segunda-feira, 12 de outubro de 2009

“O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII” (X)

via Carreira da Índia de Leonel Vicente em 12/10/09

Ao Padre Manuel da Nóbrega sucedeu, como Provincial da Companhia no Brasil, o Padre José de Anchieta, seu digno continuador na acção de converter «estes pobres Índios que tão tiranizados estão do demónio».

Pede continuamente para a Metrópole o envio de mais Padres e Irmãos, tendo visto igualmente o grande alcance dos colonizadores leigos, quando conscientes das suas responsabilidades.

Vai entretanto falando das condições da terra e do modo de vida dos seus habitantes. Na Informação do Brasil e suas Capitanias, depois de se referir às Capitanias e ao seu carácter histórico-geográfico, assim como aos colonizadores, governadores, bispos e jesuítas de cada uma delas, ocupa-se dos costumes dos Brasis. É curioso o texto em que narra a honra que tinham de matar grande número de «contrários»:

«Naturalmente são inclinados a matar, mas não são crueis: porque ordinariamente nenhum tormento dão aos inimigos, porque se os não matam no conflito da guerra, depois tratam-os muito bem, e contentam-se com lhes quebrar a cabeça com um pau, que é morte muito fácil, porque às vezes os matam de uma pancada ou ao menos com ela perdem logo os sentidos. Se de alguma crueldade usam, ainda que raramente, é com exemplo de Portugueses e Franceses».

Não deixa de ser interessante este comentário, que coloca os Índios num plano superior aos Europeus, mesmo naquilo que viria a constituir um dos principais, senão o principal obstáculo ao tema do «bom selvagem»; facilmente se concebe o gosto que sentiriam alguns escritores do século XVIII ao ler um texto deste género.

Um pouco mais abaixo diz ainda:

«O que mais espanta aos Índios e os faz fugir dos Portugueses, e por consequência das Igrejas, são as tiranias que com eles usam, obrigando-os a servir toda a sua vida como escravos, apartando mulheres de maridos, pais de filhos, ferrando-os, vendendo-os, etc., e se algum, usando de sua liberdade, se vai para as igrejas de seus parentes que são cristãos, não o consentem lá estar, de onde muitas vezes os Indios, por não tornarem aos seu poder, fogem pelos matos, e quando mais não podem, antes se vão dar a comer aos seus contrarios».

[...]

Podemos considerar Manuel da Nóbrega como antecessor de Anchieta, devido ao seu Diálogo. Os autos do segundo são, no entanto, bastante diferentes deste. São em verso, não se limitam a pôr em cena duas personagens e, sendo muito menos conceituosos, prestavam-se a uma acção mais imediata. Aliás, só com Anchieta estas composições se fixaram definitivamente.

De todos esses autos, grande número perdeu-se e outros chegaram até nós anónimos. Quanto ao Padre José de Anchieta, sabe-se que é autor do Auto de S. Lourenço, Na festa do Natal, Na Visitação de Santa Isabel, Na Vila de Vitória, publicados em edição crítica com traduções dos fragmentos em tupí, por Maria de Lourdes de Paula Martins.

"O Índio do Brasil na Literatura Portuguesa dos Séculos XVI, XVII e XVIII", de Maria da Conceição Osório Dias Gonçalves, Separata de BRASILIA, vol. XI, Coimbra, 1961, pp. 48 a 50

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