via Sopas de Pedra by A. M. Galopim de Carvalho on 4/4/10
A PALAVRA sal foi-nos deixada pelos romanos (sal, salis), que tanto a empregavam para designar o produto material extraído por evaporação da água do mar, como para aludir, em sentido figurado, à vivacidade, à finura cáustica, ao espírito picante, ao bom gosto, à inteligência. E foi assim, com estes dois sentidos, que sal entrou na nossa linguagem quotidiana, da menos à mais erudita. Tal não aconteceu com o termo equivalente halós, dos gregos, cuja passagem pela Península, muito anterior, não teve nem a duração nem a importância da ocupação romana. Apenas no jargão científico e tecnológico dispomos de vocábulos construídos com base no étimo grego. Diz-se que um solo é halomórfico quando salgado, que um organismo é halofílico quando suporta bem a presença de sal e designa-se por halogenetos o conjunto dos minerais salinos, entre os quais a halite, o mineral essencial do sal-gema.
Em química, sal é um composto resultante da interacção de um ácido com uma base, ou da acção de um ácido sobre um metal. Cloretos, sulfatos, iodetos, fosfatos, etc. são sais. Porém, todos eles necessitam de um qualificativo que os distinga dos restantes, como são, por exemplo, o sal amargo (cloreto de magnésio), o sal de fósforo (fosfato de sódio e amónia) e muitos outros. Só o cloreto de sódio dispensa esse cuidado, bastando-lhe a palavra sal dita ou escrita isoladamente. É este o constituinte quer do sal marinho, ou sal de cozinha, produzido em salinas (marinhas) à beira-mar, quer do sal-gema, extraído das entranhas da Terra.
A halite ocorre em pequenos cubos, transparentes e incolores. Pode, no entanto, apresentar-se cinzenta, amarelada ou avermelhada, devido à presença de impurezas, como matéria orgânica e óxidos de ferro.
São conhecidas ocorrências de sal-gema em todos os tempos, dos mais antigos aos mais modernos, em todos os continentes. Amplamente explorado, é considerado uma entre as mais importantes matérias-primas que alimentam a moderna indústria química, a par do petróleo e do enxofre. Considerado o georrecurso de mais longo e variado uso pela Humanidade, o sal-gema determinou a localização de núcleos populacionais no interior dos continentes, onde dificilmente chegava o sal marinho. Salzburgo, na Áustria, é disso um exemplo.
Em Portugal, o sal-gema surge na base do Jurássico em ocorrências que testemunham a existência de um cordão de lagunas litorais formadas há cerca de 200 milhões de anos, sob um clima quente e muito seco. São particularmente importantes as explorações de Torres Vedras e de Loulé. A primeira, em Matacães, realiza-se dissolvendo o sal por injecção de água no corpo salino, sendo a salmoura (água + sal) recolhida e enviada, por pipeline, até às instalações fabris na Póvoa de Santa Iria, através de um percurso de mais de cinquenta quilómetros. Em Loulé, o sal é explorado "a seco", em mina subterrânea. Com vários quilómetros de galerias, amplas e desprovidas de humidade, a mais de 230m de profundidade, esta mina oferece óptimas condições ambientais aos asmáticos que ali buscam alívio. Loulé tem reservas para milhares de anos de laboração e o sal, que ali se extrai, é dirigido à indústria química de Estarreja.
Na Fonte da Bica, em Rio Maior, há poços de água salgada abertos em terrenos ricos em sal-gema. Esta água é lançada em tanques (talhos) e aí evaporada, precipitando o sal, num processo que vem desde tempos imemoriais. A repartição desta salmoura pelos salineiros locais obedece a um regime tradicional, escrupulosamente respeitado, conhecido desde o século XII.
Entre nós, a exploração de sal-gema está muito aquém das nossas disponibilidades nesta matéria-prima. Tal é devido à grande qualidade do sal produzido nas nossas marinhas e também à importação deste produto ditada pelas regras do mercado internacional.
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