quinta-feira, 13 de novembro de 2008

"BYE BYE", FRANCOFONIA!

via Sopas de Pedra de A. M. Galopim de Carvalho em 13/11/08
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NOS MEUS ANOS DE FACULDADE, como aluno, o francês dominava as relações académicas, os compêndios e manuais de estudo. Nesse período áureo da penetração da inteligência gaulesa na nossa vida cultural e científica, em particular, no ensino superior e na investigação, a maioria dos estágios dos nossos assistentes e jovens investigadores tinha lugar em França, na maioria, em Paris. São muitos os nomes dos grandes autores francófonos sobre os quais assentou o essencial da preparação dos universitários da minha geração. A par destes, os grandes autores alemães, que os havia, pouco saíam das estantes das bibliotecas, mercê de uma língua que só um ou outro dominava. Com maior divulgação, mas não tanta quanto a dos livros em francês, havia os dos autores que faziam uso da língua inglesa, em especial, americanos, britânicos e uns tantos do Norte da Europa.
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Os anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) deram hegemonia ao inglês, situação que se tem vindo a acentuar com a globalização de múltiplos sectores da actividade dos povos deste planeta já referido, por alguns, por "aldeia global". Um caso paradigmático desta evolução de que fui testemunha, passou-se com o livro "Géologie des Argiles", de George Millot, editado em Paris, pela Masson, em 1964. Obra notável e pioneira deste que foi meu mestre, abriu-me o caminho aos estudos que empreendi, permitindo que me antecipasse, aos meus pares americanos e ingleses, nas conclusões a que cheguei, dada a pouca penetração do francês no universo anglófono. As concepções deste ilustre professor de Estrasburgo só tiveram a divulgação, que se impunha, e a correspondente penetração na comunidade dos geólogos, a partir da edição deste seu livro, em inglês, sob o título "Geology of Clays", na Springer-Verlag, N.Y., em 1971.
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Uma influência da francofonia na nomenclatura das rochas foi a que, em minha opinião, deu origem a uma imprecisão que ainda hoje persiste em muitos manuais de ensino e, até, em textos científicos. Trata-se do uso da expressão rocha eruptiva, como sinónima de rocha magmática ou ígnea. O qualificativo magmática indica, e bem, que a rocha resultou da solidificação de um magma, isto é, um material rochoso total ou parcialmente no estado de fusão e, portanto, incandescente ou ígneo, de que temos exemplo na lava saída de uma erupção vulcânica. Neste caso, a rocha que se forma, o basalto, por exemplo, é, de facto, eruptiva. Outras rochas magmáticas como, por exemplo, o granito, resultam da solidificação em profundidade, na crosta, de magmas que nunca brotam à superfície e que, portanto não dão origem a erupções. Designar estas rochas por eruptivas é, de facto, um erro.
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Os grandes petrógrafos franceses do princípio do século XX foram beber esta imprecisão aos seus antecessores alemães, da segunda metade do século XIX, eles, sim, os criadores do termo germânico, Eruptivgestein, aplicado a qualquer rocha magmática, eruptiva ou não, e, daí, a expressão roche éruptive dos autores franceses. Foi, sobretudo, a partir destes que a expressão rocha eruptiva, com o mesmo significado de rocha magmática, entrou e teima em persistir, erroneamente, na terminologia geológica portuguesa.
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Há uma vintena de anos, ao tempo do Presidente François Mitterand, veio a Lisboa um seu enviado especial, com o propósito de contactar a comunidade dos nosso cientistas especializados em França e, desses contactos, concluir sobre as medidas a serem tomadas pelo seu governo, no sentido de reactivar a francofonia, já então, em franca regressão. O sujeito, cujo nome se me apagou da memória, ouviu de nós recomendações, entre as quais recordo as relacionadas com o preço das edições francesas e a necessidade de se aumentar o número de bolsas de estudo a subsidiar pelo seu governo. Posto isto, regressou à pátria e nunca mais ninguém ouviu falar nele nem no problema que o trouxera até nós.
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Hoje em dia, os nossos investigadores científicos, à semelhança de franceses, belgas e outros francófonos, quaisquer que sejam os seus domínios de especialização, escrevem os respectivos trabalhos (papers) na língua de Shakespeare. Isto, se quiserem que os seus resultados tenham a divulgação que pretendem dar-lhes, e, o que também é considerado importante, sejam citados internacionalmente no exigente e selectivo scientific índex (ISI).

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