sábado, 31 de outubro de 2009
O Pequeno Príncipe - Parte III
O Pequeno Príncipe - Parte II
O Pequeno Príncipe-Antoine de Saint-Exupèry Parte I
From Fidel to Roosevelt
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
"Salazar - A Political Biography", de Filipe Ribeiro de Meneses
"Salazar - A Political Biography", de Filipe Ribeiro de Meneses
Em mais de 600 páginas, o autor, professor na National University of Ireland, tentou compreender as decisões do antigo presidente do Conselho durante as quatro décadas do regime. Mas não foi fácil. Porque o cariz centralizador de Salazar nos mais diversos assuntos "dificulta, intencionalmente ou não, o acesso do historiador às suas opiniões, ou à maneira como estas se formavam". O P2 entrevistou Ribeiro de Meneses, por correio electrónico.
- O que é que mais o surpreendeu na investigação que fez para esta biografia?
- A necessidade de separar Salazar, enquanto homem de Estado e pensador, do Estado Novo. Muitas vezes falamos de salazarismo (um termo que ele abominava) e Estado Novo como sendo a mesma coisa: mas o Estado Novo nunca cessou de evoluir, enquanto as ideias de Salazar foram sempre mais ou menos as mesmas. O regime nos anos 50 e 60 era muito diferente do que tinha sido nos anos 30, e sugiro que não devemos cair na tentação de ver no Estado Novo dos anos 30 a verdadeira face do salazarismo. A sua principal prioridade era manter-se no poder; para o fazer precisava de pactuar com uma série de forças nacionais e internacionais. Conseguiu sempre impedir a instalação permanente de qualquer facção no poder, porque precisava de ambiguidade para ter espaço de manobra. Tinha muitas maneiras de fazer asfixiar as iniciativas de que desconfiava, mas que pela força dos seus apoiantes era obrigado a aceitar.
Este facto traz-me à segunda grande surpresa: o sentimento de fraqueza muitas vezes manifestado por Salazar e aqueles que o cercavam. A lista de inimigos, rivais e potenciais traidores era enorme, mas Salazar não podia lidar com eles como fizera Franco, fuzilando-os. Salvo algumas excepções que não cabiam dentro do regime, era preciso ouvir, negociar e pactuar constantemente e, sobretudo, manter a ambiguidade dominante em torno das grandes questões. República ou monarquia? O que fazer com a Assembleia Nacional? O que era, afinal de contas, o corporativismo português? O melhor era não dizer nada de concreto, para não hostilizar ninguém.
- Escreve no livro que Salazar é, porventura, o ditador do século XX mais difícil de biografar. Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou para realizar este livro?
- São tantas as dificuldades... Em primeiro lugar, a falta de outras biografias razoavelmente cuidadas. Depois, a duração da estada de Salazar no poder e a vastidão do espólio a consultar. O Arquivo Salazar é um labirinto sem fim; quanto tempo é necessário ao historiador para consultar o que levou 40 anos a ler e a escrever? Por onde começar? Como decidir que se está em condições de passar à escrita?
Por fim, há a maneira de trabalhar de Salazar, nascida, em parte, do seu temperamento. Não só trabalhava muito - muito mais do que, por exemplo, Franco -, centralizando na sua pessoa questões que outros governantes deixavam a colaboradores de primeira ou segunda ordem, mas, pior, fazia-o de uma forma que dificulta, intencionalmente ou não, o acesso do historiador às suas opiniões, ou à maneira como estas se formavam. Havia uma correspondência oficial, muito formal e por vezes desprovida de grande interesse; uma correspondência semi-oficial, em que Salazar alargava os seus horizontes e discutia as opções que o confrontavam; e, por fim, os contactos directos com os seus interlocutores. Porque em Portugal poucos políticos escreveram as suas memórias, ou publicaram os seus diários, quantas destas conversas se perderam...
- A maior limitação foi, como escreve, tentar "entrar na cabeça de Salazar"?
- Esta foi a minha primeira biografia, e imagino que todos os biógrafos passem por esta situação: terão ou não feito justiça à figura que tentam retratar? A natureza cuidadosa de Salazar tornou os seus pensamentos íntimos difíceis de sondar; e é sobretudo nos momentos de dúvida e de hesitação que estes transparecem nas fontes que restam. Numa biografia política como esta, a questão é menos importante: interessa mais o que de facto aconteceu do que as razões por detrás das decisões tomadas.
- Escreve que Salazar foi o único ditador do século XX que chegou ao poder devido ao reconhecimento dos seus méritos académicos e intelectuais. Essa é a diferença substancial que o distingue de Hitler, Franco e Mussolini?
- Sem dúvida. Hitler e Mussolini lideravam forças políticas importantes e, em momentos de grande instabilidade política, foram convidados a partilhar o poder, aproveitando-se depois de circunstâncias favoráveis para criar uma ditadura. Franco era, desde os anos 20, a estrela do Exército espanhol, e venceu uma guerra civil, beneficiando não só da sorte das armas como ainda da morte de muitíssimos rivais dentro da Espanha "nacional".
Salazar integrava uma formação política - o Centro Católico - disposta a participar na governação do país, mas marginalizada pelos partidos republicanos. Foi graças ao 28 de Maio que esta situação se alterou. Salazar foi, primeiro em 1926, e depois em 1928, convidado a entrar no Governo não porque representava uma força considerável, mas porque era um técnico capaz de ajudar os militares a endireitarem as finanças nacionais. E se Salazar se transformou em presidente do Conselho foi acima de tudo porque desempenhou a missão com que foi incumbido, impondo-se aos seus rivais pela competência técnica.
- Salazar quis apenas deixar um legado político? Na sua investigação, refere que ele parece ter tomado precauções para que ficasse registado apenas o que considerava essencial.
- Salazar queixava-se frequentemente de não poder deixar uma obra, ou um monumento, que marcasse a sua estada no poder. No seu entender, muito se tinha feito em Portugal e em África, mas eram sobretudo obras pequenas. O mais que conseguiu foi a Ponte Salazar. Por duas vezes, em épocas bem distintas, lançou a ideia de um grande monumento em Sagres, em honra do Infante Dom Henrique - e por duas vezes a tentativa se saldou por um fracasso.
Quanto ao legado político, houve uma nítida tentativa de criar uma imagem de Salazar, e de fazê-la perdurar na história: foi essa a principal missão do SPN [Secretariado de Propaganda Nacional] e de algumas publicações, tais como os "Discursos", os "Dez Anos de Política Externa" e até o livro de Christine Garnier, "Vacances avec Salazar.
Quanto ao Arquivo Salazar, é-nos impossível saber se houve uma selecção cuidadosa do que nele foi guardado. A doença surpreendeu-o enquanto era presidente do Conselho, sem nenhuma intenção de se retirar, e o seu arquivo estava em pleno funcionamento. Se alguma "limpeza" se deu ao arquivo, ter-se-á dado depois da doença, ou da morte.
Há ainda outro ponto a referir: embora no arquivo existam milhares de relatórios e informações oriundas da PIDE [Polícia Internacional e de Defesa do Estado], são poucos os registos de contactos directos entre Salazar e os directores da polícia secreta para discutir casos concretos, estudar opções. Voltamos aqui à sua maneira de trabalhar, à distinção entre o público e o privado. Ou Salazar discutia o caminho a seguir com Silva Pais [director da PIDE de 62 a 74] e os seus antecessores de forma directa, em pessoa ou pelo telefone, ou então dava-lhes carte blanche para agirem como melhor entendessem. De qualquer forma, não nos podemos iludir sobre um ponto essencial: a responsabilidade suprema pelas acções da PIDE cabia-lhe a ele, Salazar. Quando lhe chegavam às mãos queixas sobre o tratamento de prisioneiros políticos, por exemplo, a quem é que encomendava uma investigação sobre o assunto? À própria PIDE.
- Dedica uma parte substancial do livro às décadas de 30 e 40. Entende que estes anos determinaram a longevidade do ditador?
- Quando discuti o livro com a Enigma Books, falámos longamente sobre a dimensão da obra e as questões a focar. Ficou acordado um livro com 400 páginas. E foi publicado um livro com mais de 600. Tive de sacrificar secções inteiras para poder lidar melhor com certas questões, especialmente a II Guerra Mundial e a Guerra Colonial. Porém, não devemos privilegiar uma época do Estado Novo e ver nela o "verdadeiro" Salazar, ou a aplicação sem restrições das suas ideias. Os anos 50, com os planos económicos e a internacionalização da economia europeia, são tão dignos de registo como os anos 30, marcados pela criação do Estado corporativo e pelo estabelecimento de organizações tais como a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa. Foi nesta capacidade de evolução do regime - fruto da enorme ambiguidade sobre questões essenciais que alimentou ao longo dos anos - que residiu o segredo da longevidade de Salazar. Teria sido impossível ao Estado Novo sobreviver nos anos 50 e 60 se mantivesse a fachada e as práticas dos anos 30.
- Apresenta três explicações para a vontade de Salazar se manter no poder: acreditava ser um homem providencial; julgava que, sem ele, o regime colapsaria; e, já depois de 61, entendia que tinha de manter as colónias até o Ocidente "recuperar o juízo". São justificações que se enquadram em diferentes períodos da ditadura.
- Refiro duas que se manifestam até 1961, quando a defesa das colónias se lhes veio juntar. Salazar falava e escrevia regularmente sobre o papel da Providência na sua vida. Podemos reduzir este facto a um simples tique retórico, reproduzido e ampliado pela máquina propagandística.
Mas é na correspondência de Cerejeira com Salazar que esta interpretação da "missão" se faz mais abertamente. Muita desta longa correspondência tem um fim político, com Cerejeira lutando por preservar boas relações entre o Estado e a Igreja. Mas custa a crer que Cerejeira insistisse tanto, e tão regularmente, sobre este ponto de vista, se suspeitasse que ele não fosse partilhado por Salazar - ou pelo menos que, quando Salazar entrou no Governo, ele não o partilhasse. Esta visão de um homem imbuído de um espírito de missão, pelo menos em parte da sua longa carreira, repugna a muitos, admiradores e inimigos. Salazar descrevia a sua vida pública como um calvário, uma cruz a carregar, e custa-nos levar tal explicação a sério, pois ela concedia-lhe vantagens políticas importantes.
A outra interpretação é mais tradicional, e de acordo com a historiografia existente: Salazar era o ponto fulcral do regime, o único capaz de manter o Estado Novo intacto e de preservar os interesses que este servia. Parece-me, porém, que as duas interpretações - uma conjuntural, a outra pessoal - podem coexistir pacificamente.
- Salazar nunca se preocupou com a doutrinação ideológica dos portugueses. Esta constatação, aliada às transformações do mundo pós-II Guerra Mundial, terá contribuído para o início do fim do Estado Novo?
- Podia publicar-se um longo volume composto somente por cartas recebidas por Salazar, pedindo-lhe para iniciar um processo de doutrinação ideológica. Nunca o fez porque sabia que tal doutrinação viria cristalizar o Estado Novo, retirando-lhe a ele a liberdade de acção que desejava manter. Por outras palavras, a doutrinação era o fim do Estado Novo. Porque quem se opusesse ao compromisso ideológico determinante nessa doutrinação virar-se-ia contra o regime.
- A historiografia portuguesa só agora começa a dar atenção ao género biográfico. E até hoje ninguém se ocupara da biografia mais óbvia. Como é que interpreta esta situação?
- São muitas as razões, a começar pela rejeição sistemática, ao longo de várias décadas, da importância da história política - do papel do indivíduo na História.
Nos últimos dez anos, o panorama alterou-se e muito, mas Salazar representa um obstáculo tremendo: são quarenta anos a descrever - quarenta anos da vida de um homem, de um país, e mesmo da Europa, pois Portugal não estava isolado do resto do continente. E como há opiniões fortes e feitas sobre Salazar e o Estado Novo, parece-me que ninguém quer provocar a ira do resto da profissão, ou daqueles que pensam que tentar entender Salazar significa automaticamente tentar desculpá-lo.
Por fim, um biógrafo de Salazar tem de lidar com a concorrência colossal dos seis volumes escritos por Franco Nogueira. Parece-me, porém, que os historiadores têm de ir ao encontro do público, sobretudo desde que apareceu a Internet. E não há dúvida de que os portugueses interessam-se por Salazar.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Esmiuçando as "antifascistas"
A Menina e Moça foi para mim, durante o tempo decisivo da minha adolescência, o complemento do clima de entusiasmo e de generosidade, de gosto pelos grandes ideais e de pronto espírito de serviço que as aulas de formação, as colónias de férias e, acima de tudo, o curso de graduadas da M. P. F. (que frequentei entre o 4.º e 5.º anos do liceu) me habituaram a desejar e a querer viver. Mais tarde, durante a experiência, extremamente rica, de alguns anos em que pude colaborar nas aulas de formação moral e nacionalista, o mesmo espírito me foi trazido pela Menina e Moça, onde sempre gostei de reencontrar o ideal, sem mistura, da mocidade, e a disponibilidade, sem reserva, da época da vida em que o coração todo inteiro se dá.
Sobretudo, veio-nos através da M. P. F. (eu não sei mais distinguir entre o que me veio através da Menina e Moça e o que veio através das outras actividades da Organização) a repulsa pela mediocridade consentida e o gosto das coisas duras, que me têm tornado a vida uma difícil mas apaixonante aventura. E, como pano de fundo de toda a formação que na M. P. F. recebi, veio-me a certeza, ao mesmo tempo empírica e mal documentada, da existência de uma vocação própria da Mulher no mundo, base natural em que mais tarde havia de assentar a minha vocação ao serviço da Igreja Universal.
É por isso que eu gostaria de dizer a todas as meninas e moças da geração de hoje que não fechem os ouvidos ao apelo de altura e de sonho que a M. P. F. nelas quer despertar. Que não encolham os ombros, numa pretensão de experiência céptica das pessoas e das coisas, quando a M. P. F. as convida à generosidade e a ocuparem o seu lugar no mundo. Que não se alheiem com desprezo daquelas que procuram ajudá-las a viver a etapa maravilhosa da adolescência. Que não tenham medo de ser diferentes no meio da massa indiferenciada que a civilização do nosso tempo tem produzido."
Maria de Lourdes Pintassilgo
(Graduada da Mocidade Portuguesa Feminina)
1959
In: "Mocidade Portuguesa Feminina", Irene Flunser Pimentel,
Esfera dos Livros, 2007, pág. 204.
Tarrafal – 29 de Outubro de 1936
Tarrafal – 29 de Outubro de 1936
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
A GUERRA COLONIAL EM ANGOLA
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
O «achamento» do Brasil (V)
O «achamento» de terras da costa ocidental do Brasil, expressão utilizada por Pêro Vaz de Caminha para identificar terras que alguns autores admitem poder corresponder a um encontro de terras procuradas, foi descrito pelo mencionado escrivão na sua famosa carta, que constitui uma autêntica reportagem antropológica sobre os primeiros contactos amistosos dos homens da armada de Pedro Álvares Cabral com os autóctones. Os portugueses viram com a maior estranheza os modos de vida dos tupiniquins que habitavam a região da baía Cabrália formando comunidades semi-sedentárias, nas quais as actividades recolectoras se combinavam com a cultura de raízes de mandioca. Os ameríndios foram então vistos pelos portugueses como seres onde seria possível introduzir a civilização, tal como eles a viam.
A armada de Pedro Álvares Cabral ligou pela primeira vez os quatro continentes, pois partindo e regressando à Europa estabeleceu contactos com a África e o Brasil, antes de atingir a Ásia em 22 de Agosto de 1500.
Os topónimos Terra de Vera Cruz ou Terra de Santa Cruz não se conseguiram impor, pois o nome que veio a prevalecer foi o de Brasil, devido à importância que adquiriu o pau-brasil, cor de brasa, e foi o produto mais importante durante os primeiros tempos da exploração do novo território.
Em 1501-1502 e 1503-1504 duas expedições portuguesas de exploração comandadas por Gonçalo Coelho realizaram o reconhecimento do litoral ocidental do Brasil, a que se poderá acrescentar uma outra expedição em 1502-1503 da responsabilidade de Fernão de Loronha, a qual visava recolher pau-brasil.
Em 1514 foi avistado o rio da Prata.
"Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal", de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 71 e 72
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
O «achamento» do Brasil (IV)
Em carta datada de 30 de Julho de 1514, Estêvão Fróis afirmou que o equador era considerado em termos práticos a divisória das zonas de influência entre Portugal e Castela na América, certamente por se ter observado anteriormente que o equador passava próximo da foz do Amazonas, o que era verdade, pois por aí passavam de facto as 370 léguas a ocidente das ilhas de Cabo Verde e por aí aparece traçada a linha divisória no chamado «Mapa de Cantino» de 1502.
A referida afirmação implicava saber que a linha de demarcação estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas passava pela proximidade da foz do rio Amazonas. Ora uma das hipóteses que se tem colocado e a que já aludimos, é a de que a esta região já em 1498 teria sido enviado Duarte Pacheco Pereira, o qual em 1494 havia sido um nos negociadores do Tratado de Tordesilhas podendo sugerir-se a hipótese de ter sido o conhecimento de terras ou indícios de terras brasileiras, o factor que levou a que D. João II exigisse mais 270 léguas para ocidente da linha de demarcação. O que é certo é que quando em 1498 Cristóvão Colombo saiu das ilhas de Cabo Verde para ocidente ele referiu que tal conhecimento teria sido indicado por D. João II quando negociara o referido tratado. Por outro lado, em 1514 EStêvão Fróis afirmou que Portugal «possuía estas terras há vinte anos ou mais e que já João Coelho, o da porta da Cruz, vizinho da cidade de Lisboa», já fora a terras do Norte do Brasil, onde ele havia ido.
Depois da viagem de Cristóvão Colombo de 1498 tem-se discutido se os navegadores castelhanos Vicente Yañes Pinzon e Diego de Lepe teriam chegado em 1500 a terras brasileiras a oriente da foz do rio Amazonas. Trata-se de um assunto bastante nebuloso e controverso, onde é difícil obter certezas, depois de Duarte Leite e Damião Peres terem apresentado abundante argumentação contra tal possibilidade.
"Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal", de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 70 e 71
Guiné 63/74 - P5141: Historiografia da presença portuguesa (24): A Literatur...
(Observação do Editor: Por ser muito extenso, este trabalho vai ser publicado em três partes, correspondentes a outros tantos postes)
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5069: Historiografia da presença portuguesa (22): África, da Vida e do Amor na Selva, Edições Momentos, 1936 (Beja Santos)
(**) Vd. poste de 9 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5084: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (17): João Augusto Silva é meu tio (Pepito)
Vd. último poste da série de 18 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5127: Historiografia da presença portuguesa (23): Aquela Guiné dos anos 50 (Beja Santos)
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
O «achamento» do Brasil (III)
Apesar da determinação das longitudes nos séculos XV a XVII ser obtida por estima, o seu cálculo não levava normalmente a erros excessivos, pelo que muitos autores têm admitido que Pedro Álvares Cabral ordenou intencionalmente um desvio para ocidente, com o objectivo de conhecer uma terra de que poderia ter informações de natureza muito imprecisa ou por querer saber se para ocidente haveria alguma terra no âmbito da demarcação do Tratado de Tordesilhas. A tese da intencionalidade do desvio da armada para ocidente tem a seu favor, entre outros argumentos, a informação registada na carta que Mestre João Farras escreveu a D. Manuel de Porto Seguro no dia 1 de Maio de 1500, na qual recomendava ao rei que visse a situação do sítio de onde escrevia num mapa que tinha Pêro Vaz da Cunha, o Bisagudo, e se deduz ser posterior a 1482, ainda que ele fosse incompleto, pois não indicava se aquela terra era habitada. Seria de estranhar que Mestre João estivesse a remeter o rei para uma das ilhas míticas que nessa altura ainda se registavam nos mapas. Devemos observar, contudo, que o eventual conhecimento dessa terra não se encontrava registado na carta padrão do Armazém da Guiné, pois se ela lá estivesse indicada Mestre João Farras não teria de evocar aquele mapa na posse de um particular.
Pedro Álvares Cabral não conhecia a terra situada na região de Porto Seguro onde desembarcou, mas poderia ter recebido instruções no sentido de que, no decorrer da sua navegação, durante a qual necessitava de se afastar para ocidente, forçasse o rumo nessa direcção para verificar se ali poderia haver terras, de que já haveria indicações, nomeadamente no mapa-mundi de Pêro Vaz Bisagudo. Não se pode excluir a possibilidade de haver informações, recolhidas desde, pelo menos, 1493 o período das negociações que levaram a deslocar mais 270 léguas para ocidente a linha divisória acordada no Tratado de Tordesilhas, no âmbito das quais se abarcava o território brasileiro. Como também já referimos, a zona correspondente à foz do Amazonas poderia ter sido já explorada por Duarte Pacheco Pereira em 1498, de acordo com as afirmações que nesse sentido ele faz no seu Esmeraldo de Situ Orbis, e vão ao encontro de indicações expressas pelos Reis Católicos em 1493 e por Cristóvão Colombo em 1498. Quando neste último ano o genovês foi ao arquipélago de Cabo Verde, de onde rumou para ocidente, tinha como objectivo identificar terras que suspeitava serem do conhecimento de D. João II quando este negociou o Tratado de Tordesilhas, tendo sido então que ele descobriu a Venezuela.
"Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal", de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 69 e 70
terça-feira, 20 de outubro de 2009
O «achamento» do Brasil (II)
Um segundo grupo de navios tinha por destino Sofala. Um deles era comandado por Bartolomeu Dias, talvez uma caravela redonda, que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança. O outro, uma nau ou caravela, capitaneada por Diogo Dias, afastou-se da armada no Atlântico Sul, tendo acabado por explorar o litoral da África Oriental.
A armada partiu do Restelo a 9 de Março de 1500 e a viagem correu normalmente até às proximidades das ilhas de Cabo Verde, sem que houvesse necessidade de aí se proceder a reabastecimento. A armada passou junto da ilha de São Nicolau e rumou depois para ocidente, de forma a apanhar a sul do equador os ventos favoráveis (alisados de sueste), os quais lhe permitiriam atingir o cabo da Boa Esperança, dando assim uma volta idêntica à já traçada por Vasco da Gama. Pouco depois de deixar as águas do arquipélago de Cabo Verde o navio de Vasco de Ataíde perdeu-se misteriosamente, talvez por ter algum rombo, metido água e afundado, sem que nenhum dos testemunhos presenciais da viagem tenha assinalado qualquer anomalia da navegação por essa ocasião.
Por motivos naturais, ligados ao regime de ventos e correntes marítimas em meados de Abril, ou por ordem do capitão-mor, a armada deslocou-se para uma longitude mais ocidental do que aquela que tinha sido atingida por Vasco da Gama e da que seria seguida depois pelos navios que faziam a Carreira da Índia. O desvio foi de tal forma grande que no dia 22 de Abril de 1500 os portugueses avistaram aquele que foi baptizado como Monte Pascoal, situado numa terra que Pedro Álvares Cabral denominou Terra de Vera Cruz e D. Manuel preferiu antes chamar Terra de Santa Cruz. Era o Brasil!
"Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal", de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 68 e 69
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
"Descida aos Infernos"
Por definição, o metamorfismo implica que as transformações tenham lugar no estado sólido, representando um dos estádios do ciclo geoquímico da litosfera. É, ainda, o processo geológico com maior expressão na crosta continental. Trata-se, neste caso, de um processo que afecta não um local mas uma região mais ou menos vasta e, assim, referido por metamorfismo regional. Intimamente relacionado com o enrugamento das cadeias de montanhas (orogénese), tem como factores principais: o calor interno, em aumento com a profundidade; a pressão própria do interior da crosta, ou pressão litostática, também ela crescendo com a profundidade (por exemplo, a 35km de profundidade, a pressão litostática atinge as 10 000 atmosferas) e a pressão orientada, própria das faixas orogénicas, onde dominam os esforços tangenciais compressivos característicos das fronteiras de placas em aproximação. A estes dois tipos de pressão associam-se outros, não menos importantes, devidos à presença de água, dióxido de carbono e outros fluidos circulantes. O metamorfismo regional é, pois, tanto mais intenso quanto maior for a profundidade a que se processe. Fala-se, assim, de graus de metamorfismo. Por exemplo, o xisto representa um grau muito baixo, actuante sobre uma rocha argilosa; o gnaisse, pelo contrário, testemunha um grau muito elevado, sobre aquela mesma rocha.
Para além das transformações de alguns dos minerais das rochas afectadas, o metamorfismo determina modificações nas respectivas texturas. As rochas laminadas, as xistentas ou as fibrosas testemunham as pressões orientadas a que estiveram sujeitas. Trata-se de um processo extremamente lento, à escala geológica, com durações na ordem das dezenas de milhões de anos. Em acção no seio dos grandes orógenos actuais e activos, como os Alpes, os Andes ou as Montanhas Rochosas, os seus efeitos estão ainda, na maior parte, ocultos no coração das respectivas montanhas. Pelo contrário, nas cadeias montanhosas do passado, em especial nas mais antigas, a erosão, actuante ao longo de centenas de milhões de anos, acabou por arrasá-las, pondo a descoberto as suas entranhas de rochas metamórficas de vários tipos, bem como de granitos e outras rochas magmáticas, testemunhando a existência de magmatismo.
Muito comum e bem conhecido da generalidade das populações do interior norte e sul, o xisto representa um estádio, ainda muito incipiente, de metamorfismo de uma rocha sedimentar essencialmente argilosa (a profundidade relativamente pequena, 5 a 10km). A ardósia ou lousa, que a minha geração e a dos os nossos pais e avós usaram para escrever as primeiras letras, representa um estádio ligeiramente mais acentuado de aumento de pressão e temperatura.
Estádios progressivamente mais avançados desta mesma sequência ocorridos a maior profundidade geram, no mesmo sentido, xistos luzentes, micaxistos e gnaisses (30 a 35km de profundidade). Se a temperatura continuar a aumentar, estas rochas fundem total ou parcialmente, dando origem a granitos.
No metamorfismo regional, toda e qualquer rocha é transformada ou reciclada. Por seu turno, o calcário dá origem ao mármore. Neste caso, o calcário perde os vestígios dos fósseis que habitualmente encerra e sofre recristalização total, aspectos bem visíveis a olho nu.
Podemos dizer, em resumo, que uma mesma rocha, qualquer que ela seja, sujeita a metamorfismo, pode dar origem a diferentes tipos de rochas metamórficas, tudo dependendo da sua natureza, do campo de tensões regional e da profundidade a que mergulhou no interior da crosta.
O «achamento» do Brasil (I)
Em 1500 D. Manuel nomeou Pedro Álvares Cabral como capitão-mor da segunda armada que enviou para a Índia. Era constituída por treze navios nos quais embarcaram o escol da pilotagem portuguesa da época e uns 1200 a 1500 homens.
Sobre a constituição da armada as dúvidas que subsistem centram-se sobretudo no problema de saber quantas caravelas poderiam fazer parte da armada, pois a maioria dos navios eram naus equipadas com velas de pano redondo. Quanto aos destinos dos navios, eles iam com duas missões diferentes. A maioria ia para a Índia, sendo nove pertencentes ao rei e dois a particulares. De seguida apresentamos os nomes dos capitães de cada navio e as características de cada um.
Nos navios do rei seguiam: Pedro Álvares Cabral, na nau capitânia; Sancho de Tovar era o sota-capitão e ia na nau El-Rei, com cerca de 360 tonéis; Simão de Miranda de Azevedo; Aires Gomes da Silva ia numa nau que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança; Simão de Pina era capitão de uma nau que também se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança; Vasco de Ataíde ia na nau que se afundou depois de deixar o arquipélago de Cabo Verde; Nicolau Coelho; Pedro de Ataíde capitaneava uma nau ou caravela redonda de nome São Pedro, de 70 tonéis; Gaspar de Lemos ia numa nau ou naveta com reforço de mantimentos, a qual regressou a Portugal depois da escala no Brasil, indo talvez destinada a esse fim ou a ser abandonada.
Um dos capitães das duas naus de armadores particulares era Nuno Leitão da Cunha, na Nossa Senhora da Anunciada, com cerca de 167 tonéis, que pertencia à parceria de D. Álvaro de Bragança com os banqueiros-mercadores Bartolomeu Marchioni, Girolamo Sernigi e António Salvago. O outro capitão era Luís Pires que ia na nau pertencente à parceria de D. Diogo da Silva de Meneses (1.º conde de Portalegre) e mercadores, que foi outro dos navios que se afundou entre o Brasil e o cabo da Boa Esperança.
"Breve História dos Descobrimentos e Expansão de Portugal", de José Manuel Garcia, Editorial Presença, 1999, pp. 67 e 68
sábado, 17 de outubro de 2009
Dundo, memória (anti) colonial
António de Oliveira Salazar. Requiem
As traições, as traições... Em 1965 há nova crise académica e Marcelo Caetano sai em defesa dos estudantes que levaram o merecido safanão. Logo ele, o meu ex-Ministro da Presidência... Tenho sonhado muito com o Rolão Preto, pesadelos.
http://www.vidaslusofonas.pt/salazar.htm
Não cedo, não arredo! Para aliviar a pressão em Moçambique, juntamente com a África do Sul apoio a independência da Rodésia de Ian Smith. E ainda em 65 mando assaltar e encerrar a Sociedade (dita Portuguesa) de Escritores, que premiou o romance de um terrorista angolano! E em 67 mando assaltar e fechar a Cooperativa Pragma (dita de acção cultural), aí os comunistas até fingiam de católicos. Para mais me perturbar, sei que ali também arengava o filho de um dos meus fieis.
Ainda em 1967 bandidos comunistas assaltam a dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz e fogem com o dinheiro, que não é pouco. Mas o que é que andam a fazer a PIDE e a GNR e a PSP? Até essas forças já me falham?
Bandidos mais perigosos são os estudantes, veja-se o que fizeram com o General De Gaulle em Maio passado. Esta subversão moderna tem de ter um ponto final! Começo por deportar o Mário Soares para S. Tomé. Só porque era o advogado da família Delgado, queria meter o bedelho aonde não era chamado...
O Delgado, ai o Delgado... Uma das raras alegrias que eu tive nestes tempos conturbados, ocorreu em 1965. Em Argel conspiravam comunistas, delgadistas e outros "reviralhistas", queriam até aliciar a ingenuidade lusitana através das ondas curtas. Rosa Casaco, o meu fiel inspector da PIDE, de Argel conseguiu atrair o Delgado até perto de Olivença, emboscada. Estou a ver o general a chegar à fronteira a meio da noite, a morder o isco, a engasgar-se, a levar um tiro. E a apagar-se, obviamente. Dá-me vontade de rir e largo o corpo na cadeira.
REQUIEM
A 3 de Agosto de 1968 a cadeira prega-lhe realmente uma partida: queda, a cabeça a bater no chão, hematoma cerebral, bloco operatório, diminuição das faculdades mentais. Depois de muito hesitar, Américo Tomás acaba por nomear Marcelo Caetano para a Presidência do Conselho de Ministros. Alguns destes, junto de Salazar, fingem que é ele ainda o Presidente do Conselho; ou ele finge acreditar na encenação e, a fingir, lá vai dando despacho aos assuntos correntes. Morre a 27 de Julho de 1970. 81 anos de idade, 42 de poder ininterrupto.
As suas pegadas marcaram Portugal. O tempo passa e elas ficam, dinossauros passearam por aqui.
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sexta-feira, 16 de outubro de 2009
“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (XIV)
Temos, portanto, dentro da corrente tradicional, várias posições que importa distinguir. Num primeiro grupo incluiremos todos aqueles que nos apresentam os Índios com qualidades e defeitos, embora diferentes dos Europeus.
É nesta primeira categoria que se integra a quase totalidade das obras que estudámos. A ela pertencem os historiadores, viajantes e exploradores dos séculos XVI a XVIII, os colonizadores (Jesuítas), Nuno Marques Pereira, os Índios de Basílio da Gama, excepto Lindóia, os de Santa Rita Durão, excepto Paraguassú e em parte, Gupeva, os de Tenreiro Aranha, Rocha Pita, Domingos do Loreto Couto, Ribeiro de Sampaio, Joaquim José Lisboa, Frei Francisco de S. Carlos, Cavaleiro de Oliveira, e, em parte, Cruz e Silva.
No entanto, mesmo no conjunto de todos estes autores, há uma certa evolução na forma por que se tratam o Índio.
Os viajantes e exploradores viam-no como um ser curioso, de que importava sobretudo descrever as singularidades de costumes. Com os colonizadores nota-se já uma mudança – o Índio passa a interessar em si mesmo, como pessoa humana capaz de um comportamento moral, devido ao maior contacto que os colonizadores com ele tinham. Há, assim, um progresso nítido.
Em seguida o Índio entra na literatura propriamente dita, onde é visto e descrito quer mais quer menos favoravelmente, ora sob uma forma um tanto exterior, ora com mais profundidade.
Existe aqui também uma nova transição, e de grande importância, a marcar. Com Basílio da Gama, os Índios ganham personalidade. Continuam a ser bons e maus – mas com a diferença de que, enquanto em todos os outros escritores eram atribuídos defeitos e qualidades ao Índio em geral, encontramos neste os dois aspectos dissociados – Índios bons e Índios maus, como em qualquer obra podemos encontrar personagens boas e más.
[...]
Numa outra alínea poderíamos incluir aqueles que se apresentam como verdadeiros Europeus. Tais são Lindóia, de O Uraguai de Basílio da Gama, Paraguassú, do Caramurú de Santa Rita Durão, e Guaçu, do mesmo poema.
A europeização da primeira é ainda bastante leve. Com Paraguassú vai-se já mais longe. Quanto a Lindóia, nada tinha havido que contrariasse expressamente as características físicas da raça a que pertencia, mas aquela é já descrita como possuindo tez branca e olhos claros. Além disso, Lindóia aparece apenas actuando mas não raciocinando sobre questões filosóficas. Paraguassú conversa com Diogo Álvares Correia por tal forma que seria impossível numa Índia ainda inculta e afastada de qualquer civilização, como era quando Diogo Álvares a conheceu.
[...]
Ainda dentro da corrente tradicional, temos a contar com um terceiro grupo – aqueles que, referindo-se ao Índio, apenas se interessam por ele na medida em que lhes serve para a exaltação da acção civilizadora e cristianizadora dos Portugueses. Não interessam os costumes, nem saber se são verdadeiramente homens, se são bons ou maus, se melhores ou piores que os Europeus. Interessa apenas dizer que são selvagens, bárbaros, pondo em relevo o esforço dispendido e a vitória conseguida. É esta a posição de Cláudio Manuel da Costa no seu poema Vila-Rica, de Alvarenga Peixoto em O Sonho, ao descrever-nos um Índio que, representando todo o Brasil, é o primeiro a louvar e a agradecer a civilização que lhe foi trazida, confessando-se leal súbdito dos monarcas portugueses, e ainda de José Bonifácio de Andrade e Silva, que, nos seus já citados Apontamentos para a civilização dos Índios bravos do Império do Brasil, faz a apologia da acção desenvolvida. Em todos eles o Índio está praticamente ausente e é quase um pretexto.
"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, pp. 107 a 109
“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (XIII)
«Bento Teixeira, ou Bento Teixeira Pinto, nascido em meados do século XVI, em Pernambuco, tem a honra de ser, cronologicamente, o primeiro poeta brasileiro, ou filho do Brasil», diz Afrânio Peixoto na sua Introdução à Prosopopeia deste mesmo Autor.
Assim é, de facto. E, como tal, era de esperar que se ocupasse da região em que nasceu. Mas, se por um lado celebra incansavelmente a beleza da sua terra, é também incansavelmente que louva a acção portuguesa no Brasil – e o Índio apenas aparece na sua obra como pano de fundo, em oposição maciça a esta mesma acção, despertando interesse somente na medida em que por ela se vai deixando ganhar.
Sendo, como é, a Prosopopeia dirigida a Jorge de Albuquerque Coelho, capitão e Governador de Pernambuco, era inevitável que nela se elogiasse a acção civilizadora dos portugueses, mas isso de forma alguma impedia um certo interesse pelo Índio.
Pouco posteriores à Prosopopeia, e de muito maior importância para nós, são os Diálogos das Grandezas do Brasil, em número de seis. Foram pela primeira vez reunidos e publicados em volume em 1930, devido aos cuidados de Capristano de Abreu, embora a sua composição date, segundo informa o mesmo Autor, de 1618.
Não se sabe quem é o seu Autor. Tem-se procurado levantar o anonimato através do estudo do texto, mas nem sequer se chegou ainda à conclusão de ter ele nascido ou não no Brasil. Não nos interessa aqui discutir o problema; limitar-nos-emos ao estudo do texto propriamente dito.
Temos, em todos os diálogos, sempre as mesmas duas personagens: Alviano e Brandónio.
Representa um o metropolitano recém-chegado do reino e ainda muito afastado dos problemas dos indígenas e o segundo o colonizador que já se encontrava no Brasil há bastante tempo.
[...]
Quanto ao objectivo destas composições, trata-se, como o próprio nome indica, de dar a conhecer o Brasil pelo que ele tem de melhor.
Na primeira ocupam-se os dois dialogantes em descrever as várias Capitanias do Brasil, ao que se segue (segundo diálogo) uma comparação entre Negros e Índios, louvando-se simultaneamente as condições do clima e discutindo-se a origem do Índio Americano. Vem em seguida (terceiro e quarto diálogos) a enumeração das riquezas do Brasil, com especiais referências ao pau-brasil, ao algodão e aos produtos agrícolas. No quinto, faz-se a descrição dos animais, da terra e, por fim, o sexto, aquele que mais directamente nos interessa, ocupa-se dos Índios, depois de rápidas notações sobre os costumes dos Portugueses.
"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, pp. 57 e 58
António de Oliveira Salazar. Orgulhosamente só
António de Oliveira Salazar. Orgulhosamente só
Torno a levantar-me. Não vejo o barquinho, não sei o que é feito dele.
ORGULHOSAMENTE SÓ
http://www.vidaslusofonas.pt/salazar.htm
Ingleses, franceses e belgas abandonaram a África e agora exigem que façamos como eles fizeram? Estão enganados, somos diferentes, não viramos costas à Pátria que dilatámos, soprados somos pelos ventos da História. Não querem ouvir-me e fico só, orgulhosamente só.
Porventura em Portugal estarei mais só. Mas não me entrego, já disse que sou osso duro de roer. Hei-de vedar as brechas da União Nacional, ela tornará a ser o que foi no início, aglutinação de todas as direitas, a Direita, a única. Faço como sempre fiz, alivio o secundário, atarraxo o principal. Em 1958 dei aumento aos funcionários públicos mas, ao mesmo tempo, promovi a caça aos comunistas, o escultor Dias Coelho foi abatido na rua como um cão raivoso e a PIDE destroçou quase que por completo o aparelho clandestino dos lesa-Pátria. Em 1959 consenti que Portugal aderisse à EFTA, lancei o Plano de Fomento, abri linhas de crédito para as indústrias mas, ao mesmo tempo, dei caça ao Delgado e aos delgadistas.
No meu tempo era a Direita que fascinava os estudantes universitários. Hoje parece que é a Esquerda, consequências da famigerada instrução que alastrou sem rei nem roque... Para esse perigo alertei os doutores que me cercam. Não me quiseram ouvir e aí está o resultado: em 1962 rebenta a crise académica de Lisboa. A um grupo de estudantes católicos chego mesmo a dizer:
- Não estraguem as vossas vidas, não se metam em políticas, façam como eu, a minha política é o trabalho!
Ouço que abafam risos. Só há um remédio, safanão a tempo, estudantes para o calabouço!
Mais preocupado me deixa o Ultramar. Em 1963 os terroristas do Amílcar Cabral, traidor de segunda financiado pelos russos, abrem uma segunda frente na Guiné. Espicaço, vamos também em força para a Guiné! Para aliviar a pressão em Angola apoio a secessão catanguesa do ex-Congo Belga e o comunista Lumumba é justiçado. Mas em 1964 os terroristas do Eduardo Mondlane, outro traidor de segunda também financiado pelos russos, abrem uma terceira frente em Moçambique. Espicaço, vamos também em força para Moçambique! A Grã-Bretanha, os Estados Unidos, a Rússia, a ONU, exigem referendos para a autodeterminação das nossas Províncias Ultramarinas. Estão iludidos, não vou à fala, não converso com terroristas. Orgulhosamente sós, a Pátria não se discute!
É-me já difícil manter o equilíbrio orçamental: três guerras no Ultramar e o consequente sorvedouro financeiro, também a expansão económica da Metrópole que já não consigo domar... Paliativos? As remessas dos emigrantes, o turismo (com a consequente infecção da nossa moral e costumes), também o investimento estrangeiro. Assim começa a ser ofuscada a nossa forma de estar no mundo... É preocupante, mas pior que tudo são as traições. Em 1964 o Papa visita a Índia e, no ano seguinte, visita as Nações Unidas que tanto me atanazam. Não lhe perdoo, nem sequer quando vem a Fátima a 13 de Maio de 1967.
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quarta-feira, 14 de outubro de 2009
“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (XII)
Falámos até aqui de obras que foram escritas a partir de um contacto directo, embora mais ou menos prolongado, com o Índio do Brasil. Mas teriam estes escritos despertado profundo interesse na Metrópole? É para duvidar que assim tenha acontecido.
A leitura dessas narrações despertaria certamente curiosidade. Mas, acima de tudo isso, havia um facto que, desde o início do século XVI, vinha monopolizando todas as atenções – o descobrimento do caminho marítimo para a Índia, que exercia um poder fascinante sobre as mentalidades do século. Como já vimos, o próprio prestígio de que a América gozou foi em parte motivado pela confusão que se estabeleceu entre ela e a Índia.
De qualquer forma, aos Portugueses interessava muito mais o caminho que eles próprios tinham descoberto; e, quando o engano de Colombo se desfez, maior realce essa descoberta ganhou ainda.
Percorrendo a historiografia portuguesa dos séculos XVI e XVII, damo-nos bem conta deste predomínio da Índia sobre o Brasil.
Além daqueles que com este tiveram contacto directo, e de que já nos ocupámos, as referências que a ele se fazem são poucas e rápidas, existindo apenas uma obra que se ocupa exclusivamente do Brasil, enquanto os tratados sobre a Índia abundam.
Essa obra que trata do Brasil é a Nova Lusitania, história da guerra brasílica de Francisco de Brito Freire.
Nela se ocupa o Autor dos esforços empregados e das lutas travadas para conseguir conservar e civilizar o Brasil, fazendo também referências aos seus habitantes:
«Inclinados a tomarem por molheres suas cunhadas. Cobardes. Sopresticiosos. Amigos de se lavar nos rios. Chamando tambem Parascé, com pouca corrupção de Parasceve, a aquelle modo barbaro, das suas festas mais solenes».
Refere-se ainda a outros costumes, tantas vezes descritos pelos viajantes, como os de andarem nus, furarem os beiços, comerem carne humana – e, embora as descrições sejam bastante breves, são as mais extensas que se encontram entre os historiadores.
"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, p. 55
terça-feira, 13 de outubro de 2009
“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (XI)
Um outro Jesuíta que, um pouco posteriormente, se ocupou do Brasil, foi o Padre Fernão Cardim, terceiro Provincial da Companhia nessa região. É Autor de três tratados, Do Clima e terra do Brasil e de algumas cousas notaveis que se achão assi na terra como no mar, Do Principio e Origem dos Indios do Brasil e Narrativa Epistolar, posteriormente reunidos num só volume, Tratados da terra e gente do Brasil. [...]
As que para nós têm mais interesse são esta e a Narrativa Epistolar.
Apesar dos seus tão falados costumes de matar os contrários e comer carne humana, os Índios aparecem nestas obras a uma luz bastante favorável. Em primeiro lugar é elogiada a sua liberalidade [...]
Posição já muito diferente quanto aos Índios tem o Padre Simão de Vasconcelos. Refere-se aos mesmos factos que Cardim, mas dá maior relevo aos desfavoráveis. Se reconhece que «são liberaes, engenhosos, magnanimos, e davidosos», também diz que «vivem a maneira de feras selvagens montanhesas; nem seguem fé, nem lei, nem rei, pela qual razão faltam na sua lingua F. L. R.».
[...]
Importa agora salientar que os testemunhos destas figuras principais que apontamos não se encontram isolados, mas sim enquadrados num conjunto. Há dezenas de outros Jesuítas que, trabalhando no Brasil e escrevendo para a Europa, nos deixaram indicações que vêm confirmar o que Nóbrega, Anchieta, Cardim e Simão de Vasconcelos disseram. Essas cartas, assim como algumas destes Autores que citámos, publicadas em várias colectâneas como Cartas Jesuíticas, Novas Cartas Jesuíticas e Cartas Avulsas, foram agora reunidas numa só obra, Monumenta Brasiliae, por Serafim Leite, S. J..
As referências destas cartas aos Índios do Brasil são pouco extensas.
Mostram-se uns Autores desfavoráveis aos indígenas, outros favoráveis, mas nada acrescentam ao que disseram aqueles cujas obras analisámos. Têm, no entanto, o interesse de, em conjunto, confirmarem toralmente os factos apontados pelos Autores a quem dedicámos particular referência.
"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, pp. 51 a 54
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (X)
Ao Padre Manuel da Nóbrega sucedeu, como Provincial da Companhia no Brasil, o Padre José de Anchieta, seu digno continuador na acção de converter «estes pobres Índios que tão tiranizados estão do demónio».
Pede continuamente para a Metrópole o envio de mais Padres e Irmãos, tendo visto igualmente o grande alcance dos colonizadores leigos, quando conscientes das suas responsabilidades.
Vai entretanto falando das condições da terra e do modo de vida dos seus habitantes. Na Informação do Brasil e suas Capitanias, depois de se referir às Capitanias e ao seu carácter histórico-geográfico, assim como aos colonizadores, governadores, bispos e jesuítas de cada uma delas, ocupa-se dos costumes dos Brasis. É curioso o texto em que narra a honra que tinham de matar grande número de «contrários»:
«Naturalmente são inclinados a matar, mas não são crueis: porque ordinariamente nenhum tormento dão aos inimigos, porque se os não matam no conflito da guerra, depois tratam-os muito bem, e contentam-se com lhes quebrar a cabeça com um pau, que é morte muito fácil, porque às vezes os matam de uma pancada ou ao menos com ela perdem logo os sentidos. Se de alguma crueldade usam, ainda que raramente, é com exemplo de Portugueses e Franceses».
Não deixa de ser interessante este comentário, que coloca os Índios num plano superior aos Europeus, mesmo naquilo que viria a constituir um dos principais, senão o principal obstáculo ao tema do «bom selvagem»; facilmente se concebe o gosto que sentiriam alguns escritores do século XVIII ao ler um texto deste género.
Um pouco mais abaixo diz ainda:
«O que mais espanta aos Índios e os faz fugir dos Portugueses, e por consequência das Igrejas, são as tiranias que com eles usam, obrigando-os a servir toda a sua vida como escravos, apartando mulheres de maridos, pais de filhos, ferrando-os, vendendo-os, etc., e se algum, usando de sua liberdade, se vai para as igrejas de seus parentes que são cristãos, não o consentem lá estar, de onde muitas vezes os Indios, por não tornarem aos seu poder, fogem pelos matos, e quando mais não podem, antes se vão dar a comer aos seus contrarios».
[...]
Podemos considerar Manuel da Nóbrega como antecessor de Anchieta, devido ao seu Diálogo. Os autos do segundo são, no entanto, bastante diferentes deste. São em verso, não se limitam a pôr em cena duas personagens e, sendo muito menos conceituosos, prestavam-se a uma acção mais imediata. Aliás, só com Anchieta estas composições se fixaram definitivamente.
De todos esses autos, grande número perdeu-se e outros chegaram até nós anónimos. Quanto ao Padre José de Anchieta, sabe-se que é autor do Auto de S. Lourenço, Na festa do Natal, Na Visitação de Santa Isabel, Na Vila de Vitória, publicados em edição crítica com traduções dos fragmentos em tupí, por Maria de Lourdes de Paula Martins.
"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, pp. 48 a 50