terça-feira, 3 de março de 2009

Viver no outro lado do mundo

Viver no outro lado do mundo

via COMBUSTÕES de Combustões em 01/03/09
Viver longe é sempre uma aventura. Recomeçar de novo, abandonar hábitos, criar novas amizades, construir o nosso pequeno mundo doméstico, compreender as diferenças e nelas inserir a nossa visão do mundo. Depois de ano e meio longe de Lisboa, surge-me um Portugal distante, quase delido. Já nada me interessa a politiquice portuguesa, mais os seus remoques e azedumes, o espírito da branda guerra civil em que os meus compatriotas vão adiando olhar-se ao espelho e fazer algo por eles e pelo país. Confesso que saí de Portugal porque estava cansado, terrivelmente cansado com o sem sentido de tudo o que me ia irreversivelente empurrando para a porta da saída. Esta abriu-se, finalmente, peguei no passaporte e cheguei com uma mala e muitos sonhos.

Aqui estudo uma língua difícil - já lá vão mais de setecentas horas de conversação, leitura e escrita numa escola modelar - e tenho por companheiros japoneses, coeranos, russos, americanos, franceses, chineses e filipinos, com os quais muito vou conhecendo sobre esse vasto mundo que não se confina aos futebóis, às discursatas e escandaletes que espaçadamente ainda vou encontrando nas páginas em linha dos jornais caseiros. É gente de estudo, são investigadores, professores, economistas, antropólogos, historiadores, sociólogos, artistas e até missionários católicos e protestantes que aqui chegaram impelidos por fogo proselitista que respeito mas sei condenado ao fracasso em terra em que o budismo, com a sua brandura, tolerância e sabedoria está entranhado nos mais insignificantes gestos, práticas e palavras.

Tenho passado o meu tempo a ler e estudar. É gratificante, pois sei que posso, na proporção das minhas parcas competências, trabalhar pela restauração de uma certa ideia de Portugal numa terra em que fomos realmente importantes. Dentro de dois anos terão lugar as celebrações dos 500 anos de relações entre Portugal e a Tailândia e espero poder oferecer aos meus e aos thais uma obra tão correcta quanto possível sobre essa relação ininterrupta entre dois estados independentes e livres.

Com o passar do tempo, envolvi-me com estudiosos e historiadores locais, deles recebendo preciosa ajuda em tudo o que à história tailandesa concerne, facultando-lhes de igual modo ajuda no melhor entendimento de Portugal e da sua expansão. Preparar documentários, conferências e palestras, editar [em inglês e thai] sobre o significado destas mais antigas relações entre um povo europeu e uma nação asiática; eis, em suma, a minha pequena missão. A cada um de acordo com as suas capacidades. Se aí pouco me deixaram fazer, aqui vivo feliz e disponível para deixar algo que sirva, no futuro, para quantos ainda se interessarem pelo significado da nossa presença em todos os azimutes do planeta.
Verifico que os "meus" se vão paulatinamente desinteressando por este blogue. Dos quinhentos leitores que tinha diariamente, Combustões tem hoje - longe dos futebóis, Sócrates, Ferreiras Leite, Louçãs e discussões sobre a lana caprina - pouco mais de duas centenas. A memória é curta e opera selectivamente. É humano, compreendo, que aos meus leitores Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, o milésimo congresso da SEDES ou o último caso de arrombamento na Calçada do Combro interessem mais que o Sudeste-Asiático. Até já pensei fechar esta corveia, mas algo ainda me liga a Portugal. Tenho de pensar no assunto.

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