entre nós, nos finais do século XIX e início do século XX. A microscopia em luz polarizada foi, então, alvo de sucessivos aperfeiçoamentos técnicos, introduzidos no final do século XIX, entre os quais os atribuídos ao português Vicente de Souza-Brandão, a quem se ficou a dever um novo modelo de microscópio petrográfico, construído em 1911, pela fábrica R. Fuess, em Berlim. A microscopia petrográfica, sucessivamente aperfeiçoada, fez nascer e deu corpo a uma nova disciplina da mineralogia, de acentuado pendor cristalográfico, a que foi dado o nome de cristaloóptica que, como o nome indica, investiga as propriedades ópticas das diferentes espécies minerais (refringência, birrefringência, pleocroísmo, dispersão da luz, etc.) comparativamente com as respectivas características cristalográficas e morfológicas.

Tais progressos acabaram por conduzir a um conhecimento cada vez mais perfeito da composição mineralógica das rochas, dado que as identificações iam sendo mais fiáveis, possibilitando o reconhecimento de espécies e variedades não identificáveis à vista desarmada, em observação dita macroscópica. A microscopia permitiu, ainda, a identificação de outras espécies e variedades mineralógicas presentes em grãos microscópicos que só com grande ampliação puderam passar a figurar nas descrições petrográficas, com evidentes benefícios na definição das sistemáticas, de que sobressai a classificação do alemão Arnold von. Lasaulx (1839-1886), professor da Universidade de Bona, proposta em 1875, como uma das primeiras a beneficiar desta inovação.

Por outro lado, o exame microscópico possibilitou avanços notáveis na caracterização das texturas, aspectos imprescindíveis, não só na identificação e sistematização petrográficas, como nos conhecimentos relacionados com a génese e modos de jazida das rochas. Com efeito, nas rochas magmáticas, a textura reflecte as condições de arrefecimento do magma e, daí, o modo de formação da correspondente ocorrência. Utilizando o microscópio petrográfico, o alemão Karl Heinrich Rosenbush (1836-1914), professor na Universidade de Heidelberg, começou por classificar as rochas pelo seu conteúdo mineralógico, mas acabou preferindo uma classificação baseada na textura. A este ilustre petrógrafo seguiu-se o trabalho não menos notável de Fferdinand Zirkel (1838-1912), da Universidade de Bona, cuja obra, Lerbuch der Petrographie (1886), é um marco na respectiva disciplina.

Muito antes da utilização rotineira de câmaras fotográficas adaptadas ao microscópio, os petrógrafos dos finais do século XIX desenvolveram uma técnica de documentar as suas observações recorrendo ao desenho com auxílio de câmara-clara. De grande rigor e minúcia, estes desenhos, de reconhecido interesse científico e pedagógico, ilustraram importantes manuais de ensino até à segunda metade do século XX, altura em que começam a ser substituídos pela fotografia microscópica. Inicialmente a preto-branco, as fotomicrografias a cores e as imagens electrónicas dos dias de hoje, são facilmente obtidas graças a dispositivos concebidos para o efeito, que garantem óptima qualidade e grande rapidez na obtenção e divulgação desses documentos de investigação e de ensino.

2 - A QUÍMICA NO ESTUDO DAS ROCHAS

A EVOLUÇÃO da química analítica na sequência dos trabalhos de Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) e da descoberta do oxigénio, em 1774, pelo químico inglês Joseph Priestley (1733-1804) e, ainda, os trabalhos de notáveis estudiosos da época, simultaneamente químicos e mineralogistas, conduziram a que a composição química das rochas fosse expressa em óxidos. Destacaram­se nesta fase os suecos Frederik Cronstedt (1722-1765), Torbern Olof Bergman (1735-1784) e Jöns Jacob, barão de Berzelius (1779-1848). As análises químicas expressavam, assim, as percentagens de óxidos (de Si, Al, Ca, Mg, Na, K, Ti. Mn, P) e de água. Este modo de definir a composição química das rochas tornou-se uma via generalizada, cómoda e indispensável ao cálculo de parâmetros usados nas suas caracterização e classificação. Com efeito, nas análises químicas de então, entre os alcalis, citavam-se a potassa ou alcali fixo vegetal e a soda ou alcali fixo mineral; entre as terras, falava-se de terra calcária ou cal, terra argilosa (alumina) e terra siliciosa (sílica). Usavam-se ainda expressões como ocres (os óxidos de ferro) e ácido aéreo (dióxido de carbono). Antes do advento dos equipamentos físicos de análise, as análises químicas das rochas por via húmida, ou clássica, culminavam com a produção dos óxidos dos elementos constituintes dessas rochas.

Desde logo se constatou que o teor em sílica (dióxido de silício) era um bom parâmetro na organização sistemática das rochas ígneas. O francês Elie de Beaumont (1798-1874), cuja obra teve larga difusão e aceitação entre ingleses e alemães, foi sensível à variação do teor de sílica nas rochas magmáticas, critério que propôs para a respectiva classificação. Segundo este critério as rochas ígneas mais ricas em sílica eram adjectivadas de ácidas, as mais pobres neste óxido, de básicas, e as intermédias, de neutras. A qualificação de uma rocha como ácida resultou da convicção, ao tempo, de que a sílica era um "óxido acídico" (a que se dava o nome de ácido quartzoso), à semelhança do dióxido de carbono (ácido aéreo) que, juntamente com a água, formaria uma série de ácidos de que os silicatos (feldspatos, anfíbolas, piroxenas, olivinas, etc.) seriam os sais. Não obstante esta concepção ter sido, de há muito, rejeitada, qualificações das rochas como ácidas, neutras, básicas, hiperácidas, ultrabásicas, etc., continuam a ser usadas.

Outros conceitos como os de rochas saturadas, sobressaturadas e insaturadas (em sílica), hiperaluminosas, alcalinas, calcoalcalinas, hiperalcalinas, etc., decorrentes do conhecimento da respectiva composição química, passaram a ser tidos em conta em sucessivas propostas de sistematização, nunca cabalmente conseguidas. Em 1841, o alemão von Abich (1806-1886), que aludiu ao conceito de saturação em sílica nas rochas ígneas, defendia que a composição química do magma condicionava a composição mineralógica da rocha dele derivada, vendo nesta composição química um critério de classificação. Estava aberta a porta para o conceito de norma e para as classificações petrográficas do século XX.

A análise química não discrimina os minerais presentes na rocha, não se interessa pela textura, como é óbvio, nem se preocupa com as respectivas condições petrogenéticas, pelo que rochas diferentes em textura e em composição mineralógica podem revelar análises químicas praticamente iguais. Assim, por exemplo, um sienito com ortoclase (rocha plutónica) pode ter a mesma composição química de um traquito com sanidina (rocha vulcânica), da mesma maneira que um granito pode revelar análise química igual às de um pórfiro ou de um pomito. Tal dificuldade dirigiu a petrografia no sentido de privilegiar o estudo da composição mineralógica com vista à definição da moda, um conceito fundamental na moderna sistemática das rochas ígneas.

3 – DA ANTIGUIDADE AOS DIAS DE HOJE

A PESQUISA bibliográfica, visando os trabalhos editados a partir de finais do século XVIII, põe em evidência a década de 50 do século XIX, como ponto de viragem entre o saber antigo e o moderno, possibilitado pela aparição do microscópio polarizante, marca a partir da qual a petrografia microscópica não mais parou de progredir, num ritmo crescente de investigação, com destaque para a Alemanha, a França e o Reino Unido, ainda no século XIX, e para os Estados Unidos da América, a partir dos primeiros anos do século XX.

A compilação de mais de milhar e meio de termos da nomenclatura petrográfica, desde os clássicos gregos e latinos aos dias de hoje, corrobora e complementa as conclusões emergentes da análise da vasta bibliografia disponível. Desta análise ressaltam as diferenças entre a quantidade e a qualidade do saber neste domínio, antes e depois da referida marca.

A partir daquela data (1858) teve lugar uma verdadeira explosão de curiosidade e de trabalho científico, progressivamente apoiado pelos avanços da química pós-Lavoisier por sucessivas e cada vez mais sofisticadas tecnologias físicas de análise química. Com efeito, às três a quatro dezenas de tipos rochosos identificados através de um nome, anteriormente ao uso do microscópio petrográfico, opõem-se cerca de 1500 (40 vezes mais), desde então até os dias de hoje. Pode, assim, dividir-se a história da petrografia em dois grandes períodos: o anterior e o posterior à utilização do dito microscópio. No primeiro destes períodos destaca-se a Antiguidade, sobretudo a grega e a romana, com meia dúzia de descrições e nomes deixados por Teofrasto e Plínio, o Velho. São dessa altura termos como basalto, basanito, mármore negro (basalto), obsidiana, ofito, pórfido (pórfiro) e sienito, este último não com o significado que hoje tem, mas sim com o de granito.

A Idade Média e o Renascimento representam, praticamente, um vazio no progresso do conhecimento das rochas. Ressaltam deste vazio a introdução dos termos granito, pelo italiano Cæsalpino, em 1596, e variolito, proposto por Aldrovandi, em 1648, para um certo tipo de basalto.

Foi só na segunda metade do século XVIII que outros tipos de rochas começaram a ser motivo de interesse por parte de químicos, mineralogistas e geólogos, estes ainda em muito pequeno número. Neste quase meio século, durante o qual minerais e rochas passaram a ser vistos como entidades distintas, foram criadas para a ciência cerca de uma quinzena de novos nomes alusivos a outros tantos tipos de rochosos entretanto descritos. São desta época termos como amigdalóide, brecha vulcânica, cinza, dolerito, escória porosa, ferrilito, gabro, lava, Pechstein, pedra-pomes, pozulana, porfiróide, rapillo (lapili), trapp (basalto), tufo e vidro vulcânico. Todos estes termos assentam nas características externas macroscopicamente observáveis.

Durante a primeira metade do século XIX surge um número equivalente de novas rochas identificadas, cujos nomes passaram a figurar nos textos científicos da época. Tais nomes continuaram a ser, na maioria dos casos, resultantes da observação directa, em amostra de mão, a única possível ao tempo, e daí, termos como aplito, diabase, diorito, felsito, meláfiro e traquito. Surgem nesta época, pela primeira vez, nomes baseados na composição mineralógica em observação macroscópica (nefelinito, peridotito, sanidinito) e outros inspirados na localização geográfica das respectivas ocorrências (andesito, monzonito, norito).

No segundo período, isto é, após a criação do microscópio polarizante, em meados do século XIX, podemos verificar que aos cerca de quinhentos tipos de rochas descritos até ao final do século, se sucederam pouco mais de mil até finais da década de oitenta do século XX. Um tal progresso na identificação e inventariação de um número crescente de tipos petrográficos fez surgir sucessivas propostas de classificação sistemática (ou sistemas), umas essencialmente baseadas na composição mineralógica das rochas, outras fundamentadas nas respectivas análises químicas e outras ainda que procuram combinar estes dois tipos de composição, isto é, químico-mineralógicas. Constata-se o predomínio de termos inspirados nas localidades ou nas regiões onde foram encontrados (alaskito, finlandito, foiaíto, lherzolito, monchiquito, oceanito, etc.), havendo alguns, muito poucos, propostos em homenagem a personalidades (haüynito, napoleanito, zirkelito, etc.). Outros ainda são baseados nas composições mineralógicas determinadas microscopicamente (albitito, dialagito, labradorito, etc.).

A partir dos anos setenta do século XX, nomeadamente com os trabalhos de A. Streckeisen, M. Le Bas, R. Le Maître, R. Schmidt e outros, os critérios nomenclaturais caminharam no sentido de designações de cariz mineralógico, às vezes polinominais, de modo a darem, de imediato, ideia da composição da respectiva rocha, mantendo, contudo, muitos dos seus nomes consagrados e de grande divulgação que passaram a ser definidos em termos composicionais devidamente quantificados. Aparecem, assim, na moderna nomenclatura proposta pela Subcomissão para a Sistemática das Rochas Ígneas da IUGS, expressões como gabro analcímico, diorito cancrinítico, calcicarbonatito, monzo­gabro quártzico, horneblendito piroxeno-olivínico, melilitito, fonolito, leucítico, etc.

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