segunda-feira, 6 de abril de 2009

Era uma vez… Portugal (IV)

Era uma vez… Portugal (IV)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 05/04/09

DIOGO DE AZAMBUJA E A EXPANSÃO PORTUGUESA NO REINADO DE D. JOÃO II

É bem conhecida de todos a importância da figura do rei D. João II, o Príncipe Perfeito, no processo dos Descobrimentos. É, de facto, durante o seu reinado que se consolida a Expansão Portuguesa e se assegura a descoberta da passagem marítima para o Oceano Índico, abrindo caminho á instalação dos portugueses no Oriente. Os Descobrimentos recebem, assim, um impulso decisivo para o seu bom sucesso, definindo este rei uma série de objectivos claros a atingir. Embora a grande etapa fosse a descoberta do caminho marítimo para a Índia, D. João II pretendia também assegurar a presença portuguesa em África, garantindo a segurança das rotas marítimas e promovendo a exploração económica, nomeadamente através do comércio. Neste sentido, uma das acções mais importantes desencadeadas no seu reinado é precisamente a construção de uma fortaleza na costa africana, que se viria a chamar São Jorge da Mina. É disto que falaremos hoje, acompanhando a biografia do seu construtor, Diogo de Azambuja.

Mas recuemos um pouco no tempo. Iniciado pelo Infante D. Henrique, o avanço e exploração da costa africana pelos portugueses havia começado pelo dobrar do Cabo Bojador por Gil Eanes, em 1434, prolongando-se pelas décadas seguintes. Á data da morte do Infante, em 1460, já haviam chegado á Serra Leoa, no Golfo da Guiné. Quando o príncipe D. João, ainda infante, chama a si o encargo de conduzir o processo dos Descobrimentos, em 1474, já os portugueses dominavam a navegação nas águas atlânticas, e já se tornava bastante proveitoso o comércio na costa africana, efectuado em pequenos estabelecimentos fortificados a que se dava o nome de feitorias-fortalezas. A mais importante era nessa altura a existente na ilha de Arguim, onde florescia o comércio do ouro, que os portugueses adquiriam em troca de objectos diversos levados de Portugal ou comprados em Marrocos, como pulseiras de latão, bacias, colares, tecidos, etc. Mas tal era já insuficiente para as potencialidades que a vastidão da costa africana oferecia, e cedo o jovem D. João II sentiu a necessidade de criar um entreposto mais sólido. Este rei tinha, porém, como principal objectivo a chegada á Índia contornando África, e todo o proveito obtido no comércio africano deveria ser canalizado nesse sentido. Para melhor entendermos o sentido da sua actuação, falta-nos referir outro dado importante: pela primeira vez, com D. João II, os Descobrimentos se tornam uma verdadeira empresa de Estado, sendo todas as viagens feitas por conta do rei, e os lucros obtidos canalizados para o Tesouro Real, num sistema de monopólio. Como em 1479 havia sido assinado com Castela o Tratado de Alcáçovas, que reservava para Portugal todo o espaço geográfico a sul das Canárias, o rei vê-se assim de mãos livres para realizar o seu plano de avançar nas viagens de Descobrimento. E a construção do castelo de S. Jorge da Mina, logo de seguida, constituiu um instrumento importante nesse avanço.

Assim, o rei prepara em 1481 uma expedição composta por nove caravelas e duas grandes naus, designadas por urcas. Tinha como missão a construção de uma fortaleza no Golfo da Guiné, num local propício para o comércio. Levava esta armada cerca de 600 soldados e 100 pedreiros e carpinteiros, e carregava a pedra necessária para a construção da fortaleza. Após alguma hesitação, D. João II acaba por entregar o comando desta expedição a um Diogo de Azambuja, homem já dos seus cinquenta anos. Quem era esta personagem, a quem o rei confiou o sucesso de tão importante missão?

Diogo de Azambuja, não sendo propriamente um navegador, era no entanto um homem inteligente e hábil, um excelente militar e estratega, da confiança, evidentemente, do rei, e capaz de erguer no espaço de tempo mais curto possível uma fortaleza numa região ainda em grande parte desconhecida. Era cavaleiro da Casa de el-rei, sendo um dos primeiros fidalgos ligados á empresa dos Descobrimentos de que temos conhecimento. Membro da Ordem de Cristo, havia servido D. Pedro, (filho do Infante D. Pedro da Ínclita Geração morto em Alfarrobeira), tendo prestado serviço em Alcácer-Ceguer e em Aragão. Após a morte do seu senhor, em 1466, havia retornado ao Reino, entrando depois ao serviço do Príncipe Perfeito. Participa nas guerras com Castela, recebendo em 1480 o privilégio de fidalgo.

Vemos, assim, que D. João II entrega a responsabilidade da construção da fortaleza não a um navegador, mas a um militar experiente, capaz de conduzir tal tarefa arriscada e difícil. A armada parte em Dezembro de 1481, rumando para Sul. Curiosamente, um dos navios era capitaneado por Bartolomeu Dias, que mais tarde dobraria o Cabo da Boa Esperança, e um outro, por Pedro de Sintra, provavelmente o descobridor da Serra Leoa, ainda no tempo do Infante D. Henrique. A expedição segue até ao Golfo da Guiné, na Costa mais tarde designada Da Mina, procedendo Diogo de Azambuja ao reconhecimento da costa, de forma a encontrar o local mais favorável para a construção da fortaleza. Escolhe uma baía para desembarcar, o que faz a 19 de Janeiro de 1482, e de imediato se iniciam os trabalhos de construção. Ao cabo de 20 dias, já estava a fortaleza bem encaminhada, concluindo-se a sua construção pouco depois. Á data encontrava-se no local um navio português, que procedia ao comércio com as populações locais, mas o seu bom senso, o tacto de Diogo de Azambuja e, sobretudo, a boa recepção do rei local permitiram evitar conflitos e foram o factor decisivo para o êxito da missão.

Acabada a fortaleza, estabelecidos os contactos amigáveis com as populações locais e accionadas as trocas comerciais, Diogo de Azambuja considerou terminada a tarefa, pelo que mandou regressar a armada a Lisboa com notícia do sucesso da missão, ficando ele próprio como capitão da fortaleza com sessenta soldados. Exerceu o cargo até 1484, data em que regressou a Lisboa. A fortaleza ficou conhecida como S. Jorge da Mina, devido á devoção que o rei tinha a este santo. Assim ficou assegurada a presença portuguesa na região, sendo a fortaleza a sede de um rico tráfico de ouro. Era uma peça importante no projecto de D. João II, como base da navegação portuguesa e do combate á pirataria, principalmente espanhola, que acorria a esta região atraída pelos lucros do comércio. Por outro lado, pretendia canalizar o grosso volume do comércio africano do ouro, que chegava ao Norte de África e á Europa através de caravanas. Para tal promoveu por todos os meios as boas relações com os reis locais, e elevando em 1486 a Mina á categoria de cidade, concedendo os privilégios adequados aos habitantes em redor. Interessa salientar que o comércio da feitoria era de tal modo importante que foi durante muito tempo o entreposto comercial mais rico das possessões portuguesas, mesmo após a chegada á Índia. Funcionou também como um importante ponto de apoio ás naus de regresso da Índia durante todo o século XVI e parte do século XVII, até ser tomada pelos holandeses.

Quanto a Diogo de Azambuja, não terminaram aqui os seus feitos como homem de armas. Recompensado pelo rei com o cargo de alcaide de Monsaraz, para além de outras recompensas como a nomeação para o Conselho Real, Diogo de Azambuja manteve-se porém ligado á Corte e ao serviço do rei, embora a sua idade e uma deficiência física aconselhassem já a sua retirada. E é já com mais de setenta anos que aceita uma missão que o rei D. Manuel o encarrega, em 1506: construir uma fortaleza na região de Safim, no sul de Marrocos, de forma a aí permitir a fixação portuguesa. Diogo de Azambuja não só cumpriu tal missão com êxito, como tomou a própria cidade de Safim, permanecendo como capitão da cidade até 1509, com a idade de cerca de 77 anos. Nesta data regressa a Portugal, vindo a falecer em 1518.

Paulo Jorge de Sousa Pinto - texto de apoio a programas de rádio sob a designação "Era uma vez… Portugal", emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal

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