Sobre a proposta de adesão da Guiné Equatorial à CPLP
via Lusofonia Horizontal by Daniel on 7/7/10
Uma questão a ser levantada: como é que os defensores de tal adesão a justificam? A seguir, importante artigo de opinião, na íntegra (aos interessados, conferir as observações de Gerhard Seibert disponíveis na internet).
O perigoso silêncio de Brasil e Portugal
MARINA COSTA LOBO (professora de Ciência Política na Univeridade de Lisboa)
Publicado no diário O Globo (Rio de Janeiro), domingo, 04/07/2010
Opinião, p. 07
Na próxima cúpula da Comunidade de Países de Língua Por tuguesa (CPLP) que ocorrerá no dia 23 de julho em Luanda, será discutida a entrada da Guiné Equatorial nesta organização internacional. A Guiné Equatorial é uma das ditaduras mais ferozes do mundo. Tem como líder Teodoro Obiang Nguema, que, nas últimas eleições de setembro de 2009, ganhou com 95,8% dos votos válidos.Não, isso não significa que este presidente é muito popular. Quer dizer apenas que a fraude eleitoral é maciça.Na Guiné Equatorial, nunca houve uma eleição livre, sendo Obiang o ditador que há mais tempo se mantém no poder na África. Dos 100 membros do Parlamento, 99 pertencem ao partido de um presidente que controla todos os recursos do país. Ler mais
A Freedom House, fundação estadunidense que monitora a situação dos direitos civis e políticos em todos países do globo, acaba de publicar um relatório intitulado "Os piores abusadores dos direitos humanos no mundo". Nove países são elencados. Porém, nenhum membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa se encontra na lista. A Guiné Equatorial, pelo contrário, está lá. O fato de ser um país onde há petróleo significa que o seu PIB tem crescido. Mas os índices de qualidade de vida da população continuam sendo dos mais baixos do mundo.
Com a elevação do preço do petróleo, Teodoro Obiang anda tentando ampliar sua credibilidade no exterior e limpar sua imagem. Como? Por meio de algumas reformas políticas internas? De alguma melhoria dos direitos humanos? Não. Ele o faz comprando instituições internacionais. É nesse contexto que foi feita uma aproximação à CPLP. Em 2004 concedeuse a esse Estado a condição de observador. E agora, ao que parece, está muito próximo de conseguir ser membro de pleno direito.
Mas afinal o que é a CPLP? Ela é uma Comunidade que agrega os países de língua portuguesa (Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste). Tem por objetivo a cooperação nas áreas governamentais e culturais de defesa da língua portuguesa. A CPLP tenta também difundir boas práticas em todos os domínios da ação política dos Estados.
A Guiné Equatorial não é um país de língua portuguesa, tendo apenas algumas partes do país integrado o império português no séc. XVIII. Mesmo assim, considerando serem as credenciais democráticas de alguns dos membros da CPLP mais que duvidosas, qual é o problema de aceitar esse novo membro?
Há três problemas. Primeiro, ao incluir a Guiné Equatorial sem quaisquer pré-requisitos formais e substantivos de liberalização política, a CPLP servirá não apenas para consolidar um dos regimes mais brutais do mundo, mas também para legitimá-lo.
Segundo, a entrada da Guiné Equatorial seria um sinal muito claro para todos os atuais membros da CPLP de que esta instituição diz respeito apenas a interesses econômicos, marginalizando seus objetivos políticos. Nas últimas décadas, o percurso da Comunidade, ainda que não isento de acidentes, tem sido no sentido da melhoria das condições políticas dos seus integrantes.A entrada da Guiné Equatorial enfraquecerá todo esse esforço.
Terceiro, a própria CPLP perderá legitimidade aos olhos da comunidade internacional. Havemos de atentar para um episódio amplamente ilustrativo: recentemente, Obiang propôs à Unesco criar um prêmio com o nome do ditador no valor de 3 milhões de euros, dedicado à "Preservação da Vida", proposta que foi inicialmente aceita. Seguiram-se críticas inflamadas por parte de associações de direitos humanos de todo o mundo e de personalidades como o bispo Desmond Tutu. A revista "The Economist" ridicularizou a Unesco. Num artigo de 6 de maio de 2010, propôs à Unesco outros prêmios: o Prêmio Robert Mugabe para a Produtividade Alimentar ou o Prêmio Ahmadinejad para a Paz com Energia Nuclear. Diante de tal alarido, a Unesco acaba de anunciar a suspensão do prêmio.
Mas Obiang não baixa a guarda. Realizou recentemente uma visita a Cabo Verde, tendo assegurado que Pedro Pires, presidente deste país, seja a favor da adesão plena da Guiné Equatorial à CPLP. Até agora, os responsáveis no Brasil e em Portugal têm ficado em silêncio.Eles serão decisivos nessa tomada de posição. Está em causa a credibilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
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