segunda-feira, 20 de abril de 2009

Era uma vez… Portugal (XIII)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 19/04/09

D. FRANCISCO MANUEL DE MELO

São por demais conhecidos, na História da Literatura Portuguesa, alguns autores que aliaram a produção literária á dura vida de soldado, sendo os casos mais citados os de Luís de Camões, Diogo do Couto e Fernão Mendes Pinto. Todos conhecem a célebre alocução do Poeta em trazer numa mão a espada, e noutra a pena, sintetizando a ligação entre a escrita e a vida militar. Vamos hoje falar de uma personagem que personifica na perfeição esta imagem. Trata-se de um dos maiores nomes da Literatura Portuguesa do século XVII, por vezes um pouco esquecido, e cuja riqueza do seu trabalho é bem a medida da sua vida aventurosa e atribulada: D. Francisco Manuel de Melo.

D. Francisco Manuel de Melo nasceu em Lisboa, a 23 de Novembro de 1608. Descendia de família fidalga, pelo menos por parte do pai. A sua infância e juventude foi a normal para um elemento da nobreza do seu tempo: teve a sua educação no Paço, e estudou no colégio de Santo Antão, da Companhia de Jesus. Tendo manifestado uma especial inclinação para a Matemática, escreve a sua primeira obra aos 17 anos, nesta disciplina. Porém, logo com esta idade viria a virar-se para a vida militar, que seguiu até ao fim da sua vida. Aos 18 anos teve então o seu baptismo de fogo: em 1626 embarca numa armada destinada a esperar as naus da Índia. Nesta época, a navegação portuguesa, sobretudo os navios que regressavam do Oriente carregados de ricas mercadorias, sofriam o assalto constante de corsários holandeses e ingleses, pelo que a protecção dos navios de carga era uma preocupação constante. De qualquer modo, esta primeira incursão de D. Francisco Manuel de Melo nas lides da guerra foi uma experiência terrível, pois uma tempestade fez dispersar a armada pelas costas do norte de Espanha e a fez naufragar. O desastre, de que a má organização da armada foi em parte culpada, havia de marcar o autor, que lhe dedicou mais tarde uma das suas Epanáforas, a Epanáfora Trágica. É o próprio que confessa a forma como o episódio marcou a sua vida e a sua personalidade:

"Cumprindo-se hoje trinta anos que passei este naufrágio, me está a memória com tanta viveza representando aqueles trabalhos, como se realmente agora me vira entre eles".

Nos anos seguintes, D. Francisco Manuel de Melo vive a vida da Corte a que se dedica com algum empenho, repartindo o tempo entre a escrita, os corredores dos palácios de Madrid e a vida militar. É por esta altura que escreve as suas primeiras obras em verso. Tal como Camões, era irrequieto e turbulento, tendo ficado registado o duelo que trava com um castelhano em plena cidade de Lisboa. Porém, ao contrário do Poeta, D. Francisco Manuel de Melo ultrapassa este percalço sem dificuldade. Pelo contrário, consegue uma boa posição na corte, em grande parte pelos seus serviços militares. É primeiro armado cavaleiro, depois capitão, e finalmente em 1634 é admitido na Ordem de Cristo. É com o agravamento das condições de vida em Portugal, com o despoletar das revoltas que mais tarde conduzirão á Restauração, que a sua vida irá mudar substancialmente.

Até esta altura, D. Francisco Manuel de Melo não havia despertado ainda para os problemas políticos. Eis então que, em 1637, estala a revolta de Évora. Devido ao seu prestígio e ás capacidades que lhe eram reconhecidas, é enviado como representante do Duque de Bragança, e depois como embaixador de Filipe IV, para conduzir os contactos e as negociações com os rebeldes. Parece que o governo espanhol não terá ficado muito satisfeito com a sua acção, pois envia-o de imediato para a Flandres. Será preso pouco depois, por motivos desconhecidos, mas que indicam já um mau relacionamento com o governo espanhol. No ano de 1640, nas vésperas do 1º de Dezembro, D. Francisco Manuel de Melo está na Catalunha, comandando um exército com o objectivo de combater a revolta contra o governo de Madrid. Quando estala igual rebelião em Portugal, é acusado de simpatia para com os revoltosos e preso durante quatro meses. Acabará por alcançar a liberdade, mas foge imediatamente para Inglaterra onde se declara partidário de D. João IV. Eis como, após uma série de peripécias, D. Francisco Manuel de Melo adere á causa da Restauração em Portugal.

A sua vida ao serviço de D. João IV não ocorreu, porém, como esperara. O seu feitio turbulento, assim como inimizades que criou junto de homens próximos do rei acabariam por lhe provocar graves problemas. Entretanto, fixa-se em Lisboa, cidade onde nasceu, e participa no esforço de defesa contra a tentativa de invasão espanhola em 1643. No ano seguinte, como já assinalámos, é preso devido a intrigas de corte onde se deixa enredar. Permaneceu recluso longos anos, até que em 1655 parte degredado para o Brasil.

D. Francisco Manuel de Melo, degredado para o Brasil, fixou-se na Baía, onde esperava certamente acabar os seus dias. Porém, as alterações políticas em Portugal acabaram por alterar este cenário. D. João IV, que se lhe havia mostrado hostil, morre no ano seguinte, pelo que o escritor decide tentar a sua sorte e regressar ao reino. Muda-se primeiro para os Açores, onde pediu para regressar a Lisboa, o que faz em 1659. Porém, a sua sorte só muda dois anos mais tarde, quando o conde de Castelho Melhor, seu amigo pessoal, toma o governo. É imediatamente amnistiado, sendo-lhe entregues importantes responsabilidades políticas, nomeadamente junto da Santa Sé onde a influência espanhola minava a posição diplomática portuguesa. Teve então finalmente ocasião de publicar alguns trabalhos seus, as Obras Morais e Cartas Familiares. Viajou, tendo frequentado a corte inglesa assim como a Cúria Papal. A sua influência política em Portugal era cada vez mais importante, mas D. Francisco Manuel de Melo não viveria o suficiente para a exercer. Morreria em 1666, após uma vida tumultuosa e acidentada.

A sua obra literária é, com a do Padre António Vieira, a mais importante do século XVII. Escreveu sobre os mais variados temas, em teatro como em prosa e em verso, onde pontificam tanto o humor como o conhecimento da língua portuguesa, o rigor formal como o estilo cuidado. Escreveu obras de crítica social, de que a mais famosa é o Auto do Fidalgo Aprendiz. Deixou uma série de importantes obras de historiador, onde relata vários episódios em que participou directamente, e que reuniu com o nome de Epanáforas de Vária História Portuguesa. O seu trabalho mais conhecido mostra o seu carácter multifacetado, até pelo facto de o autor ter permanecido solteiro: trata-se da célebre Carta de Guia de Casados.

Paulo Jorge de Sousa Pinto - texto de apoio a programas de rádio sob a designação "Era uma vez… Portugal", emitidos entre 1993 e 1996 pela RDP-Internacional, em associação com a Sociedade Histórica da Independência de Portugal

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