domingo, 17 de maio de 2009

Osvaldo Spengler e a democracia

via a cidade do sossego de harms em 15/05/09
"Um pouco como Carl Schmitt, tempos depois, e Vilfredo Pareto, antes dele, Spengler opõe-se aos princípios e à realidade da democracia. Existe, diz-nos ele, o lado 'verbal' da democracia, isto é, teórico, e o seu lado 'racial', isto é, a sua realidade política. Pareto teria falado de derivações e resíduos. As ideias democráticas só têm influência como instrumentos de uma vontade de poder. A democracia significa, em primeiro lugar, o triunfo de certos homens ou de certos grupos que utilizam essas palavras de ordem para consolidar o seu poder. Ao recordar deste modo a essência do político, Spengler procura indubitavelmente acentuar, aos olhos dos Alemães da sua época, o formalismo de um regime que lhes parecia estranho. Aliás, a sua crítica não deixa de recordar a de Marx na medida em que estabelece, por sua vez, uma distinção entre infra-estrutura (neste caso a Vida, a Vontade de Poder) e superstrutura ideológica. Mas vai mais longe e merece, sem dúvida, a nossa atenção quando, antecipando-se às teses da Dialéctica da Razão, descreve a tendência do racionalismo para a autodestruição e a sua transformação perversa em instrumento de dominação universal. Spengler segue, neste caso, a linha de um certo número de pensadores como Pareto, Mosca, Max Weber, Roberto Michels, etc, que realizaram, desde finais do século XIX, uma reflexão sobre a adaptação da democracia liberal e representativa à sociedade técnica de massas. Em que medida pode resistir à burocracia crescente e às derivas oligárquicas que se manifestam nela? Em que medida pode assegurar a renovação das elites?
Ao diluir a autoridade, delegando teoricamente uma minúscula parcela em cada cidadão eleitor, a democracia, explica-nos Spengler, desemboca na ditadura de oligarquias partidárias antes de sucumbir definitivamente ao poder do César. Há uma dialéctica da emancipação que conduz directamente a um despotismo ainda mais terrível do que aquele que se pretende evitar. Spengler resume assim a sua fraseologia sócio-política: 'A cultura acabada é aristocrática, a civilização das grandes cidades mundiais começa por ser democrática até que a contradição acaba por se resolver no cesarismo'. limita-se a repetir, deste modo, a velha tese platónica segundo a qual a democracia é uma escola de tiranos. Em A Democracia na América, Tocqueville revelara, por sua vez, o perigo que a democracia e a sua exigência igualitária encerram, embora se referisse, sobretudo, ao totalitarismo dissimulado e morno do Estado moderno, tutor absoluto dos cidadãos cujas necessidades de segurança e bem-estar satisfaz, encorajando assim a sua sujeição voluntária. Foi Nietzsche quem, mais uma vez, enunciou a ideia que Spengler transforma em lei histórica. Em Para Além do Bem e do Mal, fala do processo 'fisiológico' desencadeado pelo 'movimento democrático' (...).
A sujeição da opinião pública à imprensa e aos meios de comunicação de massas representa um aspecto particularmente evidente desta 'dialéctica da razão' que Spengler detecta no processo de emancipação decorrente das Luzes. Outrora, afirma ele, os indivíduos não ousavam pensar livremente; hoje têm esse direito, mas já não conseguem. Ao generalizarem a instrução, as Luzes criaram as condições para essa dependência de um novo tipo. Na verdade, a democracia tardia transita do sonho de emancipação à determinação brutal dos povos pelos poderes aos quais a imprensa obedece (...).
É ao poder do dinheiro que a imprensa obedece geralmente. Na verdade, qualquer democracia é uma 'plutocracia' para Spengler, que resume a sua crítica da democracia e do capitalismo na seguinte fórmula: 'O espírito propõe, o dinheiro dispõe'."- Gilbert Merlio, A Crítica da Democracia Liberal em Oswald Spengler, in O Eterno Retorno, Bizâncio, 1999.

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