quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Teoria do Município


Para o Congresso Nacional Municipalista do Porto, em 1924, escreveu António Sardinha, então Presidente da Câmara Municipal de Elvas, dezasseis teses de apoio à Teoria do Município.
Numa altura em que se discute a reforma administrativa e municipal em Portugal, convém pois recordá-las:

1ª Tese – O Município não é uma criação legal. Anterior ao Estado, é preciso defini-lo e tê-lo como organismo natural e histórico. Ler mais

2ª Tese – A descentralização administrativa não é, por isso, suficiente para resolver o problema municipalista. Ler Mais
3ª Tese – Órgão da vida local, inteiramente extinta, mas que é preciso ressuscitar para que haja vida nacional consistente e intensa, o Município deve ser restaurado nos termos em que vicejaria hoje o velho e tradicional município mediévico, se o seu desenvolvimento não tivesse sido estrangulado por factores de sobejo conhecidos.

4ª Tese – Essa restauração do nosso antigo Município equivale a considerá-lo não como uma simples função administrativa, mas como um centro de vida própria, espécie de unidade orgânica, abrangendo todas as relações e interesses dos seus convizinhos, desde o ponto de vista familiar e económico até ao ponto de vista cultural e espiritual.

5ª Tese – Restaurado em tais condições, o Município, simultaneamente suporte e descongestionador do Estado, contribuirá para atenuar a crise mortal que este atravessa, vítima do centralismo excessivo que o depaupera e abastarda.

6ª Tese – Como, em harmonia com o meio físico e a sua estrutura económica específica, os Municípios se não podem reduzir a um tipo único, – e esse é o erro da legislação herdada da Revolução Francesa – os Municípios poderão e deverão classificar-se segundo as características que lhe imprimam personalidade em MUNICÍPIOS RURAIS, MUNICÍPIOS INDUSTRIAIS, MUNICÍPIOS MARÍTIMOS, etc., havendo que admitir o MUNICÍPIOS-CIDADE, para os grandes centros urbanos.

7ª Tese – A classificação dos municípios, requerida por eles, importa consigo uma lei orgânica própria, – ou foral –, que o Município redigirá, entrando em vigor desde que receba a sanção do poder central.

8ª Tese – E como, na tendência crescente para a substituição do "indivíduo" pelo "grupo", é preciso constranger o sufrágio a aceitar novos moldes, a constituição das câmaras municipais deverá sair, em número igual, de vereadores eleitos directamente e de representantes ou delegados das associações e sindicatos existentes na área de concelho.

9ª Tese – Na eleição municipal terão voto, além dos cidadãos em pleno exercício desse direito, as mulheres viúvas com ar constituído.

10ª Tese – Revogar-se-ão, com critério prudente, as leis de desamortização no tocante aos Municípios, podendo estes adquirir terrenos para aforar nos termos do "casal de família", – regímen a que igualmente poderão ficar sujeitos os baldios ainda existentes.

11ª Tese – Para semelhante fim necessitam os Municípios ser autorizados ao lançamento de um tributo ou imposto especial sobre os proprietários absentistas.

12ª Tese – Dentro dos Municípios e onde houver Misericórdias, a estas admiráveis e tão portuguesas instituições deverão pertencer as funções de assistência pública, como base local e consequentemente descentralizada, cabendo às câmaras municipais dispensar o apoio e auxílio de que as Misericórdias careçam para bem cumprirem a sua augusta missão.

13ª Tese – Poderão os Municípios federar-se constituindo "regiões" em substituição dos "distritos" – decalque da legislação francesa, sem realidade geográfica nem justificação tradicional.

14ª Tese – Aos Municípios que pela sua pequenez ou insuficiência financeira não seja possível existência autónoma, permitir-se-á também que se federem com outros, mas sem a perda da sua personalidade.

15ª Tese – A instrução primária deve ser de base técnica e regional.

16ª Tese – É imperioso restaurar as Províncias, dotando-as de órgãos próprios e adequados.

António Sardinha in «À Sombra dos Pórticos».

Fonte: Blogue "Acção Integral", post de 03Dez2012

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