segunda-feira, 19 de outubro de 2009

"Descida aos Infernos"

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 18/10/09
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SEMPRE QUE UMA ROCHA da superfície terrestre, em equilíbrio com as condições ambientais (temperatura, pressão atmosférica relativamente baixas), se afunda na crosta, como se descesse aos infernos, os seus minerais ficam instáveis face aos consequentes aumentos da pressão e da temperatura, dando origem a outros, compatíveis com os novos ambientes. Neste processo, a rocha em causa, seja ela de que tipo for, sofre uma transformação a que os geólogos chamam metamorfismo (do grego meta, transformação, e morphe, forma) e passa a ser considerada como rocha metamórfica. Porém, se essa descida atingir zonas onde a temperatura ultrapasse os 800º C, condição que determina a fusão, ainda que parcial, da rocha, entra-se no domínio do magmatismo.

Por definição, o metamorfismo implica que as transformações tenham lugar no estado sólido, representando um dos estádios do ciclo geoquímico da litosfera. É, ainda, o processo geológico com maior expressão na crosta continental. Trata-se, neste caso, de um processo que afecta não um local mas uma região mais ou menos vasta e, assim, referido por metamorfismo regional. Intimamente relacionado com o enrugamento das cadeias de montanhas (orogénese), tem como factores principais: o calor interno, em aumento com a profundidade; a pressão própria do interior da crosta, ou pressão litostática, também ela crescendo com a profundidade (por exemplo, a 35km de profundidade, a pressão litostática atinge as 10 000 atmosferas) e a pressão orientada, própria das faixas orogénicas, onde dominam os esforços tangenciais compressivos característicos das fronteiras de placas em aproximação. A estes dois tipos de pressão associam-se outros, não menos importantes, devidos à presença de água, dióxido de carbono e outros fluidos circulantes. O metamorfismo regional é, pois, tanto mais intenso quanto maior for a profundidade a que se processe. Fala-se, assim, de graus de metamorfismo. Por exemplo, o xisto representa um grau muito baixo, actuante sobre uma rocha argilosa; o gnaisse, pelo contrário, testemunha um grau muito elevado, sobre aquela mesma rocha.

Para além das transformações de alguns dos minerais das rochas afectadas, o metamorfismo determina modificações nas respectivas texturas. As rochas laminadas, as xistentas ou as fibrosas testemunham as pressões orientadas a que estiveram sujeitas. Trata-se de um processo extremamente lento, à escala geológica, com durações na ordem das dezenas de milhões de anos. Em acção no seio dos grandes orógenos actuais e activos, como os Alpes, os Andes ou as Montanhas Rochosas, os seus efeitos estão ainda, na maior parte, ocultos no coração das respectivas montanhas. Pelo contrário, nas cadeias montanhosas do passado, em especial nas mais antigas, a erosão, actuante ao longo de centenas de milhões de anos, acabou por arrasá-las, pondo a descoberto as suas entranhas de rochas metamórficas de vários tipos, bem como de granitos e outras rochas magmáticas, testemunhando a existência de magmatismo.

Muito comum e bem conhecido da generalidade das populações do interior norte e sul, o xisto representa um estádio, ainda muito incipiente, de metamorfismo de uma rocha sedimentar essencialmente argilosa (a profundidade relativamente pequena, 5 a 10km). A ardósia ou lousa, que a minha geração e a dos os nossos pais e avós usaram para escrever as primeiras letras, representa um estádio ligeiramente mais acentuado de aumento de pressão e temperatura.

Estádios progressivamente mais avançados desta mesma sequência ocorridos a maior profundidade geram, no mesmo sentido, xistos luzentes, micaxistos e gnaisses (30 a 35km de profundidade). Se a temperatura continuar a aumentar, estas rochas fundem total ou parcialmente, dando origem a granitos.

No metamorfismo regional, toda e qualquer rocha é transformada ou reciclada. Por seu turno, o calcário dá origem ao mármore. Neste caso, o calcário perde os vestígios dos fósseis que habitualmente encerra e sofre recristalização total, aspectos bem visíveis a olho nu.

Podemos dizer, em resumo, que uma mesma rocha, qualquer que ela seja, sujeita a metamorfismo, pode dar origem a diferentes tipos de rochas metamórficas, tudo dependendo da sua natureza, do campo de tensões regional e da profundidade a que mergulhou no interior da crosta.

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