Enviado para você por Rui Moio através do Google Reader:
Há pessoas que não sabem falar - e que não sabem sequer viver - senão no plural; outras há que só no singular sabem viver, que só no singular sabem falar.
Pertencendo embora ao número das segundas, de bom grado aqui renuncio, por agora, à primeira pessoa do singular, trocando-a desta vez pela primeira do plural, - já que, tratando-se de ponderar sobre o que foi a Revolução do 28 de Maio (e até sobre o que ela não chegou a ser...), 60 anos depois da sua eclosão, um direito e um dever me assistem: os de por aqui falar em nome de uma geração que foi a última a servir activamente o Estado Novo em vida deste, e uma das poucas que por ele se bateram depois disso - pelas armas, pelas artes, e por pensamentos, palavras e obras.
A geração decimal de 60 - pois que é dessa mesmo que se trata - serviu, de facto, a Revolução Nacional, defendendo-a, primeiro, da subversão universitária e da subversão cultural; defendendo-a, em seguida, da subversão catolaica e pseudo-cultural e da subversão armada; e, por fim, defendendo o regime do próprio regime, já na agonia do mesmo, isto é: quando a Comissão Liquidatária do Estado Novo - e que viria a ser a Comissão Instaladora do flagelo de Abril - já a seu bel-prazer operava, no alto do poder e nas suas alfurjas, por tudo quanto era sítio, através de grande parte do pessoal menor da «marcelice» e de boa parte do seu pessoal maiorzinho...
(Portugal, por essa época, ainda era da família, mas já dele se não falava senão em voz baixa. As pessoas tinham por ele essa deferência desprezível que nos merece um parente de idade, por cuja herança se esperou tempo demais. Contáva-se tostão a tostão, o que ele poderia deixar, da honra ao resto. Um dia, vem a saber-se que ele tudo delapidara já e que à sua ruína não faltava nada, nada - nem mesmo a vergonha. A Pátria desonrava as guerras que tratava sem ter a hombridade de as fazer até ao fim e já então mendigava em Washington os seus fins de mês. A desonra, como uma grande palavra desajeitada, introduzia-nos, bombásticamente, na vida pública).
Depois... Bom: depois continuámos, ainda e sempre, e na mesma, a defender a memória e bom nome do regime, não já na medida do possível, mas sim na medida do impossível, quando a traição - traição militar, traição diplomática e também política - aos territórios de além-mar-em-África-e-na-Oceania se consumou aquém-do-mar e quando aqui no que era, até então, o cais do império português na Europa - se destravaram contra nós ventos e marés de desatada perseguição, que nos encaminharam, a uns para a prisão; a outros para o exílio e para a clandestinidade; e a outros, ainda, para simples formas de resistência passiva, para formas altivas de intransigência interior.
E, uma vez depois de reagrupados, ainda forças nos soçobraram para montarmos guarda nas colunas corajosas de um semanário de combate suicida - como A RUA -, de lá descendo, de quando em vez, ao meio da rua, em ordem a tirar o medo ao país, que então tiritava, valentemente, de norte a sul.
Foi, de resto, aí - n`«o único jornal da direita que não era» (ou que talvez fosse...) «do centro» -, que desafiadoramente se comemorou, pela primeira vez depois de Abril, o 28 de Maio (promovido, entretanto, a valor proibido) e que se rendeu homenagem àquele, com quem nós, portugueses, «subimos esforçadamente a encosta duma nova restauração», - para, do alto dela, afinal, nos desempenharmos de novo (e até certo ponto, de vez): SALAZAR.
Só à simples menção do seu nome, um vivo frémito de emoção nos assalta, pois que, graças a ele - e sobretudo a ele! - é que nós já hoje nos podemos gabar - «com toda a honra, com todo o orgulho e sem nenhum proveito» - de ter pertencido à era do combate e não à do debate; à idade do duelo e não à do diálogo; à geração da guerra e não à do cessar-fogo.
(Por esta última, nutrimos, aliás um desdém desmedido, um aristocrático desprezo, uma indiferença senhorial, que já não nos damos ao cuidado sequer de disfarçar).
Desgraçadamente, quis o acaso que não nos seja concedido comemorar este Sexagésimo Aniversário do advento do Estado Novo dentro das coordenadas circunstanciais a que o mesmo faz jus. Justo seria, com efeito, que tão memorável efeméride, a pudéssemos nós assinalar dentro de parâmetros históricos diametralmente opostos aos da hora presente. De facto, a única situação consentânea com um quadro evocativo da acção, altamente empreendedora, que o antigo regime protagonizou em mais de quatro décadas nobilitantes, seria o esplendor - e nunca o fim: o fim histórico - de Portugal. Mas o que se há-de fazer?...
Esta terra, pelos vistos, antes que perder-se com gente sabida, do que salvar-se com base em provas dadas por gente sabedora?!...
De modo que chegámos ao que chegámos e aqui estamos no lindo estado de indigência em que nos achamos.
Já agora são menos do que poucos os que não consentem, sem protesto, que quase todos os dias rematados traidores recuperem a pele de honrados cidadãos. Por nós (e digamo-lo, já de caminho) nunca para esses olhamos - que não tenhamos a sensação de estar a sujar a vista; e basta pronunciar-lhes o nome - para termos logo a sensação de estar a sujar a voz; e se calha de lhes ouvirmos a voz - lá temos nós a sensação de estarmos a sujar os tímpanos.
... E assim por diante.
É natural. Somos gente dotada de sentidos bastante apurados e realmente exigentes.
Daí que tudo aquilo que por cá nos servem não nos sirva.
Estávamos nós habituados a «viver habitualmente» - e estávamos, afinal, muito mal habituados, a verdade é essa. E nisso, vão direitinhas para o Estado Novo (honra lhe seja!) todas as culpas e mais algumas. Quer pela alta qualidade, quer ainda pela infinidade dos serviços que à Nação prestou - e esses, sim: de utilidade pública -, ao largo de um período histórico de longo curso, o antigo regime teve o condão de nos dotar de muito má boca... Pena foi que o mesmo regime não se tivesse sabido dotar de orgãos de duração, efectivos e eficazes.
Resultado: a sequência foi desagradável. De um dia para o outro, nós não éramos mais o Cristo das nações, mas um povo ocupado, que choramingava baba e ranho sobre os seus infortúnios. É sempre aborrecido, muito penalizador, imensamente humilhante, termo-nos considerado o umbigo do mundo e ver, às tantas, que não somos senão as suas glândulas lacrimais.
Em 1974, quando foi a vez de russos e americanos se substituírem aos portugueses na «libertação» - digo: na presúria - do solo lusíada, a atmosfera que se criou foi imediatamente a de um exame. O corpo docente do reviralho e todos os seus sociais oportunistas (que já, à data, eram mais do que as mães) pegaram e meteram o país numa sala de aulas. Foi então que cada qual se viu obrigado a recitar, de cor e salteado, a sua liçãozinha de terrorismo. Finda a guerra (e bem mal e porcamente findou ela!...), uma grande aragem de boa vontade percorreu de lés-a-lés o território. Nunca nós nos injuriámos tão alegremente uns aos outros; e jamais nos amámos tanto entre nós, como nessas horas.
A burguesia adorava os terroristas, com uma sensível predilecção pelos terroristas mortos. Os comunistas, esses, andavam perdidinhos de amor pelo exército, em particular, e pelas forças armadas em geral; aliás, eram quase todos Capitães, Majores, Coronéis.
Escusado será dizer que essas jornadas memoráveis forneceram um contingente de dissabores bastante apreciável. No meio disso, éra-nos recordado, a cada passo, que lutávamos pelo Direito - palavra portadora de maiúscula aos domingos e feriados. Mais. Éra-nos constantemente repetido que as chacinas são óptimas para a saúde, que ajudam imenso a activar a circulação do sangue dentro de um país e que aos assassinos, e aos peritos em falsos testemunhos que porventura sobrevivessem (e todos se encontram aí de boa saúde...), estava de antemão reservada uma situação de futuro garantido.
Quanto ao sistema político entretanto implantado, apresenta vantagens bastante consideráveis, uma vez que põe os bárbaros num lado, os neutros noutro e Portugal em parte nenhuma.
Continuando. Dizíamos nós que o regime saído da Revolução de Maio não soube criar orgãos de duração. De facto, não. E o mal foi esse. Nem tudo, porém estará perdido se redutos aguerridos como o MAN tomarem para si esse papel e se dispuserem a reanimar, «rápidamente e em força», a ordem nacional revolucionária, incursa no espírito inicial do regime, e ao depois postergada...
Por outras palavras: nada, ou nem tudo, estará irreparávelmente comprometido se todos aqueles que integram o nosso movimento se empenharem, a fundo, na produção de futuro para o destino da Revolução Nacional. - Como?
- Primeiro que tudo, subtraindo a sobredita Revolução à situação de orfandade em que a deixou o desaparecimento do seu chefe. E, depois, refazendo, de alto a baixo, aquilo que de menos imperfeito começou a ser feito à 60 anos - e a ser desfeito à 12.
Nós é certo que pouco pudemos contra o 25 de Abril; mas o 25 de Abril também nada pôde nem poderá contra nós.
Enganaram-se os que dizem, pois, que a Revolução Nacional dorme em paz.
Não dorme tal. Não. Ainda mexe. Mais: prepara-se para palpitar de novo, e de vez, no ânimo, no corpo e no espírito da generalidade da gente moça.
Quer isto dizer que a Revolução Nacional não fica assim: não vai ficar onde a deixaram os que não souberam fazer até ao fim nem perecer.
O espírito de ingratidão não pode prevalecer sobre o espírito de fidelidade.
Logo, a Revolução Nacional não acabou. A Revolução Nacional continua. Vai continuar. Melhor dizendo: vai começar. Dentro de momentos...
E poderá ser que, graças a Ela, o coração exausto deste velho país recomece, enfim, a bater como dantes.
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