sábado, 17 de maio de 2008

O 31 da Armada dá voz aos seus leitores

Enviado para você por Rui Moio através do Google Reader:

via 31 da Armada de Sofia Bragança Buchholz em 17/05/08

"Crónica da memória

Quero fazer uma viagem no tempo. Quero que fechem os olhos e quero que imaginem o cenário que vos vou contar.

1975, Porto de Lisboa. Imaginem um navio de cruzeiro, de enormes dimensões, lindo e exuberante que acaba de chegar. Se não fosse o ano de 1975, se não fossem as circunstancias que levavam muita gente a viajar naquele navio, eu diria que a viagem era uma viagem de sonho. O navio tinha cinema, piscina, bares, salões grandes e bonitos que se viam à luz de velas. Era Inverno. Pairava no ar uma neblina (como na lenda de D. Sebastião), estava um tempo chuvoso, frio, cinzento, a condizer com o estado de espírito da Nação.

Uma mulher estava debruçada a ver o mar. Observava aquela terra que nada lhe dizia, que nunca tinha visto antes, apesar de ter a sua nacionalidade. Os olhos verdes viam tudo aquilo, o corpo sentia o frio, o sangue gelava, mas no entanto, a única coisa que a sua expressão deixava transparecer era uma enorme tristeza.

Estava frio e ela vinha de camisa de manga curta. O tempo era cinzento mas a sua camisa era de cores vivas e tropicais. Esta mulher mais a família vinham de África. Vinham do quente, do bonito, dos cheiros e das cores exóticas. Mas também vinham fugidos e com medo. Vinham sem futuro, sem dinheiro, sem nada a não ser uma mala com as recordações de uma vida e de uma terra que nunca mais iriam ver e que nunca mais iria voltar a ser a mesma. Essa terra que tinham aprendido a chamar lar, era a mesma que tinham visto a ser destruída e a morrer aos poucos e poucos. Essa era a terra que só iriam ver nas fotografias a preto e branco que se encontravam dentro dessa mala, e que fora das poucas coisas que conseguiram salvar.

Trinta anos depois, esta mulher já com netos, mostra-lhes essas fotografias a preto e branco. Mostra-lhes os sítios onde nasceu, onde cresceu, onde casou, onde criou os filhos. Nunca lá voltou, apesar de ter tido oportunidade. As razões para não o fazer, nunca as disse, mas os netos desconfiam. Esta mulher, anónima mas que representa tantas outras e outros que vieram para um país que não conheciam, alguns que nunca tinham sequer visitado, com gentes e mentalidades tão diferentes do que eles estavam habituados, vieram sim; mas com memórias e imagens da sua verdadeira terra, que nunca esqueceram. Imagens, essas que não queriam ver destruídas. E por isso, alguns, nunca lá voltaram."

Um texto da responsabilidade e autoria da nossa leitora Daniela Major

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