terça-feira, 10 de março de 2009

«'Allosaurus': UM DINOSSÁURIO, DOIS CONTINENTES»

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 08/03/09
.
Ilustração de Carlos Possolo
.
TUDO COMEÇOU há pouco mais de vinte anos, quando, em Andrés, Santiago de Lintém, Pombal, o Senhor José Amorim procedia à abertura de caboucos, visando as fundações de uma edificação de apoio à sua actividade agrícola.
.
Para sua grande surpresa, a escavadora pôs a descoberto um conjunto de grandes ossos fossilizados que de imediato concluiu, e bem, pertencerem a um dinossáurio. O terreno em questão, datado do Jurássico superior, com 153 a143 milhões de anos, consta de um arenito argiloso, por vezes margoso, depositado em ambiente predominantemente fluvial, sob clima quente, conforme se pode deduzir do tipo de sedimentos e dos restantes fósseis que encerram (peixes, crocodilos, gastrópodes, bivalves, pterossáurios, diversas plantas).
.

Ilustração de Nuno Farinha

Ao contrário do que é frequente, o Senhor Amorim procurou ajuda e nessa procura acabou por chegar ao contacto com o Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, ao tempo em que eu ali trabalhava. Mas fez mais este agricultor. Louvavelmente, suspendeu a obra e disponibilizou-nos aquele terreno, graciosa e definitivamente, permitindo-nos os trabalhos de escavação paleontológica que ali pudemos levar a efeito, em grande parte no âmbito de um projecto de investigação do Museu, da minha responsabilidade, suportado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Como resultado das colheitas efectuadas e dos subsequentes estudos, os nossos paleontólogos puderam identificar o dinossáurio de Andrés, como um terópode (carnívoro) - Allosaurus fragilis - uma espécie já conhecida nos Estados unidos da América, em terrenos da mesma idade, numa formação geológica conhecida Morrison.

O facto de a mesmíssima espécie habitar duas regiões hoje separadas pelo Atlântico, permite concluir que, nesses recuados tempos, estes animais eram livres de circular de uma para a outra e que, portanto, a América do Norte e a Eurásia ainda não estavam separadas pelo oceano. Esta conclusão, que vem corroborar o que consta sobre a abertura e expansão dos oceanos e consequente deriva dos continentes é, por sua vez, reforçada pelo achado recente, em Casal Novo (Batalha), de ossadas de Stegosaurus, um herbívoro contemporâneo do referido Allosaurus, do lado de lá do Atlântico, encontrado nos mesmos terrenos.
.

As ossadas deste gigantesco predador, aqui estudadas, e uma série de réplicas, em tamanho natural, de esqueletos dele e de outros seus contemporâneos, podem ser admirados, ao longo do presente ano, na magnífica exposição, a não perder, "Allosaurus: UM DINOSSÁURIO, DOIS CONTINENTES", recentemente aberta ao público no Museu Nacional de História Natural, na rua da Escola Politécnica.

Publicado no DN de 07 de Março de 2009

Sem comentários: